Capítulo 5 – Aron Gardner
A aldeia se revelou aos poucos, escondida entre as árvores antigas e protegida por encantamentos invisíveis que apenas os nossos podiam sentir.
Casas feitas de madeira escura e pedra brotavam do chão como se fossem parte da floresta, suas formas irregulares se mesclando com a natureza ao redor. Luzes azuladas brilhavam suavemente nas varandas e postes esculpidos em espirais retorcidas, iluminando as ruas estreitas pavimentadas com pedras musgosas.
Os feéricos estavam em toda parte. Alguns descansavam em telhados, suas asas dobradas contra o corpo; outros caminhavam em grupos, rindo e conversando em nosso idioma. Mas, no momento em que cruzamos a entrada da aldeia, cada conversa m0rreu.
Todos se viraram para nos encarar.
O choque era visível em seus rostos. Eu podia ouvi-los sussurrando entre si, suas vozes cheias de incredulidade. Humanos, aqui? Humanos sendo guiados por feéricos?
Isso nunca acontecia.
E, para piorar, havia o vínculo.
A pressão do laço que eu sentia com Victória ainda estava ali, latejando sob minha pele como um aviso constante. Eu podia sentir a atenção dos outros sobre nós, seus olhares se estreitando quando percebiam o que estava acontecendo. Alguns amaldiçoaram em voz baixa, outros simplesmente bufaram e desviaram os olhos, como se quisessem evitar essa confusão.
Mas Victória… ela não evitava nada.
Diferente das outras garotas, que mantinham os olhos abaixados e os ombros curvados, Victória olhava ao redor sem medo. Seu queixo estava erguido, e seus olhos azuis desafiavam cada feérico que ousava encará-la por tempo demais.
Irritante.
Ela não sabia que esse tipo de atitude poderia acabar muito mal para ela?
Eu senti Soren se aproximar, seu tom divertido ao sussurrar:
— Você arrumou uma problema, Aron.
Eu travei a mandíbula, ignorando-o.
— Gardner! — Uma voz grave me chamou, e eu me virei para encarar um dos anciãos da aldeia, um feérico de pele escura e asas cortadas, sinal de que já tinha vivido batalhas demais. — O que diabos é isso?
— Humanos. — Falei simplesmente, parando no centro da aldeia. — Encontramos essas garotas sendo transportadas por caçadores que cruzaram nosso território.
— E em vez de matá-l0s e ignorar o problema, você decidiu trazê-las para cá?
— Sim.
O ancião apertou os olhos para mim, mas foi uma das outras garotas que quebrou o silêncio.
— Eles nos salvaram! — a voz era pequena, mas firme.
O ancião se virou para ela como se só agora estivesse percebendo sua presença. Ele franziu a testa, seus olhos dourados se estreitando.
— Humanos não pertencem a este lugar.
Victória bufou ao meu lado.
— E nós pedimos para ser sequestradas e vendidas?
A aldeia mergulhou num silêncio absoluto. O olhar do ancião se voltou para ela, avaliando-a, e eu senti os músculos de Victória se enrijecerem ao meu lado.
— Você tem coragem — ele murmurou. — Mas isso não muda nada.
— Então o que pretende fazer? Nos expulsar e nos deixar m0rrer na floresta?
Os feéricos ao redor murmuraram, alguns parecendo interessados na ousadia dela, outros claramente irritados.
O ancião me olhou novamente.
— O que você quer fazer com elas, Gardner?
Eu inspirei profundamente, sentindo o peso do olhar de todos sobre mim.
— Levá-las para um lugar seguro.
Ele soltou um suspiro cansado.
— Como se já não tivéssemos problemas suficientes...
Victória cruzou os braços, claramente contrariada.
— Podemos parar de falar como se não estivéssemos aqui?
Eu a encarei, minha paciência começando a se desgastar.
— E você pode parar de agir como se estivesse no comando?
Ela me lançou um olhar desafiador.
— Eu só quero saber para onde estamos indo.
— Para um lugar seguro — repeti.
— Isso não me diz nada.
— E por que eu deveria me importar com o que você quer saber?
Os feéricos riram baixo ao redor, divertidos com nosso embate. Eu cerrei os dentes.
— Você gosta de discutir, não gosta?
Victória me lançou um sorriso insolente.
— Você gosta de evitar respostas, não gosta?
Os risos aumentaram. Eu inspirei fundo, tentando conter minha irritação.
— Escute, humana, eu já fiz mais por você do que qualquer um jamais faria. Então pare de me testar.
Ela me encarou por um momento, e pela primeira vez eu vi algo diferente em seu olhar — não apenas desafio, mas uma centelha de algo mais profundo.
Então ela deu de ombros.
— Tanto faz. Só me avise quando formos embora.
E com isso, ela se afastou, deixando-me ali com um gosto amargo na boca e o peso da atenção de toda a aldeia sobre mim.
Sim, eu definitivamente tinha um problema.
Olhei para as garotas sujas e exaustas à minha frente. Mesmo a mais irritante delas—Victória—começava a demonstrar sinais de cansaço. Suas pernas estavam tensas, seus olhos levemente opacos. As outras mal conseguiam se manter em pé, algumas tremendo de fome e medo.
Suspirei, passando uma das mãos pelos cabelos.
— Venham comigo.
Nenhuma delas questionou. Até mesmo Victória me seguiu sem retrucar, o que era um milagre.
Atravessamos a aldeia sob os olhares curiosos dos feéricos. Alguns cochichavam, outros apenas observavam, claramente incomodados com a presença humana. Mas ninguém ousou nos impedir.
A pousada era um prédio simples, de pedra escura e madeira, com lanternas mágicas flutuando na entrada. A dona, uma feérica idosa de pele enrugada e asas atrofiadas, nos encarou com desconfiança quando entramos.
— Preciso de quartos e banhos para elas — ordenei.
Ela franziu a testa, mas não discutiu.
— Vou preparar algo para comerem também.
Assenti, virando-me para as garotas.
— Vocês têm até o amanhecer para descansarem.
As humanas murmuraram agradecimentos apressados, aliviadas. Algumas começaram a chorar ao perceberem que teriam uma cama e um banho quente pela primeira vez em dias.
Victória, no entanto, cruzou os braços.
— E depois?
Encarei seus olhos azuis desafiadores.
— Depois, eu as levo para o castelo.
Ela arqueou uma sobrancelha, desconfiada, mas não disse nada.
Por enquanto.
Eu saí antes que ela pudesse me irritar mais. Amanhã seria um longo dia.
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Comments
Rosária 234 Fonseca
ansiosa pelos capítulos parabéns autora
2025-04-01
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