O Feerico e a Donzela

O Feerico e a Donzela

01

Capítulo 1

Victória Eloise

O cheiro de ferrugem e suor impregnava o ar abafado dentro da gaiola de ferro. O ranger das rodas da carroça no chão seco e acidentado fazia meu corpo sacudir contra as barras frias, enquanto as correntes presas aos nossos tornozelos tilintavam a cada solavanco. O sol castigava sem piedade, e o calor transformava o interior da jaula em um inferno de metal e corpos amontoados.

Eu estava sentada contra as grades, as pernas dobradas, o queixo apoiado nos joelhos magros. Meu vestido, que antes fora azul, agora estava sujo e rasgado, coberto de poeira e manchas de terra. Meus cabelos ruivos, embaraçados e opacos, grudavam na pele suada do meu rosto. Olhei ao redor, para as outras garotas na mesma condição que eu. O medo estava estampado em seus rostos pálidos, os olhos baixos, os corpos retraídos.

Havíamos sido capturadas há dias, arrancadas de nossas casas, separadas de nossas famílias sem qualquer explicação além de gritos e ordens ríspidas. Nove homens, armados com espadas e facas sujas, nos mantinham sob vigilância constante. Alguns eram brutamontes de feições duras e olhares famintos, outros tinham sorrisos cínicos que me davam calafrios. Eles nos tratavam como mercadorias, algo a ser transportado e vendido pelo melhor preço.

— Peguem. — Um dos captores jogou pedaços de pão velho através das grades, o alimento caindo no chão sujo da gaiola.

As garotas se encolheram, mas a fome era cruel. Algumas hesitaram, mas acabaram rastejando para pegar o pão endurecido. Eu também peguei um pedaço, mesmo sabendo que aquilo mal passava por comida. Enquanto mastigava devagar, sentindo o gosto amargo da sujeira e do desespero, um cantil foi passado entre nós. A água dentro dele era turva, com um gosto metálico e sujo, mas não tínhamos escolha.

— Quanto tempo mais? — sussurrou Helena, uma das garotas mais novas. Sua voz tremia tanto quanto suas mãos, que seguravam o pedaço de pão com força.

— Dois dias, talvez três — respondi, mantendo minha voz baixa. Eu tinha prestado atenção nas conversas dos captores e sabia que estávamos sendo levadas para um mercado de escravos. O destino exato ainda era incerto, mas não importava. Se chegássemos lá, nossas vidas estariam acabadas.

Meu estômago revirou com a ideia.

— Precisamos fugir antes disso — continuei, olhando para as outras. — Se esperarmos até chegarmos ao mercado, será tarde demais.

Nenhuma delas respondeu de imediato. Algumas evitaram meu olhar, enquanto outras apenas suspiraram, resignadas.

— E como faríamos isso? — perguntou Sofia, uma garota de cabelos escuros e rosto marcado por hematomas recentes. — Estamos acorrentadas, dentro de uma gaiola, vigiadas por nove homens armados.

— Ainda não sei — admiti, apertando os punhos. — Mas não podemos simplesmente esperar pelo pior.

— O pior já aconteceu. — A voz de Ana, uma loira magra de olhos vermelhos de tanto chorar, soou vazia. — O que mais podem nos fazer?

— Não diga isso — rebati, tentando controlar minha frustração. — O pior ainda não aconteceu, e é exatamente por isso que temos que sair daqui.

Um silêncio pesado se instalou. Eu entendia o desespero delas, o medo que nos consumia a cada dia que passava. Mas aceitar aquele destino sem lutar? Isso, eu não podia fazer.

A carroça deu um solavanco mais forte, e bati o ombro contra as grades, soltando um gemido baixo.

— Cuidado aí dentro, v@dias — zombou um dos captores, um homem magro de olhos pequenos e malícia escorrendo pelo sorriso torto. — Não queremos que se machuquem antes da venda.

Os outros riram, trocando comentários nojentos.

Fechei os olhos por um momento, respirando fundo. Não adiantava revidar agora, não presas assim. Mas cada risada, cada olhar de superioridade que nos lançavam, só fortalecia minha determinação.

Precisávamos fugir. E eu encontraria um jeito.

Naquela noite, enquanto o acampamento dos captores se instalava, observei tudo com atenção. Eles eram cautelosos, mas também relaxavam depois de algumas doses de álcool. Dois ficavam sempre de guarda, mas não pareciam levar o trabalho tão a sério. Alguns dormiam perto da fogueira, enquanto outros jogavam dados.

Dentro da gaiola, as garotas estavam em silêncio. Algumas dormiam, outras apenas encaravam o vazio, esperando pelo amanhecer como prisioneiras à espera da sentença.

Meus olhos correram pelas correntes presas a nossos tornozelos. Os ferrolhos das algemas pareciam velhos, talvez enferrujados. Se conseguíssemos alguma coisa afiada, talvez pudéssemos soltá-las. A gaiola também tinha pontos vulneráveis, pequenos buracos onde os ferros pareciam menos resistentes.

Se ao menos tivéssemos mais tempo.

Se ao menos tivéssemos uma distração.

— Victória… — a voz de Helena soou fraca ao meu lado.

Virei-me para encará-la.

— O que foi?

Ela hesitou, mordendo o lábio.

— Você acha… que alguém pode nos salvar?

Meu coração apertou. Não queria dar falsas esperanças. Não sabia se algum tipo de milagre aconteceria.

Mas eu ainda tinha esperança.

— Não sei — murmurei. — Mas se ninguém vier, eu mesma nos tirarei daqui.

Eu só não sabia que, naquela mesma noite, o destino já estava em movimento.

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Comments

Rosária 234 Fonseca

Rosária 234 Fonseca

Já gostei bastante ansiosa pelos capítulos parabéns autora

2025-04-01

0

Milla silva

Milla silva

começando hoje gosto bastante de história assim .😀😀😀😀

2025-04-06

0

Dulce Gama

Dulce Gama

começando 22/03/25

2025-03-22

0

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