— Certo! Acho que já nos divertimos o bastante, pessoal. Agora podemos concordar que tudo isso é um enorme mal-entendido? — Felix declarou, forçando um sorriso enquanto, com toda a sutileza de um bode tentando dançar balé, tentava devolver a espada aos goblins.
Os pequenos seres verdes, no entanto, começaram a se agitar, os olhos arregalados e transbordando confusão.
— O rei... não ser rei?! Rei mentir?!
— Mentira? Nunca tivemos rei antes! Mas agora temos! E agora rei diz que não ser rei? Isso não faz sentido! — os murmúrios começaram como uma brisa leve e, em poucos segundos, já se transformavam em um furacão de indignação goblínica.
Felix começou a suar. Era impressionante como, em questão de minutos, ele passara de herói reverenciado a possível vítima de linchamento. Afinal, aquele assentamento goblin era imenso — provavelmente o maior da história com no mínimo dois mil goblins — e ele e seus cinco companheiros, conhecidos pela absoluta ausência de sinergia e utilidade, seriam reduzidos a patê de aventureiro se aquela adoração cega virasse uma revolta.
Grindor resolveu intervir antes que a multidão decidisse coroar Felix com pedradas e espetadas.
— Bom, se querem mesmo um rei, talvez seja melhor que ele veja com os próprios olhos o inimigo do seu povo antes de tomar qualquer decisão, não acham? — sugeriu ele, cruzando os braços com um ar de grande sabedoria, o que era impressionante vindo de alguém que, minutos antes, tentara comer um cogumelo desconhecido do chão.
Os goblins se entreolharam, coçando os queixos em sincronia, até que um deles acenou vigorosamente.
— Sim! Rei ver dragão! Rei saber o que fazer depois!
Felix sentiu o estômago despencar. Ele não sabia o que era pior: ser rei por acidente ou ser rei por acidente e ter que encarar um dragão. Mas antes que pudesse protestar, Lyra deu um tapinha encorajador em seu ombro.
— Parabéns, majestade. Agora vamos ver esse dragão e, depois, podemos correr como bons covardes sensatos.
Magnus bufou.
— Espere um momento. Então vocês realmente vão atrás de um dragão? Porque eu gosto de ter fama, mas prefiro ainda mais estar vivo para desfrutá-la.
Vaelion e Tobias agitaram a cabeça concordando com Magnus, exibindo expressões que variavam entre pânico e arrependimento por todas as decisões tomadas na vida.
— Então querem ficar aqui e enfrentar esse exército? — questionou Lyra, arqueando uma sobrancelha.
O trio se entreolhou, pesando suas opções. De um lado, um dragão devorador de aventureiros. Do outro, uma horda de goblins indignados e prontos para reivindicar a cabeça de um rei traidor.
— Pensei que nossas missões se resolveriam da mesma forma que a do Pântano… — murmurou Vaelion, sentindo saudades dos tempos em que apenas afundava na lama até o pescoço.
********
Na manhã seguinte, o glorioso dia em que o renomado—ou melhor, notório—grupo Asas do Couve-Flor partiria rumo às profundezas da floresta em direção à vila dos goblins, o sol mal havia despontado no horizonte… e Felix já estava exausto. Ser confundido com um rei goblin definitivamente não estava na sua lista de “tragédias improváveis”, mas, como sempre, o universo parecia ter um talento especial para se superar.
Antes de partir, Felix teve um lampejo de genialidade—ou, pelo menos, algo que se parecia vagamente com isso.
— Muito bem, súditos! Antes de enfrentarmos essa ameaça, preciso que façam algo muito importante para a sobrevivência do… ahn… nosso glorioso reino! — Felix ergueu as mãos dramaticamente, tentando parecer menos desesperado e mais majestoso. — Saiam das proximidades das terras élficas. O máximo que puderem.
Os goblins se entreolharam e, num uníssono entusiasmado, gritaram:
— Sim, grande rei!
Felix piscou, surpreso.
— Não dá para pedir para eles pularem de um penhasco? Assim, evitamos tanto o exército quanto o dragão. — Magnus sugeriu, esperançoso.
— Acho que eles não são tão burros assim… — Tobias comentou, embora seu tom não fosse de plena convicção.
Mas antes de partirem, havia um pequeno detalhe irritante: Felix ainda estava preso à maldita espada amaldiçoada pelo peso de mil infernos. Ele tentou devolvê-la novamente, mas os goblins se recusaram a pegá-la.
— Se rei deixar espada, rei não ser mais rei!
Felix massageou as têmporas.
— Ah, mas que lógica mais… mais… argh! — Ele olhou para os companheiros, esperando que alguém, num raro surto de altruísmo, se oferecesse para carregar aquela monstruosidade.
Lyra fingiu examinar as unhas, Grindor passou a admirar o céu como se nele houvesse uma profecia oculta, Magnus e Vaelion cruzaram os braços com desdém calculado, e Tobias apenas sorriu com uma expressão de quem sabia que era inútil lutar contra o destino.
— Essa espada não compreende minha grandeza. — Vaelion declarou, tentando disfarçar o fato de que nem ele conseguia segurá-la.
Sem alternativas, Felix pegou a espada pelo cabo e começou a arrastá-la pelo chão como um ancião exausto arrastando um saco de batatas.
— Rei glorioso… majestoso… que arrasta sua própria espada como um mendigo carregando tralhas. É assim que querem me lembrar?!
------------
Foram dias de caminhada exaustiva até que, enfim, chegaram ao território dos goblins. Ou melhor, ao que restava dele.
A vila estava destruída. Casas queimadas, torres desabadas, o chão coberto de cinzas. E bem no centro do que um dia fora o lar dos goblins…
Um enorme dragão dormia sobre os escombros. Suas asas dobradas como um manto sombrio, sua respiração profunda e ritmada movendo a poeira ao redor a cada exalação.
Felix engoliu em seco.
— Ok. Vimos o dragão. Agora podemos ir embora, certo?
Antes que alguém pudesse responder, a criatura se mexeu, resmungando em seu sono como um gato gigante irritado. Felix prendeu a respiração.
E então, para o azar de todos, sua espada amaldiçoada bateu contra uma pedra.
CLANG!
O barulho ecoou pelo vale. O suficiente para acordar o próprio deus dos pesadelos.
O dragão abriu os olhos. Dois orbes dourados brilhantes se estreitaram enquanto a criatura farejava o ar, sentindo… algo.
Com um rugido ensurdecedor, a besta alçou voo, obscurecendo o céu por um instante. Em poucos segundos, ele já estava acima do grupo, suas garras prontas para transformar aventureiros em aperitivos.
Felix sentiu as pernas virarem gelatina. Lyra sussurrou um palavrão. Grindor, pela primeira vez, parecia se despedir da vida, e os outros três tremiam como folhas ao vento.
— Acho que um ferimento causado por ele não vai dar para curar… — Tobias comentou, tentando, sem sucesso, conter o pânico.
Mas então… algo inesperado aconteceu.
O dragão parou no ar. Seus olhos se fixaram diretamente em Felix. Ele se aproximou, farejando como se tentasse confirmar algo.
E então, sua expressão mudou de feroz para… surpresa?
— Você…?
Felix piscou.
— Eu…?
O silêncio pairou sobre todos. E então, como se o destino estivesse apenas esperando para lhe pregar mais uma peça, Felix reconheceu a voz.
— Auron…?
O dragão inclinou a cabeça.
— Felix…?
E foi assim que, contra todas as probabilidades, Felix descobriu que o dragão que destruíra a vila dos goblins… era exatamente o mesmo que ele havia curado meses atrás.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 44
Comments