Raios

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O vilarejo se revelava como um mosaico de cores e sons. Ruas de pedra se estendiam entre construções de madeira robustas, algumas com varandas decoradas com vasos de flores e bandeirolas desbotadas pelo sol.

O cheiro de pão recém-assado misturava-se ao aroma apimentado de ensopados fervendo em caldeirões, e o ar vibrava com vozes exaltadas em negociações.

Aery caminhava ao lado de Leo, os olhos brilhando com a movimentação. Ela não fazia questão de esconder as orelhas, e poucos pareciam prestar atenção nelas—felizmente, um vilarejo tão próximo de uma rota comercial costumava receber viajantes de todo tipo.

Ela girou sobre os calcanhares, observando a mistura de mercadores humanos, anões e até um ou outro orc conversando de maneira ruidosa.

— Você já viu algo assim?

— Só é mais barulhento.

— Rabugento.

Ele bufou.

— Realista.

Ela ignorou, absorvendo cada detalhe ao redor. Um bardo tocava um alaúde desafinado em um canto da praça, enquanto crianças corriam entre as barracas de frutas, algumas pegando maçãs sem que os vendedores notassem.

Dois ferreiros, um anão parrudo e um humano de braços largos, discutiam aos berros sobre a qualidade do aço dobrado.

— Uma espada tem que ser equilibrada! — rugiu o anão.

— E você já duelou com uma para saber? — rebateu o humano.

Leo arqueou a sobrancelha, murmurando:

— Aposta quanto que isso vai terminar em pancadaria?

Antes que Aery pudesse responder, o som de metal se chocando ecoou. O humano agarrou o colarinho do anão, que, por sua vez, já o socava na barriga.

— Você adora prever desastres, não é? — Aery riu.

Leo sorriu de lado.

— Eu gosto quando estou certo.

Aery deu uma volta na fonte de pedra no centro da praça, onde algumas mulheres lavavam ervas, conversando animadamente sobre as últimas novidades.

— Ouvi dizer que um grupo de cavaleiros chegou ontem à noite. Procuram um ladrão de amuletos raros.

— E a Madame Luviel? Disse que viu um fantasma vagando pelos campos!

— Bah, besteira! Aposto que era só um elfo negro passando escondido!

Aery engoliu um riso, lançando um olhar de canto para Leo, que fingia não ter escutado.

Mais adiante, um humano alto, de vestes nobres, discutia com um vendedor de tecidos sobre os preços abusivos.

— Isso nem se compara às sedas da capital de Valdoria!

O mercador, um anão de expressão inabalável, deu de ombros.

— Então compre de um goblin. Mas não reclame quando sua roupa sumir de noite.

Aery riu com gosto, mas Leo apenas meneou a cabeça.

— Você não acha essas histórias divertidas? — Ela o cutucou de leve.

— Eu gosto de histórias. Só não gosto de gente que acredita em qualquer coisa.

— E no que você acredita?

Leo lançou-lhe um olhar de soslaio.

— Na minha espada.

— Muito previsível — ela provocou, balançando a cabeça.

Ao passarem por uma feira de plantas, uma mulher idosa com olhos opacos segurou o braço de Aery repentinamente.

— Posso ler seu futuro, menina?

Antes que Aery respondesse, Leo já estava ao seu lado, seu olhar dourado se estreitou.

— Se precisa cobrar para ver o futuro, talvez não seja tão boa nisso.

Aery riu e se desvencilhou com delicadeza.

— Obrigada, mas já sei que meu futuro envolve um elfo rabugento ao meu lado.

— Que bom que sabe, branquinha.

Eles continuaram andando, até que Aery avistou uma pequena loja de joias e parou abruptamente.

— Espere, olha isso!

Sem esperar resposta, ela entrou na loja, deixando Leo suspirar antes de segui-la.

O interior da loja era iluminado por velas baixas, projetando sombras dançantes sobre as joias expostas. Correntes finas de prata brilhavam sob a luz, anéis estavam organizados em almofadas de veludo e pequenos amuletos pendiam do teto em fios dourados. O cheiro de incenso pairava no ar, misturado a algo levemente metálico.

Aery deslizou os dedos sobre uma fileira de pulseiras e pegou uma feita de miçangas coloridas, sorrindo ao colocá-la no pulso.

— Isso é lindo!

Leo, de braços cruzados, observava a cena sem pressa.

— Você gosta dessas coisas, hein?

— Claro! — Aery girou a pulseira, encantada. — Todo acessório tem uma história.

A vendedora, uma mulher de olhos dourados e um sorriso misterioso, inclinou-se sobre o balcão.

— E algumas carregam mais do que beleza.

Leo lançou-lhe um olhar avaliador, mas não comentou.

Enquanto Aery continuava experimentando pulseiras, ele caminhou sem intenção até um suporte próximo.

Uma peça chamou sua atenção: uma pulseira de prata, adornada com uma pedra azul-violeta que refletia a luz de maneira hipnotizante.

Sem pensar muito, ele pegou a peça e voltou até Aery.

Antes que ela pagasse pela pulseira de miçangas, Leo tomou seu pulso e deslizou a joia prateada em sua pele.

— Ei! — Aery piscou, surpresa.

Ele entregou algumas moedas à vendedora, ignorando o olhar espantado de Aery.

Ela lhe lançou um olhar desconfiado.

— Você nunca me dá presentes.

— E nunca disse que faria disso um hábito — Leo retrucou, casualmente.

Ela o encarou por um momento, um sorriso surgindo de canto.

— Então por que essa?

— Porque combina com você.

Seu tom era indiferente, mas algo no jeito que ele evitou seu olhar fez Aery sentir um calor estranho subir pelo peito.

Ela ergueu o pulso, observando como a pedra refletia tons azulados e violetas conforme a luz da vela tremulava.

— Eu gostei…

— Ótimo. Agora podemos ir?

Aery riu, balançando a cabeça, mas seguiu ao seu lado para fora da loja.

Do lado de fora, Lumy, que havia se enroscado em um canto da rua, levantou as orelhas ao vê-los.

— Vamos, garoto. Já desperdiçamos tempo demais. — Leo disse, e o pequeno animal trotou ao lado deles.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O vilarejo logo ficou para trás, e a estrada de terra se estendia à frente, ladeada por campos esverdeados e pequenas colinas.

O vento soprava suavemente, balançando as copas das árvores, e o som de uma carroça rangendo ao longe se misturava ao canto dos pássaros.

Lumy andava ao lado de Aery, as orelhas atentas a qualquer movimento na vegetação.

Leo caminhava alguns passos à frente, sua postura sempre alerta, ainda que relaxada. Ele ajustava o cinto, e sua capa negra oscilava conforme ele se movia.

Aery olhava de tempos em tempos para sua pulseira nova, um sorriso satisfeito nos lábios.

— Ainda encantada com isso? — Leo resmungou, lançando-lhe um olhar de soslaio.

— Claro! Não é todo dia que você me dá um presente.

Leo lançou um sorriso torto.

— Já disse para não se acostumar, branquinha.

— E eu já disse que você escolheu porque combinava comigo. — Ela ergueu o pulso, deixando a pedra brilhar ao sol. — Ou seja, você pensa em mim com mais carinho do que admite.

Leo soltou um suspiro lento e esfregou a têmpora.

— Você transforma qualquer coisa em um grande espetáculo.

Aery deu de ombros, feliz demais para responder.

A estrada levou-os até uma pequena ponte de pedra sobre um riacho. A água era cristalina, e algumas flores brancas cresciam entre as rochas do leito.

Ao lado, um velho pescador sentava-se em um tronco caído, segurando uma vara de pesca improvisada.

— Bom dia, viajantes! — ele cumprimentou, lançando um olhar curioso para Aery e Lumy.

— Bom dia! O senhor pesca aqui há muito tempo? — ela perguntou, observando o balde ao lado dele, onde alguns peixes prateados brilhavam.

O velho riu.

— Há mais anos do que posso contar, moça. Esse riacho já alimentou muita gente. Até mesmo os cavaleiros que passam por essas estradas param para provar meu ensopado.

Aery inclinou-se para olhar os peixes.

— Então o senhor deve saber muitas histórias.

Ele sorriu, ajustando o chapéu de palha gasto.

— Ah, tenho mais histórias do que fios de cabelo na cabeça. Já ouviram falar do espírito da floresta que protege essas terras?

Leo cruzou os braços, o olhar semicerrado.

— Espíritos?

— Dizem que uma criatura antiga ronda os bosques ao sul. Quem tenta caçar em suas terras desaparece sem deixar rastros.

— E o senhor acredita nisso? — Leo arqueou uma sobrancelha, o tom carregado de ceticismo.

O pescador deu de ombros.

— Eu acredito no que vejo. E já vi pegadas que não pertencem a nenhum animal que conheço.

Aery trocou um olhar com Leo, claramente interessada, mas ele apenas bufou e começou a andar.

— Vamos, antes que ela queira ir procurar esse tal espírito.

O pescador riu, e Aery revirou os olhos antes de segui-lo.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O sol já começava a descer no horizonte quando eles entraram em uma área mais densa da floresta. As árvores cresciam altas e largas, criando um corredor natural de sombras e luz filtrada.

Leo caminhava com a mão próxima à espada, os olhos atentos aos arredores.

Lumy parecia inquieto, suas orelhas se movendo com frequência.

— Você está estranho — Aery comentou, observando o rosto de Leo, onde uma expressão tensa havia se instalado.

— Não gosto quando a floresta fica silenciosa demais.

Aery franziu a testa. Agora que ele havia mencionado, percebeu que os sons da mata haviam diminuído. O canto dos pássaros cessara, e nem mesmo o barulho de pequenos animais correndo entre os arbustos podia ser ouvido.

Foi então que sentiu o chão ceder sob seus pés.

— Aery!

Leo se moveu rápido, mas não rápido o suficiente.

O solo afundou, e Aery caiu em uma armadilha profunda, aterrissando com um baque surdo.

— Mas que droga! — ela resmungou, sentada no fundo do buraco.

Leo já estava ajoelhado na borda, os olhos dourados brilhando com frustração.

— Está bem, branquinha?

— Estou inteira, obrigada. — Ela bateu a poeira das roupas e olhou para cima. — E agora?

Antes que Leo pudesse responder, o som de passos se aproximou.

Duas figuras encapuzadas emergiram das sombras entre as árvores, seguidas por um terceiro homem alto, com um cajado nas mãos.

— Que belo prêmio pegamos hoje — um deles murmurou, os olhos brilhando sob o capuz.

Leo se levantou devagar, os músculos tensos como os de um lobo prestes a atacar.

— Se vocês sabem o que é bom para vocês, vão embora.

Os ladrões riram.

— E perder a chance de pegar os pertences de dois viajantes? Não mesmo.

O homem do cajado ergueu a mão, murmurando palavras em um idioma antigo. Uma aura esverdeada começou a emanar de seus dedos.

Aery sentiu um arrepio percorrer sua pele. Ela tentou se erguer, mas o buraco era fundo demais.

Antes que Leo pudesse atacar, o mago lançou um feitiço. Correntes de luz saíram de suas mãos, voando na direção de Leo.

O elfo negro desviou no último instante, sua espada deslizando para fora da bainha com um brilho afiado. Seu olhar se tornou frio como gelo.

— Última chance — ele avisou, sua voz baixa e ameaçadora.

Mas os ladrões avançaram.

Aery tentou canalizar sua magia, mas antes que pudesse conjurar algo, sentiu um calor intenso pulsar contra sua pele.

De repente, uma descarga elétrica explodiu de seu pulso, subindo pelo seu braço como um raio azul-violeta. A energia se acumulou por um breve instante antes de disparar em um clarão estrondoso.

O raio atingiu o solo, e uma explosão de luz iluminou a floresta.

Os ladrões gritaram, cambaleando para trás. O mago soltou um berro quando sua aura mágica se dissipou no ar.

Leo olhou para o clarão, os olhos arregalados por um instante, antes de voltar seu olhar para Aery.

Ela mesma parecia surpresa, observando sua própria mão trêmula.

— Ela... Ela nem conjurou um feitiço!

Os ladrões hesitaram, e então um deles gritou:

— Vamos sair daqui! Isso não vale a pena!

Em poucos segundos, desapareceram na floresta.

Leo, ainda de espada em punho, olhou para Aery.

— Que diabos foi isso?

Ela engoliu em seco, observando a pedra azul-violeta de sua pulseira pulsar levemente.

— Eu… não sei.

Leo embainhou a espada e imediatamente se agachou na beira do buraco. Aery ainda estava lá dentro, olhando fixamente para a pulseira, como se esperasse que ela falasse com ela.

— Branquinha, para de enrolar — Leo resmungou, estendendo a mão para ela.

Aery piscou e olhou para cima.

— E se eu for perigosa demais para sair daqui? — ela colocou a mão no peito. — Meu poder agora é instável, incontrolável…

Leo rolou os olhos.

— Eu juro, se você não subir logo, eu pulo aí e te jogo pra cima.

— Ui, que grosso.

Ela finalmente segurou a mão dele, e Leo a puxou com facilidade, erguendo-a para fora do buraco como se ela não pesasse nada.

Assim que seus pés tocaram o chão, Aery voltou a encarar a pulseira. A pedra azul-violeta ainda brilhava levemente, um resquício do poder que acabara de liberar.

— O que foi isso? — ela murmurou.

Leo cruzou os braços, olhando para a joia com o cenho franzido.

— Isso não é uma pulseira comum.

— Jura? Eu não teria percebido depois de explodir metade da floresta!

— Para de exagerar, você só assustou um bando de ladrões covardes.

— Só?! — Aery colocou a mão na testa, teatralmente. — Leo, eu acabei de liberar um raio que faria até os deuses estremecerem!

Leo a observou por um momento e então soltou um suspiro, esfregando o rosto com as mãos.

— Você não tem um pingo de senso de perigo, tem?

Aery ignorou e ergueu o pulso, mexendo os dedos com curiosidade.

— Deve ser algum artefato mágico… Mas como eu não senti nada diferente quando coloquei?

Leo pegou o pulso dela, examinando a pulseira mais de perto.

Seus dedos eram quentes contra sua pele fria, e Aery sentiu um leve arrepio.

— A maioria dos artefatos mágicos não desperta seu poder imediatamente — ele disse, os olhos dourados analisando a peça com atenção. — Alguns só ativam sua magia sob certas condições.

Ele ergueu os olhos para ela.

— O que você sentiu antes de lançar o raio?

Aery franziu a testa, tentando lembrar.

— Um calor subindo pelo meu braço… e então… bum!

Leo arqueou uma sobrancelha.

— "Bum" não é uma explicação muito útil.

— É assim que magia funciona! É um sentimento, não uma equação!

Leo suspirou.

— Se isso for um artefato, pode ser perigoso. E considerando que eu comprei isso numa lojinha qualquer, alguém te vendeu sem saber o que era, ou… sabia exatamente o que estava fazendo.

Aery arregalou os olhos.

— Você acha que alguém tentou me passar um artefato poderoso sem me avisar?

— Ou te enganaram sem saber o que tinham em mãos.

Ela olhou para a pulseira com uma nova camada de fascínio.

— Isso significa que eu sou uma heroína escolhida pelo destino para carregar esse artefato lendário…

Leo fechou os olhos por um instante, como se estivesse se segurando para não perder a paciência.

— Aery.

— …cujo poder pode mudar o equilíbrio do mundo!

Leo pegou o queixo dela entre os dedos e inclinou sua cabeça levemente para cima.

— Se você continuar dramatizando, eu vou tirar essa coisa de você agora mesmo.

Ela arregalou os olhos e segurou o pulso contra o peito.

— Você não ousaria!

Leo apenas deu um sorriso de canto, malicioso.

— Experimenta.

Aery apertou a pulseira contra a pele, como se ele fosse mesmo roubá-la.

— Você só tá bravo porque não tem uma pulseira poderosa.

Leo revirou os olhos.

— Vamos embora antes que você faça outra explosão.

Aery soltou um suspiro dramático.

— Tão insensível…

Leo já tinha começado a andar de volta à trilha, e Aery teve que apressar o passo para alcançá-lo. Lumy, que havia assistido tudo com sua expressão sempre curiosa, trotou ao lado dela.

A pedra da pulseira continuava a brilhar suavemente.

E Aery não pôde evitar um pequeno sorriso.

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Comments

Gelcinete J. Rebouças

Gelcinete J. Rebouças

Um enredo que traz felicidade ♥️

2025-02-20

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