Ecos do passado

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

A densa floresta ao redor de Aery e Leo se estendia em sombras vivas, os galhos retorcidos sussurrando com o vento noturno. O cheiro de terra molhada e sangue ainda pairava no ar, lembrança do combate contra os lobos corrompidos. O silêncio era apenas interrompido pelo estalo das folhas sob seus passos e pelo tilintar das garras que haviam coletado, penduradas na bolsa de Aery.

Ela saltitava à frente, equilibrando-se de pedra em pedra, leve como o próprio ar.

Leo, seguindo atrás com sua espada nas costas, arqueou uma sobrancelha.

– Você realmente não consegue andar normalmente, consegue?

Aery girou sobre si mesma, andando de costas para ele com um sorriso travesso.

– Eu ando normalmente! Só que minha versão de normal inclui um pouco de diversão.

Leo bufou.

– Sua versão de normal inclui chamar atenção desnecessária.

Antes que ela pudesse retrucar, um som abafado nos arbustos os fez parar instantaneamente.

O corpo de Leo se retesou, e em um movimento fluido, sua espada já estava em punho.

– Atrás de mim. – A voz dele saiu firme, fria.

– Eu sei me defender! – Aery rebateu, conjurando uma esfera de luz azulada na mão.

– Sei. Mas prefiro que você não tenha que provar isso toda vez.

Antes que o debate continuasse, figuras emergiram das sombras.

Eram orcs. Altos, musculosos e armados, seus olhos refletiam o brilho das chamas que tremulavam de tochas improvisadas.

Aery inclinou a cabeça, observando-os com um sorriso.

– Podemos conversar ou já vamos para a parte em que vocês tentam nos matar e falham miseravelmente?

Os orcs rosnaram em resposta, puxando suas armas.

Leo ergueu a espada, o aço negro brilhando na luz da lua.

– Direto para a parte em que falham, então.

O primeiro orc avançou, e em um único golpe, Leo o derrubou, sangue quente respingando no solo.

Aery conjurou uma rajada de luz que atingiu outro inimigo, cegando-o momentaneamente.

– Eu disse que se arrependeriam! – Ela riu, desviando de um golpe e disparando mais magia.

Leo cortou um segundo orc ao meio, girando a lâmina.

– Menos papo e mais magia.

A luta foi rápida. Quando o último orc tombou, Leo limpou a lâmina com um movimento prático.

Aery bufou, cruzando os braços.

– Você poderia ser um pouco mais positivo.

Leo lançou um meio sorriso de canto.

– Tudo bem... Bom trabalho, branquinha.

O coração de Aery acelerou. Mesmo sendo um elogio seco, vindo dele tinha peso.

Ela pegou sua bolsa e os dois seguiram em frente.

A noite caía, trazendo uma névoa rasteira e um cheiro forte de madeira queimada.

Aery seguia um pouco à frente, observando o caminho, quando percebeu que Leo havia parado.

Ela se virou e o encontrou imóvel, seu olhar fixo em algo mais adiante.

— O que foi? — Aery perguntou, franzindo a testa.

Leo não respondeu imediatamente. Seus músculos estavam tensos, a mão já próxima ao cabo da espada nas costas.

Seguindo seu olhar, Aery viu um grupo de guerreiros se aproximando entre as árvores — elfos negros.

Ela sentiu o ar pesar ao seu redor. Diferente de Leo, que usava roupas escuras e tinha um ar intimidador, esses elfos vestiam armaduras de couro com detalhes prateados, e carregavam armas à mostra, movendo-se com disciplina.

Mas não foi a presença deles que fez Aery sentir um calafrio.

Foi a expressão no rosto de Leo.

Ele hesitou.

Foi apenas um segundo, mas foi o suficiente para Aery entender que algo estava errado.

Sem pensar muito, ela levou as mãos ao cabelo e puxou os fios para cobrir as orelhas pontudas. Já havia sido confundida com uma humana antes, então talvez pudesse evitar chamar atenção.

Os elfos negros pararam alguns metros à frente, olhos estreitos e avaliadores. O homem que parecia o líder deu um passo à frente, e seu olhar se fixou em Leo.

Ele o olhou de cima a baixo, parecendo reconhecer. Até que seus olhos pousaram no cabo de sua espada.

— Isso é uma piada? — sua voz saiu fria e carregada de desprezo. — Um fantasma vagando pela nossa terra... Achei que você estivesse morto, traidor.

Aery sentiu o estômago revirar. Traidor?

Os outros elfos reagiram imediatamente, alguns pousando as mãos sobre as armas.

O líder cuspiu no chão, a raiva evidente.

— Você tem coragem de aparecer perto de Ark, depois de tudo?

Leo permaneceu impassível, mas Aery sentiu a tensão em sua postura. Ele não demonstrava medo, apenas uma fúria silenciosa.

— Eu não vim até vocês — Leo disse, a voz baixa e carregada de ameaça. — Foi o destino que fez nossos caminhos se cruzarem.

— O destino devia ter te deixado enterrado.

Aery olhou de Leo para os elfos negros, seu coração disparado. A hostilidade era real, quase sufocante.

Ela tentou se manter neutra, sabendo que qualquer palavra errada poderia piorar a situação.

Os outros elfos do grupo não pareciam conhecer Leo, mas estavam preparados para qualquer ordem.

— E quem é essa? — um dos guerreiros apontou para ela.

Leo apenas estreitou os olhos.

— Não é da sua conta.

Aery sentiu um arrepio ao perceber o olhar atento que os elfos lançaram a ela.

Forçou um sorriso hesitante e deu um passo à frente.

— Apenas uma viajante — disse, mantendo a voz casual. — Estamos de passagem.

O líder riu com escárnio.

— Espero que tenha escolhido suas companhias com sabedoria, humana. Esse aí já escolheu errado antes.

Aery quis perguntar o que aquilo significava, mas sentiu o aviso silencioso de Leo.

Ela fitou seus olhos dourados, buscando por um vislumbre do que podia ser aquela situação.

Mas ela viu sombras.

Sombras de algo que ele queria esquecer.

Leo simplesmente se virou para ir embora, sem dizer mais nada.

Aery o seguiu, mantendo o olhar fixo à frente, sentindo os olhares dos elfos negros queimarem em suas costas até que estivessem longe o suficiente.

Quando finalmente estavam a uma distância segura, Aery quebrou o silêncio:

— O que foi isso?

Leo continuou andando.

— Nada que importe.

Aery franziu os lábios, insatisfeita.

— Eles te chamaram de traidor, Leo. O que aconteceu?

Ele parou abruptamente e olhou para ela.

Seu rosto estava sombrio, e por um instante, Aery sentiu um peso esmagador em seu olhar.

— Esqueça isso, Aery.

— O que você fez?

Leo parou e se virou para ela, com uma expressão tão séria que ela nunca testemunhara dele.

— A pergunta certa é o quê acham que fiz?

Ela abriu a boca para insistir, mas a expressão dele a fez hesitar.

Ele não estava apenas irritado.

Estava se segurando para não explodir.

Por mais que quisesse respostas, Aery percebeu que Leo não lhe daria nenhuma.

Não agora.

Leo teve uma ideia. Ele mudou de direção, desviando do caminho que os levaria de volta à segurança da floresta.

Aery percebeu a mudança, mas não questionou.

O silêncio entre eles se estendeu até chegarem a uma ruína esquecida pelo tempo.

Aery engoliu em seco, olhando o local escuro e fantasmagórico. Pedras antigas, envoltas pela vegetação, espreitam entre árvores retorcidas, como se a própria natureza tentasse engolir aquele lugar.

Aery parou diante da entrada semi-destruída, os olhos se arregalando ao reconhecer os símbolos esculpidos nas rochas.

Runas antigas. Não parecia morada de elfos negros, mas ela conhecia aqueles traços.

— Isso... isso é do seu povo — sussurrou, a voz tomada por um misto de surpresa e respeito.

Leo não respondeu de imediato.

Caminhou até uma pedra quebrada e passou a mão pela superfície, como se tentasse sentir o passado preso ali.

— Uma das últimas fortalezas antes da queda — murmura.

Aery se aproximou, deslizando os dedos por uma parede de pedra coberta por musgo.

— Antes da traição dos elfos brancos.

Leo soltou uma risada baixa, sem humor.

— Eles chamam de "retirada estratégica". Nós chamamos de abandono.

O silêncio pesava entre eles. Aery observava o modo como Leo tocava as pedras, como se carregasse nelas o peso da sua história.

— Eu não vivi essa época, mas cresci ouvindo sobre ela. Cada detalhe. Cada nome. Os rostos que se perderam... e os que sobreviveram apenas para lembrar.

Aery o encarou, os olhos cheios de compaixão.

— Deve ser doloroso carregar isso.

Leo soltou um suspiro pesado, os olhos fixos nas ruínas.

— Mas é isso que nos define agora.

Ele se virou para ela, seu olhar intenso, como se estivesse testando algo dentro dela.

— Você acha que entende essa história? Que os livros contam o que aconteceu? — Sua voz carregava um tom de desafio. — O verdadeiro impacto está aqui. Não nos registros. Não nas palavras bonitas. Está nas pedras quebradas. Nos ecos dos que foram esquecidos.

Aery apertou os lábios, absorvendo suas palavras.

Ela se abaixou para tocar uma pedra caída ao lado dele.

— Então me ensine — o olhou com um sorriso. — Quero ouvir tudo.

Leo observou seu rosto por um longo momento antes de soltar uma risada curta e amarga.

Por mais diferente que Aery fosse, ele não esperava essa reação.

— Você realmente não é desse mundo, é, branquinha?

Ela abaixou o olhar e sorriu de leve.

— Não mesmo.

Leo agachou e pegou um pedaço de pedra rachada, a virando entre os dedos antes de começar a falar, a voz baixa.

— Meu... pai me contou essa história tantas vezes que parecia uma canção amarga. As tropas dos elfos negros estavam cercadas. A única esperança era a aliança com os elfos brancos. Eles prometeram enviar reforços. Mas nunca chegaram.

Aery sentiu um nó na garganta.

— Eles simplesmente... os deixaram para morrer?

Leo riu, mas o som foi carregado de desprezo.

— Foi uma "decisão tática". Sacrificaram nossos soldados para salvar o restante das forças, que sequer tinham aparecido. — ele desvia o olhar para a entrada. — O que significa, na prática, que fomos descartados. Que éramos insignificantes.

Ele levantou o olhar para Aery, os olhos brilhando com uma dor que não era apenas herdada.

— Cresci ouvindo que nunca devemos confiar em um elfo branco.

Aery hesitou antes de tocar o braço dele com delicadeza.

— E mesmo assim... você confia em mim.

Leo não responde de imediato. O silêncio entre eles é intenso, carregado de significados não ditos.

Então ele suspirou, desviando o olhar.

— Não foi fácil.

Aery sorriu, tentando aliviar o peso da conversa.

— Você fez um ótimo trabalho me afastando no começo, hein.

Leo bufou uma risada.

— Acho que não tentei o suficiente.

Então seus olhos dourados encontraram os dela, e sua expressão se tornou séria novamente.

— Mas você me mostrou que as pessoas são mais do que as histórias que contam sobre elas.

Aery sentiu o coração acelerar, mas logo abriu um sorriso travesso.

— Ou talvez você só tenha um fraco por elfas brancas teimosas.

Leo soltou um suspiro cansado, mas havia um leve sorriso em seus lábios.

O vento soprava entre as árvores, preenchendo o silêncio que se instala entre eles.

— Quero mudar isso. Quero que nosso povo veja que há outro caminho.

Leo fechou a mão ao redor da pedra em seus dedos antes de jogá-la de lado.

— Não acredito nisso. Mas se houver uma chance... — Ele a encara, a voz mais baixa. — Vai ser por sua causa.

Aery sentiu o peito se apertar com a intensidade daquele momento.

Leo não era do tipo que fazia promessas vazias. Se ele dizia aquilo, significava que, de alguma forma, ela já havia mudado algo dentro dele.

Leo soltou um suspiro e se levantou, desviando o olhar.

— Vamos. Quero te mostrar algo.

Eles exploraram as ruínas, os passos ecoando sobre as pedras rachadas. O cenário e arquitetura foram se tornando mais familiares.

Em determinado momento, Aery parou diante de uma grande pilastra. Seu olhar brilhava ao encontrar um desenho diferente dos outros gravado ali — linhas sinuosas formando uma figura abstrata.

— Leo... olha isso!

Ele se virou, seguindo o olhar dela. Quando viu o símbolo, seus traços se suavizaram, como se uma lembrança distante tivesse sido despertada.

— Akanthar — murmurou.

Aery traçou o símbolo com os dedos.

— O que significa?

— Representa a luz em meio à escuridão.

Ela sorriu.

— Parece contar uma história.

Leo cruzou os braços, encostando-se na parede ao lado dela.

— Conta. Diz que, mesmo quando tudo parece perdido, ainda há esperança... desde que você esteja disposto a lutar por ela.

Aery o observava, absorvendo suas palavras.

— Seu povo tem uma cultura tão rica... por quê quase ninguém fora dos elfos negros fala sobre isso?

Leo soltou um riso sem humor.

— Porque ninguém se importa.

Aery balançou a cabeça.

— Isso é tão injusto. Quero saber tudo, Leo. As lendas, as músicas, os símbolos... Tudo o que faz seu povo ser quem é.

Leo a observou, vendo o brilho genuíno em seus olhos. Algo dentro dele se aqueceu com essa percepção.

— Você é teimosa, sabia?

Aery sorriu de lado.

Leo solta um suspiro e, enfim, cede.

— Tudo bem, branquinha. Eu vou te contar.

Ela se sentou no chão, empolgada como uma criança ouvindo uma história pela primeira vez.

— Estou pronta!

Leo se abaixou ao lado dela e começou a compartilhar as histórias do seu povo — as lendas que sobreviveram ao tempo e à dor. Enquanto ele fala, percebeu algo estranho.

Pela primeira vez, alguém estava ouvindo.

E talvez, só talvez, isso significasse alguma coisa.

Aery permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra. A lenda que Leo compartilhava ressoava nela de um jeito que não conseguia explicar. Não era apenas um conto antigo—é um reflexo das feridas abertas entre seus povos.

Ela levantou os olhos para ele, notando a tensão em seus ombros, o peso invisível que ele sempre carrega.

– E então? – sua voz saiu suave. – O que aconteceu com a sombra depois que a luz a rejeitou?

Leo observou o símbolo gravado na pedra, como se procurasse a resposta ali.

– A sombra foi caçada, empurrada para as profundezas da terra. Mas, ao contrário do que a luz pensava, ela nunca desapareceu. Ela esperou. Cresceu. Se fortaleceu no silêncio, até o dia em que a própria luz começou a enfraquecer... e percebeu que não podia existir sem a sombra.

Aery passava os dedos pelo desenho, contemplando a metáfora oculta ali.

– E a sombra perdoou?

Leo soltoubuma risada baixa, sem humor.

– Depende de quem conta a história. Para alguns, a sombra e a luz se reconciliaram e o mundo voltou ao equilíbrio. Para outros...

Ele virou o rosto para ela.

– Para outros, a sombra nunca esqueceu.

Aery sentiu um arrepio percorrer sua pele. Não é apenas uma lenda para ele. É a realidade que Leo viveu e ainda vive.

Ela engoliu em seco, escolhendo as palavras com cuidado.

– E você? No quê acredita?

Leo desviou o olhar, cruzando os braços.

– A sombra não deveria ter confiado na luz em primeiro lugar.

O silêncio que se seguiu foi denso. Aery sabe que ele não está apenas falando de mitos.

Ela se levantou devagar, caminhando até ao lado dele.

– Mas sem a luz, a sombra não teria um propósito. E sem a sombra, a luz nunca entenderia seu valor.

Leo sabia que ela não se referia àquela situação.

Ele virou o rosto para ela, estreitando os olhos.

– Do que você está falando?

Aery sorriu, mas havia um toque de melancolia em sua expressão, que não passou despercebido por ele.

– Só mais um devaneio aleatório.

Leo manteve o olhar nela por um longo momento. Aery sentiu o ar entre eles ficar diferente, carregado de algo que vai além das palavras. Algo que nem mesmo as décadas de ódio entre seus povos poderiam apagar.

Então, ele se afastou, quebrando o momento.

– Já falamos o suficiente por hoje. Vamos continuar antes que escureça mais.

Aery observava enquanto ele se movia, seu coração ainda martelando no peito.

Ela sabia que Leo nunca diria em voz alta, mas naquele breve instante... ele a deixou ver um pedaço dele que ninguém mais viu.

E isso significa mais do que qualquer palavra.

Mais populares

Comments

Aline C

Aline C

humm complicado

2025-03-25

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!