A dança

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

A noite estava tranquila na pequena hospedaria, com apenas o som suave do vento esgueirando-se pelas frestas da janela. A lareira no canto do quarto já havia se apagado, deixando apenas brasas.

O ambiente era quente, confortável, e o sono de Aery estava profundo, até que algo peludo e pequeno se remexeu em cima dela.

Lumy, que havia se acomodado no canto da cama, decidiu mudar de posição. Com a naturalidade de quem se achava dono do mundo, o pequeno animal subiu até o peito de Aery, e aninhou-se diretamente sobre o rosto dela, como se aquele fosse o lugar mais confortável que já havia encontrado.

Aery abriu os olhos devagar, sentindo o peso leve e quente da criatura e um focinho macio pressionado contra sua bochecha.

— Ah, Lumy, você não tem vergonha, hein? — sussurrou rindo, sua voz rouca de sono.

Com um sorriso terno, ela começou a enchê-lo de beijos exagerados, pressionando os lábios contra sua pelagem dourada. Lumy soltou um ruído baixo de insatisfação.

Um resmungo profundo e carregado de irritação ecoou do outro lado do quarto.

— Sério, branquinha? — A voz de Leo veio rouca, claramente desgostosa. — Até parece que esse bicho é um bebê perdido e não um folgado metido.

Aery ergueu os olhos por cima de Lumy e encontrou o olhar dourado de Leo semicerrado na penumbra. Ele estava deitado, mas apoiado em um dos cotovelos, observando-a com algo entre tédio e desgosto.

Ela sorriu, travessa.

— O quê? Está com ciúmes, Leo?

Ele bufou e deitou-se de costas, cruzando os braços atrás da cabeça.

— Ciúmes? De um animal folgado?

Mas o tom de voz de Leo dizia o contrário.

Aery reprimiu uma gargalhada, segurando Lumy como se ele fosse um troféu.

— Não precisa disfarçar. Eu sei que no fundo você queria ser mimado assim também.

Leo abriu um dos olhos, fitando-a com impaciência.

— Se "mimar" significa ser atacado por beijos de alguém que não para quieta um segundo, prefiro continuar vivendo sem essa experiência.

— Ah, não seja tão orgulhoso. Quer tentar? Venha cá que eu te beijo também.

Leo ergueu a mão no ar, como se aquilo fosse um escudo.

— Já basta o que eu aturo viajando com você.

Aery gargalhou e voltou a se aconchegar com Lumy.

— Boa noite, ciumento.

Leo revirou os olhos, mas um canto de sua boca se ergueu ligeiramente antes que ele fechasse os olhos novamente.

— Boa noite, branquinha.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

Na manhã seguinte, os primeiros raios do sol esgueiraram-se pela janela do quarto, banhando o ambiente em tons dourados e alaranjados. Aery despertou sentindo o calor suave de Lumy ainda dormindo sobre seu peito, respirando de maneira ritmada e tranquila.

Ela sorriu e deslizou os dedos pelas costas dele, acariciando a pelagem macia. O pequeno soltou um ronronar satisfeito, mas não abriu os olhos.

O som de tecido se movendo chamou sua atenção.

Leo já estava de pé. Ele se sentava na beirada da cama, ajustando as botas, os músculos do braço se flexionando com o movimento enquanto amarrava os cadarços com precisão. Seu cabelo negro caía solto sobre os ombros, parcialmente bagunçado pelo sono, e os olhos dourados estavam atentos, analisando-a.

Ele inclinou levemente a cabeça.

— Você e esse bicho estão cada vez mais inseparáveis. Vou começar a ficar preocupado.

Aery bocejou, espreguiçando-se antes de se sentar na cama, e Leo se forçou à desviar o olhar.

— Não precisa sentir ciúmes, Leo. Meu coração tem espaço para vocês dois.

Ele riu pelo nariz.

— Generosa como sempre.

Aery o observou enquanto ele prendia uma adaga no cinto, e por um momento, sua mente ficou estranhamente em branco. O movimento era natural para ele, mas havia algo fascinante na forma como seus dedos se fechavam ao redor do cabo da lâmina, ágeis e experientes.

Ela engoliu em seco e piscou, afastando os pensamentos.

— Bom, já que estamos prontos para mais um dia de aventuras... qual é o plano, senhor estrategista?

Leo pegou sua bolsa e jogou-a sobre os ombros.

— Vamos passar pelo mercado, reabastecer o que precisamos e sair o mais rápido possível. Quanto menos tempo em vilarejos, melhor.

Aery fez um bico.

— Mas eu queria explorar um pouco! Aposto que tem algo interessante por aqui.

Leo arqueou uma sobrancelha, a voz carregada de sarcasmo.

— Interessante como? Outro animal para você adotar? Ou mais alguém pra eu ter que te proteger?

Ela cruzou os braços.

— Não se preocupe, grande herói. Eu vou me comportar... talvez. — disse, terminando com um sorriso malicioso.

Ele bufou.

— Vamos logo, antes que eu me arrependa de ter acordado hoje.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O mercado era uma explosão de cores, cheiros e vozes. As barracas eram cobertas por tecidos vibrantes, expondo desde frutas exóticas até armas rústicas.

Aery estava encantada.

Ela apontava para tudo: frutas, colares, até mesmo uma flauta de madeira com entalhes detalhados.

Leo, por outro lado, permanecia alerta, seu olhar avaliando cada canto da multidão em busca de ameaças.

De repente, Aery parou, lembrando-se dos dentes e garras dos lobos que haviam derrotado na floresta.

Seus olhos brilharam com uma ideia.

— Já volto! — disse ela, correndo para uma barraca de itens raros antes que Leo pudesse protestar.

— Aery! Não se meta em encrenca! — ele rosnou atrás dela, mas já era tarde.

Ela parou diante de um homem idoso, de barba grisalha, que a olhou com curiosidade.

— Uma elfa branca negociando comigo? Isso é raro.

Aery abriu sua bolsa e os retirou, depositando sobre o balcão com um sorriso confiante.

— Tenho algo interessante para você.

O vendedor pegou um dos dentes, examinando-o com olhos atentos.

— São legítimos... e bem conservados. Vou te pagar algumas moedas de prata por eles.

Aery aceitou o pagamento e voltou até Leo com um brilho satisfeito nos olhos.

Ele a encarou, desconfiado.

— O que foi que você vendeu?

Ela ergueu as moedas.

— Os espólios da nossa gloriosa batalha! Não ia carregar aquilo à toa, né?

Antes que ele retrucasse, ela correu até uma barraca de espetinhos de carne.

Comprou dois e entregou um para ele, sorrindo inocentemente.

— Para meu grande guarda-costas!

Leo estreitou os olhos, mas aceitou.

— Você já usou o dinheiro?

— Claro! Comida sempre é um ótimo investimento.

Ele revirou os olhos, mas comeu mesmo assim.

Aery riu, sentindo-se genuinamente feliz. E, por um instante, Leo também.

Enquanto mordiscava um pedaço, suas mãos discretamente deslizaram um pequeno pedaço para dentro da bolsa. Lumy se remexeu levemente, soltando um som baixinho de satisfação e lambendo os dedos da elfa.

— Você está mimando ele demais. — Leo comentou ao lado, sem nem precisar olhar para notar o que ela estava fazendo.

Aery sorriu, acariciando a bolsa de leve.

— Ele merece. É a coisa mais fofa desse mundo inteiro.

Leo bufou.

— Ótimo. Agora eu tenho que me preocupar com você e com um animal.

— Não seja tão negativo. O mundo não é tão ruim assim, lembra?

Leo lançou-lhe um olhar sarcástico, mas antes que pudesse responder, uma melodia animada preencheu a praça central.

Aery ajeitou a bolsa onde Lumy estava e seguiu até a praça do mercado, onde uma banda começou a tocar uma melodia vibrante. O som dos tambores e alaúdes misturava-se ao burburinho animado da multidão. O ar estava carregado de aromas deliciosos, especiarias e vinho, e as luzes das tochas iluminavam o centro da praça com um brilho quente e acolhedor.

Casais começaram a se juntar, movendo-se ao ritmo da música, rodopiando sob as lanternas que balançavam ao vento.

Aery sentiu o coração bater mais rápido. Era exatamente esse tipo de momento que adorava: alegre, despreocupado e cheio de vida.

Seus olhos imediatamente encontraram Leo, parado à margem da praça, braços cruzados sobre o peito largo, expressão entediada.

Ela sorriu.

— Leo! Vamos dançar! — exclamou, pegando a barra do vestido e girando nos calcanhares, em um convite animado.

Ele sequer se mexeu. Apenas ergueu uma sobrancelha, olhando-a como se tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo.

— Nem em mil anos.

Aery fez um biquinho.

— Nem pensou direito.

— Nem precisei.

Ela suspirou dramaticamente, levando a mão ao peito.

— Você parte meu coração. Eu, uma pobre elfa, que só queria um momento de alegria, rejeitada de forma tão cruel...

Leo bufou.

— Você vai dramatizar até quando?

— Até você aceitar.

Ele deu um passo para trás quando ela tentou puxá-lo pela manga da camisa.

— Eu prefiro lutar contra um exército de anões com uma faca cega do que me envergonhar no meio dessa gente.

— Oh, mas que exagerado. — Aery revirou os olhos. — É só uma dança, não um duelo de vida ou morte.

— Para mim, dá na mesma.

Ela o analisou, olhos estreitos.

— Você tem medo?

Leo arqueou ainda mais a sobrancelha, e o olhar dourado cintilou com um desafio silencioso.

— Branquinha, se eu tiver que dançar, vai ser do meu jeito.

Aery franziu o cenho, desconfiada.

— E qual seria o seu jeito?

Leo apenas sorriu de lado, um daqueles sorrisos perigosos que sempre faziam seu estômago revirar.

Horas depois...

O som distante do mercado ainda ecoava quando Leo a levou para fora da cidade, guiando-a por uma trilha que se aprofundava entre as árvores.

Aery não fazia ideia do que ele estava tramando, mas seguiu sem questionar, sentindo a curiosidade e a expectativa crescerem a cada passo.

— Você não está me levando para me matar, está? — brincou, olhando-o de soslaio.

Leo nem sequer olhou para ela, apenas manteve o passo firme.

— Depende. Você ainda quer dançar?

Ela riu, divertida.

Quando finalmente pararam, Aery ficou sem fôlego.

Era um pequeno descampado, rodeado por árvores altas e flores mágicas que se moviam suavemente ao vento. O céu se abria acima deles, límpido e estrelado, com a lua cheia iluminando a paisagem em tons prateados.

O silêncio ali era diferente. Não era solitário, mas sim sereno, íntimo.

Aery virou-se para Leo, perplexa.

— O que estamos fazendo aqui?

Leo pegou a bolsa dela com Lumy, a colocou na grama junto com sua espada e virou-se para ela, tranquilo, mas afiado como sempre.

— Você queria dançar. Agora não tem ninguém olhando.

Aery arregalou os olhos.

— Espera... você me trouxe aqui pra...

Leo segurou sua mão sem aviso, puxando-a para perto.

— Eu avisei que seria do meu jeito.

Seu toque era firme, quente. Aery piscou, surpresa, enquanto a outra mão dele deslizava para sua cintura, guiando-a com facilidade.

A melodia ainda estava fresca em suas mentes.

Ele a moveu devagar no começo, passos lentos e seguros sobre a grama úmida. O peso e a força dele faziam parecer que ela era muito menor do que realmente era, como se pudesse levantá-la sem esforço.

Aery não esperava que ele fosse tão... habilidoso.

— O quê?! Você sabe dançar?!

Leo deu de ombros, um meio sorriso jogado nos lábios.

— O suficiente para não pisar no seu pé.

— Isso é inaceitável! Você me fez acreditar que era um péssimo dançarino!

— Culpa sua por acreditar em tudo que eu digo.

Ela riu alto, girando sob sua mão. Seu vestido branco voou ao redor deles, brilhando sob a lua. Quando voltou, Leo a segurou mais firme, e ela sentiu o calor de seu corpo.

Por um momento, o tempo pareceu desacelerar.

O vento soprou, frio contra a pele exposta de Aery, mas ela mal percebeu. Todo o seu foco estava nele — no jeito como seus olhos a prendiam, na maneira calculada e ao mesmo tempo despreocupada com que se movia.

Ela umedeceu os lábios, sentindo o coração disparar.

De repente, tomou uma decisão.

Aery deslizou a mão até o ombro de Leo e se aproximou mais, colando o corpo ao dele. Seu peito encostou contra a armadura leve, e seus quadris roçaram ligeiramente enquanto se moviam no ritmo da dança.

Leo ficou tenso.

Foi uma reação sutil, quase imperceptível. Seus dedos apertaram a curva da cintura dela por um instante, e sua respiração pareceu hesitar antes de voltar ao ritmo normal.

Aery sorriu, satisfeita.

— Admito, Leo. Você me surpreendeu.

Ele inclinou a cabeça ligeiramente, os olhos dourados analisando-a como se tentasse decifrar sua intenção.

— E você adora isso.

— Quem sabe. — Ela girou, deixando os cabelos ruivos voarem ao redor deles, e voltou a encará-lo de perto.

Leo não recuou.

— Você brinca demais, branquinha.

— E você me leva a sério demais.

Leo riu baixo pelo nariz, desviando o olhar para o céu por um breve momento, como se estivesse decidindo algo.

Então, sem aviso, girou Aery rápido e a puxou de volta com um movimento preciso.

Ela engasgou em surpresa ao sentir o corpo colado ao dele novamente, só que dessa vez, foi ele quem controlou a distância.

— E agora? — murmurou, perto o suficiente para que ela sentisse sua respiração contra a pele. — Ainda quer brincar?

O coração de Aery disparou, mas ela ergueu o queixo, desafiadora.

— Você acha que eu vou recuar?

Leo inclinou a cabeça, um meio sorriso jogado no rosto.

— Não. E esse é o problema.

Lentamente, ele afrouxou o aperto na cintura dela, deixando que a dança chegasse ao fim.

Mas antes que Aery pudesse dizer qualquer coisa, ele se afastou, recolhendo a espada com um movimento tranquilo.

— Vamos. Se ficarmos mais tempo, você vai acabar inventando outra coisa para me atormentar.

Aery levou a mão ao peito, fingindo indignação.

— Você faz parecer que isso é um problema.

Leo olhou por cima do ombro, o sorriso ainda brincando no canto dos lábios.

— É. Mas não sei por quê, eu nunca consigo evitar.

Ele se virou, entregando-lhe a bolsa, e começou a caminhar de volta.

Aery mordeu o lábio, sentindo o calor da dança ainda em sua pele.

Definitivamente, precisava fazê-lo dançar mais vezes.

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