O riacho

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O riacho cortava a floresta como uma trilha cristalina, serpenteando entre as pedras escuras e a vegetação. O som da água corrente misturava-se ao canto distante dos pássaros, criando uma melodia suave.

Aery caminhava com passos leves, chegando em uma pedra grande, equilibrando-se no meio da água, enquanto Leo a observava com os braços cruzados, parado na margem.

— Vai ficar só olhando, grandão? — Aery provocou, lançando-lhe um olhar travesso.

Leo arqueou uma sobrancelha, seu olhar dourado fixo nela.

— Estou esperando você cair.

Aery bufou, mas prosseguiu.

As pedras escorregadias eram traiçoeiras, mas ela não daria a Leo o gostinho de vê-la deslizar. Com cuidado, foi pulando de uma para outra, até alcançar uma parte mais funda do riacho, onde a água corria com mais força.

— Esse lugar é lindo! — exclamou, girando nos calcanhares.

— Você fala isso de todo lugar...

Diferente dela, Leo nunca parecia impressionado com a paisagens, apenas mantinha-se atento, como se esperasse problemas a qualquer instante.

— Você é sempre assim, carrancudo?

— E você é sempre tão inconsequente?

Aery revirou os olhos e testou uma pedra maior. Sentia-se confortável ali, rodeada pelo frescor da água e pelo cheiro puro da floresta.

— Relaxa, Leo. Você age como se um monstro fosse pular daqui a qualquer momento.

— Não seria surpresa — ele resmungou.

Antes que ela pudesse responder, um de seus pés deslizou na pedra molhada. O mundo girou, e Aery soltou um gritinho antes de despencar direto na água.

O impacto foi gelado e abrupto. Aery emergiu tossindo, os cabelos encharcados grudando em seu rosto.

— Frio! Frio! Frio! — ela choramingou, abraçando os braços.

Na margem, Leo a observava com a expressão mais impassível do mundo.

— Tão graciosa quanto um goblin.

Aery estreitou os olhos.

— Você não vai me ajudar?!

Ele deu de ombros.

— Você caiu sozinha. Pode sair sozinha.

Ela bufou, tentando alcançar a margem escorregadia. A roupa pesava, grudando-se a seu corpo e dificultando seus movimentos.

— Leo...

— O quê?

Aery lhe lançou o olhar mais adorável possível.

— Você vai ficar me olhando assim mesmo?

Ele soltou um longo suspiro ignorando o pulo no seu coração, finalmente caminhando até a borda do riacho. Agachou-se e estendeu a mão para ela.

Aery sorriu de canto. Agarrou a mão dele... e, com um puxão repentino, tentou arrastá-lo para a água.

Mas Leo não se moveu nem um centímetro.

Ela piscou, surpresa, enquanto ele a encarava com um olhar lento e predatório.

— Você realmente tentou isso? — a voz dele estava carregada de divertimento sombrio.

— …Talvez?

Antes que pudesse reagir, Leo apertou sua mão e, com um único movimento, puxou-a para fora da água como se fosse um galho molhado.

Aery tropeçou para frente, chocando-se contra o peito firme dele.

Ele não se mexeu.

Seu coração disparou.

O calor do corpo de Leo contrastava com o frio em sua pele, e a proximidade repentina a fez prender a respiração. Quando ergueu os olhos, encontrou o olhar dele fixo no seu, intenso, avaliador.

O tempo pareceu desacelerar.

Foi Aery quem se afastou primeiro, cruzando os braços.

— Você é muito forte. Isso é irritante.

Leo soltou um risinho baixo.

— E você é muito fraca. Isso é preocupante.

— Ei!

Ele virou-se, como se já tivesse perdido o interesse, e começou a andar de volta.

Aery ficou parada por um momento, depois correu atrás dele, ainda gotejando.

— Agora eu tô com frio!

— Problema seu.

— Leo!

— Você não se cansa em se meter em problemas?

— ...Bom, pelo menos agora você tem uma boa história para contar.

Leo cruzou os braços, a expressão fechada, mas com um brilho sarcástico nos olhos.

— Sim. A história de como tive que salvar uma elfa branca boba de se afogar em um riacho raso.

Aery riu, espremendo o excesso de água dos cabelos e tirando as flores molhadas presas nos fios.

— Admito, fui um pouquinho impulsiva.

Leo arqueou uma sobrancelha.

Ela suspirou, revirando os olhos.

— Tá bom, talvez muito.

Eles voltaram para a margem, onde Aery se esparramando na grama e espalhando os cabelos ao sol para secar. Leo observava tudo com um olhar cético.

— Viu? No fim, valeu a pena!

Leo suspirou.

— Você é impossível, branquinha.

Aery sorriu, os olhos brilhando.

— Mas você gosta.

Leo balançou a cabeça, mas não negou.

Aery fechou os olhos, relaxando sobre a grama. Sua pele parecia translúcida sob a luz dourada, e as roupas molhadas grudavam ao corpo, revelando mais do que talvez ela percebesse.

Leo, parado a poucos passos, cruzou os braços. Ele queria desviar o olhar.

Deveria.

Mas não o fez.

Havia algo cativante na despreocupação dela, na forma como parecia aproveitar o momento sem peso algum nos ombros.

Mesmo depois de quase se machucar, Aery sorria, como se estar viva fosse o suficiente para deixá-la feliz.

O silêncio entre eles se alongou, carregado de algo indefinível.

— Vai ficar me olhando a tarde toda? — A voz dela veio suave, mas carregada de diversão.

Leo ergueu as sobrancelhas, disfarçando.

— Não estava te olhando. Estava... pensando.

Aery abriu um olho, piscando para ele com provocação.

— Ah, claro. Pensando. E no que exatamente?

Ele cruzou os braços mais firmemente, tentando soar indiferente.

— Pensando que você devia trocar essas roupas antes de pegar um resfriado.

Aery suspirou dramaticamente.

— Ah, mas o sol está tão bom... Aposto que vai secar rapidinho.

Leo bufou, mas seus olhos voltaram a desviar para ela.

"Ela nem percebe o impacto que causa."

— E você? Vai ficar aí todo sério ou vai relaxar um pouco?

— Alguém tem que ficar alerta, caso você decida se jogar na água de novo.

Ela riu, e o som suave e cristalino fez algo apertar no peito dele.

— Você é um protetor muito dedicado, Leo. Estou em boas mãos.

Ele desviou o olhar, desconfortável com o jeito natural que ela dizia essas coisas.

— Só não quero ter que te puxar de outro problema.

— Claro, claro... — Aery sorriu, inclinando a cabeça. — Mas sabe, você devia se dar um descanso. Vem aqui.

Leo hesitou, mas acabou se sentando ao lado dela, ainda mantendo a postura rígida.

— Às vezes você devia aproveitar o momento, sabia? — Aery disse suavemente, fechando os olhos de novo.

Leo não respondeu de imediato, apenas a observou.

As bochechas dela estavam mais coradas que o normal, e o coração dele batia um pouco mais forte do que ele estava disposto a admitir.

— Sabe, se continuar aí assim, vai acabar virando um tomate.

Aery abriu um olho, encarando-o com uma expressão desconfiada.

— Um tomate?

Leo deu de ombros, apontando para ela.

— Mais uns minutos nesse sol e você vai estar tão vermelha quanto uma fruta madura.

Ela sentou-se, fingindo indignação, os lábios formando um beicinho dramático.

— Um tomate, Leo? É assim que você me vê?

— Só estou dizendo a verdade, branquinha. Vai ser difícil te levar a sério em uma batalha se eu tiver que proteger uma elfa-tomate.

— Ah, é? — Aery se levantou em um pulo, cruzando os braços. — Pois saiba que eu ficaria muito elegante como um tomate. O mais majestoso de Odeon!

Leo riu. Um som baixo, mas genuíno.

— Majestoso, é? Imagino você liderando um exército de vegetais.

Ela estreitou os olhos, mas seu sorriso traiu a falsa irritação.

— Pelo menos eu teria um exército. E você? Ficaria sozinho, resmungando com uma espada.

Ele pegou um pequeno galho do chão e jogou na direção dela como um desafio brincalhão.

— Melhor do que virar salada.

Aery riu alto, pegando o galho e apontando para ele como se fosse uma espada.

— Isso é uma declaração de guerra? Porque eu nunca perco uma batalha.

O riso deles ecoou entre as árvores.

Havia certo conforto nas provocações e conversas bobas.

Como se, por um instante, o mundo lá fora não existisse.

Depois, Aery voltou a se deitar na grama, enquanto Leo ficou sentado ao lado, observando o riacho correr preguiçosamente.

— Tá vendo? Eu sou ótima em melhorar o seu humor, rabugento.

Leo bufou, mas o canto de seus lábios ameaçou se curvar em um sorriso.

— Melhorar meu humor? Você mais me cansa do que qualquer coisa.

— Claro, claro — zombou ela. — Admitir que sou divertida seria muito difícil para você, né?

Ele não respondeu de imediato, apenas a observou. Ela parecia inofensiva, em paz... como se o peso do mundo não a alcançasse.

— Você devia se cobrir um pouco — disse ele, desviando o olhar. — Está molhada e essa brisa vai te fazer pegar um resfriado.

— Ah, não se preocupe comigo. O sol já está secando tudo.

— Você tá mesmo contando com o sol para fazer todo o trabalho?

— Claro! — Ela estendeu os braços, absorvendo a luz. — É como uma bênção natural!

Leo balançou a cabeça.

— Um dia essa sua fé no mundo vai te colocar em apuros.

— Por enquanto, funciona muito bem.

Ele suspirou, tirando a capa das costas. Sem dizer nada, jogou sobre ela.

Aery olhou surpresa.

— Só use isso até secar de vez. Não preciso de você espirrando depois.

Ela riu, puxando o tecido para si.

— Quem diria que o rabugento tem um coração?

— Não se empolgue. Só não quero carregar você se ficar doente.

Ela riu novamente, mas seu olhar suavizou.

— Obrigada, Leo.

Ele não respondeu, apenas fitou o riacho. Mas Aery percebeu o leve sorriso em seus lábios.

E isso foi o suficiente para aquecer seu coração.

 

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2025-02-20

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