O protetor

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

Enquanto Aery guardava cuidadosamente o pequeno frasco de óleo em sua bolsa, Leo terminava de colocar suas botas, os movimentos meticulosos e disciplinados, como sempre.

O ambiente da pousada estava tranquilo, embalado pelo som abafado das conversas no andar inferior. Lá fora, o dia já se agitava com os primeiros raios de sol iluminando a aldeia.

— Pronta? — A voz grave de Leo cortou o silêncio do quarto quando ele ergueu uma sobrancelha ao vê-la ainda mexendo nos cabelos.

Aery, que estava concentrada, sorriu satisfeita antes de dar uma volta graciosa, os cabelos brilhando à luz da manhã.

— Mais do que pronta! O que achou?

Leo a observou por um momento, os olhos dourados passeando sem pressa por sua silhueta.

Ele podia ver o brilho animado em seus olhos, esperando um elogio, mas limitou-se a um resmungo.

— Que você se preocupa demais com essas coisas.

Aery revirou os olhos.

— E você se preocupa de menos.

Eles desceram até o salão principal da hospedaria, onde um anão robusto de barba longa e trançada servia café da manhã para os hóspedes. O cheiro de pão recém-assado e carne defumada pairava no ar.

O anão lançou um olhar desconfiado para eles, mas não disse nada. Outros aldeões, sentados em mesas espalhadas pelo salão rústico, observavam a dupla com curiosidade. Os sussurros não eram altos o suficiente para serem entendidos, mas Leo os sentia, como uma corrente invisível ao redor deles.

— Vamos pegar algo para comer antes de continuar. — Leo indicou uma mesa perto da janela, e Aery assentiu.

Enquanto comiam uma sopa simples acompanhada de pão, Aery observava os aldeões com atenção. Alguns lhe ofereciam sorrisos tímidos, o que a animava. Outros, no entanto, a olhavam com cautela, como se ponderassem o quão seguro era ter um elfo negro entre eles.

— Você acha que vamos encontrar mais lugares assim? — Aery perguntou, distraída, misturando a sopa com a colher.

— Provavelmente. — Leo deu de ombros. — Mas não se preocupe. Você sempre dá um jeito de conquistar as pessoas.

Aery sorriu antes de cutucar o braço dele.

— Viu só? Você está aprendendo a ser gentil.

Leo estreitou os olhos para ela.

— Não se acostume.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

O caminho era margeado por árvores frondosas, e o sol matinal pintava a terra com tons dourados. O cheiro de vegetação úmida se misturava ao frescor do vento.

Como sempre, Aery parava ocasionalmente para colher flores ou observar pequenos animais nas árvores.

Leo seguia um pouco à frente, os passos ritmados, mas seus olhos dourados estavam sempre atentos a ela.

— Você já percebeu que toda estrada parece igual? — Aery comentou, jogando uma pedrinha no caminho. — Mas sempre encontramos algo diferente nelas.

— Se você parar para pegar cada flor e seguir cada borboleta, é claro que vai encontrar algo diferente. — Leo retrucou, a impaciência evidente na voz.

— Você deveria tentar. — Ela sorriu, divertida. — É terapêutico.

Leo bufou.

— Minha terapia é manter você viva.

Aery parou abruptamente, colocando as mãos na cintura.

— Você está dizendo que eu sou problemática?

Leo cruzou os braços, olhando-a de cima.

— Estou dizendo que você é… criativa.

Aery estreitou os olhos.

— ...Boa resposta.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

No meio da manhã, a estrada revelou um viajante solitário. Um homem magro e de roupas simples lutava para empurrar um carrinho de mão repleto de frutas. O chapéu grande demais escondia parte do rosto bronzeado pelo sol.

— Aposto que ele vai pedir ajuda. — Leo murmurou, de braços cruzados.

— Aposto que ele vai ser amigável e nem vai precisar pedir. — Aery rebateu com um sorriso.

Quando se aproximaram, o homem ergueu os olhos e sorriu, um gesto amigável.

— Olá, viajantes! Que manhã bonita, não acham? — o homem lançou um olhar esperançoso para o casal.

— Parece que você está com dificuldades. — Aery notou, já se aproximando para ajudar.

Leo apenas lançou um olhar de tédio enquanto Aery segurava um lado do carrinho, aliviando o peso do homem.

— Qual o seu nome? — Aery perguntou.

— Lars. Sou apenas um agricultor levando minhas frutas ao mercado. E vocês? São um par curioso.

— Apenas viajantes. — Leo respondeu, seco.

Com insistência de Aery, o ajudaram a levar a mercadoria até um cruzamento.

O homem, grato, ofereceu-lhes frutas como pagamento e um sorriso nos lábios.

— Vocês têm um bom coração.

Aery pegou uma maçã e ofereceu outra a Leo, que recusou a princípio, mas cedeu quando ela insistiu.

— Nem foi tão ruim ajudar, não é? — Aery provocou.

— Não foi. — Leo admitiu. — Mas não significa que vou fazer disso um hábito.

Aery lançou um sorrisinho de lado.

Enquanto caminhavam, a paisagem mudou. Árvores cerradas ladeavam a estrada, lançando sombras inquietantes.

Foi ali que avistaram os homens.

Cinco no total, todos humanos de aparência rude e mal-intencionada.

Olhares avaliativos imediatamente recaíram sobre Aery.

O líder, um brutamontes de cicatriz profunda na bochecha, sorriu malicioso.

— Olhem só. Uma beleza dessas longe de casa... E com um elfo negro, nada menos.

Leo deu um passo à frente, o corpo automaticamente se colocando entre Aery e os homens. Seus olhos perderam qualquer vestígio de humor.

— Continuem andando. — Sua voz era um aviso gelado.

— Calma, amigo. — Outro homem, magro e de dentes amarelados, ergueu as mãos. — Estamos só curiosos. Ela parece... especial.

Aery se adiantou.

— Obrigada pela preocupação, mas estou em boas mãos.

O líder riu, um som desagradável.

— Ela acha que está segura. Que adorável.

Leo inclinou a cabeça. Seu olhar dourado brilhava com uma ameaça silenciosa.

— Saíam. Agora.

O líder cruzou os braços.

— Ou o quê?

Leo não respondeu. Sua espada já estava em sua mão, erguida em um ângulo exato, sua lâmina refletindo a pouca luz que filtrava pelas árvores.

Aery deixou que Leo comandasse a situação, mas estava pronta para conjurar um feitiço.

Os homens hesitaram.

Leo deu um passo. Depois outro.

O líder encarou o brilho gélido nos olhos do elfo negro. Por um instante, algo se refletiu ali — algo escuro, feroz. Algo que não deveria ser desafiado.

O humano recuou.

— Não vale a pena. Vamos.

Eles desapareceram na estrada.

Leo permaneceu parado por um longo momento, a mão firme no cabo da espada.

Aery soltou o fôlego que não percebeu estar prendendo.

— Eles eram horríveis.

— E burros. — Leo embainhou a lâmina.

Ela o olhou de soslaio.

— Você teria matado eles?

Leo não respondeu de imediato.

— Teria sido rápido.

O silêncio pairou.

Aery percebeu que ele não estava brincando.

E isso a fez se sentir ainda mais protegida.

Leo lançou um olhar sério para ela.

— Se acontecer de novo, quero que fique atrás de mim. Não precisamos de heróis aqui.

— Eu só queria ajudar… — Aery começou, mas parou ao ver a expressão de Leo.

Ele suspirou, esfregando a nuca, mas sua postura ainda estava tensa.

— Eu sei. Mas o mundo lá fora não é como você pensa, Aery. E enquanto estiver comigo, não vou deixar nada acontecer com você.

Aery abriu a boca para retrucar, mas sua voz sumiu ao perceber o tom dele. Diferente de antes, não era apenas uma ordem; era uma promessa.

O jeito que ele a olhava — intenso, sombrio e determinado — fez algo dentro dela estremecer.

Por um segundo, ela achou que Leo fosse tocá-la, mas ele apenas desviou o olhar e começou a andar.

Ela sorriu para si mesma e o seguiu.

O silêncio que pairou entre eles durante a caminhada não era exatamente desconfortável, mas carregado de algo não dito.

— Você acha que eles vão voltar? — Aery quebrou o silêncio, sua voz mais baixa do que o normal.

Leo olhou de soslaio para ela antes de responder.

— Não. Eles sabem que seria estupidez.

Ela assentiu, mas seus olhos estavam distantes. Leo reconheceu aquele olhar — ela estava processando o que aconteceu, provavelmente repassando tudo na mente.

— Não precisa se culpar. — Ele disse de repente.

Aery piscou, surpresa.

— Culpada? Eu não…

— Você acha que foi um problema ali atrás, que eu tive que te proteger. Não foi. — Ele cruzou os braços, desviando o olhar. — Eu fiz porque quis. E porque sei que você faria o mesmo.

Ela ficou em silêncio por um momento, absorvendo aquelas palavras. Então, um sorriso suave surgiu.

— Você é mesmo um doce quando quer, sabia?

Leo revirou os olhos.

— E você estraga tudo.

— Não estraguei nada! — Aery retrucou com indignação teatral. — Só estou apreciando o momento raro de honestidade do grande Leo, O Protetor.

Ele bufou, mas o canto de sua boca se ergueu ligeiramente.

— Vamos logo antes que eu mude de ideia e te largue aqui.

Aery riu, o som leve quebrando o peso que ainda restava no ambiente.

⋅⋆⭑✧⭑⋆⋅

Depois de horas de caminhada, encontraram um pequeno riacho escondido entre árvores altas.

Aery imediatamente tirou as botas e mergulhou os pés na água fresca, soltando um suspiro satisfeito.

— Ahhh, isso é perfeito! — Ela exclamou, inclinando-se para trás e fechando os olhos, deixando o sol aquecer seu rosto.

Leo permaneceu de pé, observando-a. A forma como a luz filtrava pelos galhos e dançava em seus cabelos ruivos, a curva relaxada de seus lábios... Por um instante, ele se pegou encarando.

Virou o rosto rapidamente.

— Você parece uma criança.

— E você parece um velho rabugento. Vem logo!

Ele hesitou, mas o sorriso dela era difícil de ignorar. Com um suspiro, Leo se sentou perto da margem e mergulhou as mãos na água, esfregando o rosto.

— Melhorou? — Aery perguntou, inclinando a cabeça.

— Talvez. — Ele deu de ombros, mas algo em sua postura estava mais relaxado, e Aery notou.

Ela pegou uma folha grande que flutuava na água e a usou para espirrar um pouco em Leo.

Ele a olhou, incrédulo.

— Sério?

— O que foi? — Aery tentou parecer inocente, mas o sorriso travesso a denunciava.

— Você realmente quer começar isso?

Antes que ela pudesse responder, Leo mergulhou a mão na água e a espirrou de volta, acertando-a em cheio.

— Ei! — Ela gritou, rindo, enquanto tentava revidar.

O jogo de água se intensificou rapidamente. Aery tentava se proteger e atacar ao mesmo tempo, enquanto Leo, impiedoso, a encharcava.

Em um momento de descuido, ela perdeu o equilíbrio e, com um grito curto, tropeçou.

Antes que pudesse cair na água, Leo agarrou seu pulso, puxando-a para si.

O riso de Aery morreu quando ela percebeu o quão perto estavam. A respiração dela estava acelerada, e a dele... pesada.

As gotas de água escorriam pelo rosto de Leo, destacando seus traços fortes e aquele olhar dourado, preso nela.

Por um segundo, nenhum dos dois se moveu.

Então, Leo soltou seu pulso lentamente, como se estivesse consciente demais do toque.

— Cuidado. — Sua voz saiu rouca, mais baixa do que de costume.

Aery engoliu em seco, o coração martelando no peito.

— É… vou… tomar mais cuidado.

O momento se desfez tão rápido quanto surgiu, mas a sensação permaneceu.

O riacho ainda estava lá. O sol ainda brilhava. Mas agora, havia algo mais entre eles.

Algo que nem a brincadeira conseguia esconder.

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Comments

Ana Beatriz Souza

Ana Beatriz Souza

ela vê o mundo de outro jeito é interessante

2025-03-27

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