O frio do Norte não era apenas uma temperatura; era um teste constante de resistência. Cada rajada de vento parecia atravessar os ossos, e a neve, que nunca derretia completamente, criava um cenário de gelo e desolação. Isadora, no entanto, recusava-se a demonstrar fraqueza. Já havia enfrentado a morte e a traição; o frio seria apenas mais um obstáculo.
Logo pela manhã, quando saiu para acompanhar os trabalhadores que cuidavam das provisões da vila, foi recebida por uma rajada de vento tão gelada que fez seu manto ondular violentamente.
— Minha senhora, tem certeza de que deseja sair hoje? — perguntou Adeline, puxando seu próprio capuz com força.
— Absoluta — respondeu Isadora, com firmeza. — O frio não é desculpa para abandonarmos nossas responsabilidades.
Adeline suspirou, mas não discutiu.
Isadora estava acompanhando um grupo de homens que verificavam o estado de algumas estufas improvisadas, onde eram cultivadas ervas e vegetais resistentes ao clima. O Duque Theodore havia lhe explicado que a sobrevivência no Norte dependia da habilidade de adaptar-se ao ambiente hostil.
— Não é muito, mas é o que conseguimos produzir no inverno — disse um dos trabalhadores, mostrando-lhe fileiras de folhas pequenas e resistentes.
— Isso é impressionante — respondeu Isadora, inclinando-se para observar de perto. — Não imaginava que algo pudesse crescer aqui.
Um homem mais velho, de barba grossa e olhos cansados, aproximou-se, segurando um pedaço de madeira usada para sustentar a estufa.
— A senhora acha impressionante porque nunca precisou trabalhar no frio cortante para fazer isso acontecer.
Isadora ergueu os olhos para ele, notando o tom levemente desafiador.
— Tem razão. Nunca precisei. Mas isso não significa que não queira aprender.
O homem arqueou uma sobrancelha, claramente surpreso com a resposta.
— Aprender? Uma dama como você?
— Sim — respondeu Isadora, firme. — Quero entender como posso ajudar, não apenas dar ordens de um lugar confortável.
Houve um momento de silêncio antes que o homem soltasse uma risada grave.
— Veremos quanto tempo vai durar essa determinação.
A decisão de participar ativamente no trabalho não era apenas simbólica para Isadora; era um desafio físico real. Ela carregou estacas de madeira, ajudou a reparar uma das estufas danificadas pela neve e até mesmo se ofereceu para ajudar a distribuir rações para as famílias da vila.
No entanto, o cansaço começou a cobrar seu preço. No final da tarde, enquanto ajudava a carregar um saco de grãos, suas mãos começaram a tremer de exaustão.
— Minha senhora, deixe-me fazer isso — disse um jovem trabalhador, aproximando-se rapidamente.
— Não... eu consigo — respondeu Isadora, com esforço, tentando manter o equilíbrio do saco pesado.
— Isadora — a voz grave de Theodore ecoou pelo local, fazendo com que ela se virasse imediatamente.
Ele estava parado ali, observando-a com uma mistura de preocupação e irritação.
— O que está fazendo?
— Trabalhando, como todo mundo — respondeu ela, tentando não demonstrar fraqueza.
— E destruindo seu corpo no processo — retrucou Theodore, aproximando-se e tirando o saco de grãos de suas mãos com facilidade. — Não há necessidade de provar nada para ninguém assim.
— Não estou provando nada, Theodore. Estou aprendendo.
Ele a olhou por um momento, antes de suspirar.
— Há outras formas de aprender sem colocar sua saúde em risco.
— Talvez, mas nenhuma tão eficaz quanto esta — rebateu ela, cruzando os braços.
Um dos trabalhadores, que havia observado a interação, murmurou baixinho:
— Essa tem coragem.
Theodore ouviu, mas não comentou. Apenas encarou Isadora por mais alguns segundos antes de finalmente ceder.
— Então pelo menos descanse por hoje. Não vou discutir sobre isso.
Isadora sorriu, sentindo uma pequena vitória.
— Tudo bem. Mas amanhã estarei de volta.
Ele balançou a cabeça, um leve sorriso surgindo em seus lábios.
— Você é teimosa.
— E você já sabia disso.
De volta ao castelo, Isadora estava exausta. Suas mãos doíam, e seus músculos pareciam reclamar de cada movimento. Adeline preparava um banho quente enquanto murmurava algo sobre a imprudência da jovem senhora.
— Eu sei que está preocupada, Adeline, mas eu preciso fazer isso — disse Isadora, enquanto se acomodava em uma cadeira próxima à lareira.
— Precisa? Ou quer provar algo ao Duque? — Adeline ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Talvez um pouco dos dois — admitiu Isadora, rindo suavemente.
Adeline suspirou, entregando-lhe uma xícara de chá quente.
— Só não se esqueça de que, para ajudá-los, precisa estar bem consigo mesma.
Antes que Isadora pudesse responder, a porta foi aberta, revelando Theodore. Ele entrou com passos firmes, trazendo consigo o ar gelado do lado de fora.
— Você deveria estar descansando — disse ele, sem rodeios.
— Estou — respondeu Isadora, mostrando a xícara de chá como prova. — Mas não pode me culpar por querer estar ocupada.
— O que quero é que você não desmaie de exaustão — rebateu Theodore, cruzando os braços. — Amanhã será mais frio, e você não está acostumada com isso.
— Então terei que me acostumar, não é? — Isadora inclinou a cabeça, desafiadora.
Ele suspirou novamente, mas havia algo em seu olhar que indicava admiração.
— Muito bem, Isadora. Mas me avise quando precisar de ajuda. Você não precisa enfrentar tudo sozinha.
— Não enfrento sozinha, Theodore. Tenho você aqui, não é?
Theodore ficou em silêncio por um momento antes de assentir levemente.
— Sim, tem.
E, pela primeira vez, Isadora sentiu que o Norte, por mais frio e desafiador que fosse, começava a se tornar um lugar onde ela realmente poderia pertencer.
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Atualizado até capítulo 101
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