O vento frio assobiava do lado de fora das paredes do castelo do Norte, e o salão estava iluminado apenas por algumas tochas e uma lareira ardente. Isadora estava sentada em uma poltrona próxima ao fogo, suas mãos envoltas em uma xícara de chá quente. Theodore estava à sua frente, encostado na moldura da janela, o olhar perdido na escuridão da noite.
Ela observava o Duque, intrigada. Havia algo nele que ia além da força física e da reputação assustadora. Ele carregava um peso, um fardo que parecia maior do que qualquer um poderia suportar.
Depois de alguns minutos de silêncio, Isadora decidiu quebrar o gelo.
— Theodore, posso fazer uma pergunta? — sua voz saiu baixa, mas firme.
Ele desviou o olhar da janela, seus olhos escuros encontrando os dela.
— Você parece o tipo de mulher que faz perguntas, mesmo que não deva. Pergunte.
Ela hesitou por um instante, mas continuou.
— Por que você se isolou no Norte? Sei que não é apenas pela guerra ou pelas histórias que contam sobre você. Algo aconteceu, não foi?
O rosto de Theodore endureceu por um momento, mas então ele suspirou, como se soubesse que não poderia evitar a pergunta.
— Você é direta, não é? — Ele se afastou da janela, caminhando até a poltrona oposta à dela. Sentou-se e apoiou os cotovelos nos joelhos, olhando para o fogo. — Muito bem, Isadora. Se vamos nos casar, talvez seja justo que saiba um pouco mais sobre quem eu sou.
Ela inclinou a cabeça, interessada, mas permaneceu em silêncio, esperando que ele começasse.
— Quando eu era jovem, o Norte era um lugar de constantes conflitos. Meu pai, o antigo Duque, era um homem severo, mas justo. Ele acreditava que a força era a única maneira de proteger nossas terras e nosso povo. Cresci sob esse ideal, treinado para ser um soldado antes mesmo de entender o que significava ser um homem.
Theodore fez uma pausa, seus olhos fixos nas chamas da lareira.
— Mas não foi a guerra que me transformou no "monstro" que todos dizem que sou. Isso veio mais tarde, quando perdi tudo que era importante para mim.
Isadora franziu a testa, sentindo o peso em suas palavras.
— O que aconteceu? — perguntou, sua voz suave.
Ele olhou para ela, seus olhos carregados de emoções que ele raramente mostrava.
— Minha mãe morreu jovem, mas meu pai logo se casou novamente. Minha madrasta era... diferente. Não era uma mulher má, mas tinha suas próprias ambições. E ela trouxe com ela uma filha, minha meia-irmã, Amélia. — Ele parou por um instante, o tom de sua voz tornando-se mais sombrio. — Amélia era tudo que eu não era. Gentil, carismática, adorada por todos. Eu a protegi como um irmão deve fazer, mas, no final, fui incapaz de salvá-la.
Isadora prendeu a respiração, sentindo que ele estava prestes a revelar algo doloroso.
— O que aconteceu com ela? — perguntou.
Theodore passou uma mão pelos cabelos, como se estivesse tentando organizar seus pensamentos.
— Amélia foi usada como uma peça de xadrez em um jogo político. Meu pai, pressionado por aliados e inimigos, decidiu casá-la com um senhor de guerra poderoso e cruel. Eu me opus, lutei contra isso, mas meu pai não ouviu. Ele acreditava que o casamento traria paz ao Norte. — Ele fechou os olhos por um momento, como se revivesse o momento. — Eu tinha razão. O casamento não trouxe paz. Apenas destruição.
— Ele a machucou? — Isadora perguntou, sua voz carregada de compaixão.
Theodore abriu os olhos, o fogo refletindo em seu olhar sombrio.
— Ele a destruiu. E quando tentei intervir, comecei uma guerra. No final, ela morreu. Meu pai morreu. E o Norte quase foi engolido pelas chamas.
Isadora sentiu um nó na garganta. Agora entendia por que Theodore era tão temido e por que se isolava. Ele não era apenas um homem marcado pela guerra; era um homem marcado pela culpa.
— Você carrega isso com você até hoje — disse ela, mais uma afirmação do que uma pergunta.
— É impossível não carregar. — Theodore a olhou diretamente. — É por isso que construí meu castelo aqui, longe de todos. É por isso que mantenho distância. Se não me aproximar de ninguém, ninguém pode se machucar por minha causa.
— Mas não pode viver assim para sempre — Isadora retrucou, sua voz suave, mas firme. — Você é mais do que sua culpa, Theodore. Mais do que seu passado.
Ele soltou um riso seco.
— Você fala como alguém que nunca sofreu uma perda irreparável, princesa.
Ela ergueu o queixo, sua expressão endurecendo.
— Você está errado. Já perdi mais do que pode imaginar. Já vivi no inferno e voltei. Sei como é ser consumido pela dor e pela culpa. Mas também sei que ficar preso ao passado não traz ninguém de volta.
Theodore ficou em silêncio, suas palavras parecendo atingi-lo mais profundamente do que ele esperava. Ele desviou o olhar, voltando a encarar o fogo.
— Talvez você tenha razão — admitiu, após um longo momento. — Mas não é fácil deixar para trás quem você foi. Especialmente quando as pessoas ao seu redor insistem em lembrá-lo.
— Então, talvez seja hora de provar que você é mais do que o "monstro do Norte". Talvez seja hora de mostrar a todos quem Theodore realmente é.
Ele voltou a olhar para ela, seus olhos carregando uma mistura de surpresa e admiração.
— Você é uma mulher interessante, Isadora. Mais forte do que aparenta.
Ela sorriu levemente.
— E você é um homem mais humano do que quer admitir.
Um silêncio confortável se instalou entre eles enquanto as chamas da lareira continuavam a crepitar. Theodore sabia que Isadora não era como ninguém que ele já conhecera, e, pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma faísca de esperança de que talvez, apenas talvez, seu passado não precisasse defini-lo para sempre.
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Atualizado até capítulo 101
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