A Reforma da Igreja

Encostei a testa contra o vidro do carro, sentindo o frescor do material na tentativa de acalmar os pensamentos desordenados. Lá fora, a neblina parecia cada vez mais densa, quase sólida, envolvendo o ar quente e abafado da cidade abandonada. Eu sabia que devia respirar fundo, organizar minhas ideias e pensar com clareza, mas minha mente insistia em retornar ao cômodo sombrio que havíamos acabado de deixar.

Liam estava ao meu lado, ajustando o assento e tamborilando os dedos no volante. O som ritmado era a única coisa que quebrava o silêncio carregado entre nós.

- Vai ficar tudo bem • ele disse suavemente, sem me olhar.

Eu queria acreditar nisso, mas a sensação de que estávamos mexendo em algo que não deveríamos não me deixava.

- Eu não sei se é exatamente isso que sinto • murmurei, ainda olhando para a neblina. • – Tem algo errado aqui, Liam. Não só com a cidade, mas... comigo também.

Ele não respondeu imediatamente, talvez considerando o que dizer.

- É normal se sentir assim, Ashley • ele falou por fim, a voz calma. • – Lugares como esse... carregam coisas. Não só histórias, mas sensações.

- Você sempre tem explicações assim? – perguntei, tentando esboçar um sorriso para aliviar o clima.

Ele riu de leve, mas sua expressão parecia distante.

- Eu leio muito • disse, dando de ombros. • – E gosto de entender o que está à minha volta.

Aproveitei a deixa para desviar meus pensamentos do porão e, em vez disso, focar nele.

- Falando nisso, Liam... Por que exatamente você está tão interessado nessa cidade? Não está se arriscando demais?

Sua postura mudou ligeiramente, como se tivesse levado um pequeno golpe. Ele olhou para mim de relance antes de voltar os olhos para o volante.

- É... só curiosidade. Coisas assim me fascinam. A história, o abandono... • Ele fez uma pausa. • – Vai ser um ótimo material para o meu artigo na faculdade.

Inclinei-me no banco, estudando seu rosto enquanto ele evitava me encarar diretamente.

- Você sempre parece saber muito sobre o que estamos investigando, como se já tivesse pesquisado isso antes de me conhecer.

Ele apertou os lábios, claramente desconfortável.

- Eu estudei um pouco antes de vir • respondeu com cautela. • – Não é nada demais, Ashley. Eu só... gosto de saber o que esperar.

Por algum motivo, sua resposta me deixou com mais perguntas do que respostas, mas decidi não pressioná-lo.

- Tudo bem, então • murmurei, desviando o olhar para a janela. • – Só espero que esse artigo valha a pena.

Ele não respondeu, e o silêncio se instalou novamente.

Depois de um tempo, sugeri que saíssemos do carro e nos afastássemos da neblina que envolvia o centro da cidade. Fomos para um local mais aberto, onde o ar parecia menos pesado. Sentados no capô do carro, espalhamos os documentos que havíamos trazido da prefeitura para revisá-los.

- Talvez tenha algo aqui que deixamos passar • comentei, folheando as páginas amareladas.

Liam concordou com um aceno e começou a vasculhar os papéis em sua pilha. A maior parte era composta de registros antigos, plantas das casas e anotações sobre a reforma da igreja, mas, até então, não havia nada que realmente conectasse os pontos que estávamos tentando desvendar.

Foi quando meus olhos pousaram em uma página que parecia familiar, mas que, por algum motivo, eu não tinha reparado antes. Era parte de um artigo sobre a reforma da igreja, datado de meados do século passado. No topo da página, havia uma fotografia em preto e branco, ligeiramente desgastada, mas ainda nítida o suficiente para reconhecer os detalhes.

Um homem, alto e imponente, segurava um menininho no colo. Ele usava um terno formal, e sua expressão era séria, quase severa. Mas o que chamou minha atenção foram os traços do rosto dele: os cabelos ruivos, as sardas que cobriam o nariz e as bochechas...

Meu coração parou por um momento.

-Liam... • chamei, minha voz quase falhando.

Ele levantou os olhos do documento que estava lendo e me olhou com curiosidade.

- O que foi?

Sem dizer nada, entreguei a página para ele, apontando para a fotografia. Ele pegou o papel, franzindo a testa enquanto examinava a imagem.

- Ele se parece com você • sussurrei.

Liam soltou um riso nervoso, balançando a cabeça.

- É só uma coincidência, Ashley. Cabelos ruivos e sardas não são tão raros assim.

- Não é só isso • insisti, apontando para os detalhes. • – O formato do rosto, a linha da mandíbula... até os olhos. Liam, esse homem poderia ser você em outra época.

Ele olhou para a foto novamente, seu desconforto evidente.

- O artigo diz alguma coisa sobre ele?

Voltei meus olhos para o texto, lendo em voz alta.

"O financiamento para a reforma da igreja foi feito pelo Sr. Adam Westbrook, um filantropo local conhecido por sua dedicação à comunidade."

- Westbrook? • Liam repetiu, pensativo. – Esse nome não apareceu nas minhas pesquisas...

- Tem certeza? • perguntei, inclinando-me para ele.

Ele hesitou por um instante antes de balançar a cabeça.

- Sim, eu teria anotado essa informação, como não vi esse artigo na prefeitura? • ele falou, pegando o livro das minhas mãos e olhando para ele confuso.

Eu podia ver em seus olhos que a fotografia o havia abalado. Por alguma razão, não sentia muita verdade em suas palavras.

Continuamos folheando os documentos, mas, depois daquela descoberta, ficou difícil manter o foco. Minha mente vagava, tentando conectar as peças do quebra-cabeça. Quem era Adam Westbrook?

Passamos um tempo revistando os artigos, mas quando a luz do dia começou a desaparecer, Liam finalmente sugeriu que guardássemos os papéis e voltássemos ao carro.

- Acho que já tivemos o suficiente por hoje • ele disse, jogando sua pilha de documentos na mochila.

Assenti, embora soubesse que a noite seria longa. Mesmo que não estivéssemos mais no centro da cidade, eu sentia que o peso do lugar ainda estava sobre nós. E, agora, o peso das perguntas sem resposta era ainda maior.

Enquanto guardávamos as coisas no carro, olhei mais uma vez para a fotografia que havia encontrado. O olhar severo de Adam Westbrook parecia atravessar o tempo, prendendo-se em mim como um aviso silencioso.

Pelo menos, temos um nome. Uma outra pista para seguir.

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