A manhã começou lenta, com o céu ainda pálido e o sol tímido espreitando entre as colinas. O ar fresco da fazenda trazia consigo uma sensação de renovação, mas eu não podia apreciá-la por completo. O corpo exausto se recusava a ceder ao descanso que eu sabia que precisava. Estava deitada na cama, respirando com dificuldade devido ao resfriado que havia me atingido com força. A febre leve me deixava tonta, e mesmo assim, a inquietação dentro de mim me impedia de simplesmente ficar ali.
Ayana estava ao meu lado, sentada na beirada da cama. Seus olhos preocupados me observavam como uma sentinela, recusando-se a me deixar levantar.
— Anya, hoje não, por favor. Descansa. Deixe eu cuidar de ti pelo menos uma vez na vida. — A voz de Ayana era suave, mas carregava uma determinação que ela raramente demonstrava.
Virei-me na cama, tentando disfarçar a fraqueza. — Estou bem, Ayana, — respondi, a voz falhando ligeiramente.
Ela balançou a cabeça, impaciente. — Como pode dizer que está bem? Olha só para ti. Esses últimos dias você trabalhou feito uma louca, não pode continuar assim!
Eu tentei sorrir, mesmo com a sensação de peso nos pulmões. — Prometo que vou descansar nesse final de semana, — murmurei, já me levantando e colocando as botas. Precisava ver os trabalhadores, verificar o café. Não podia simplesmente ficar na cama.
— Você não vai a lugar nenhum, senhora, — ela disse, firme, com os olhos brilhando de preocupação. — Você não pode se matar de trabalhar assim! Quem vai cuidar de mim se algo ruim acontecer contigo? — Sua voz estava embargada, e logo vi as lágrimas se acumularem nos olhos dela.
Ayana sempre reagia de forma exagerada quando algo acontecia comigo. Uma febre e lá estava ela, pronta para me tratar como se eu fosse uma criança indefesa. E, em parte, isso me tocava. Ela queria ser para mim o que eu sempre tentei ser para ela: uma protetora.
Enquanto eu procurava palavras para acalmá-la, vozes vinham de fora. Um som de agitação crescia no pátio, interrompendo o nosso pequeno drama. Marinho e Pedro estavam lá fora com o grupo de trabalhadores, mas havia algo mais, algo incomum. Ayana se levantou, curiosa, e foi até a janela.
— Tem gente lá fora, Anaya. — Ela afastou as cortinas com um gesto rápido.
— Claro que tem. Deve ser o Marinho e o Pedro, — resmunguei, tentando esconder a dor no corpo.
Ela se virou para mim, com os olhos arregalados. — Não estou falando deles, sua boba. Estou falando de gente importante. Olha isso.
Caminhei até a janela, ainda segurando as botas nas mãos, e olhei lá para fora. Meu coração parou por um instante ao ver o que se passava no pátio.
— Caramba, eles vieram mesmo, — murmurei, incrédula. Por dentro, eu já não acreditava mais que aquele encontro em Vale Verde tinha sido algo real. Achei que era um sonho distante, algo que minha mente havia criado para me dar esperança. Mas ali estavam eles, em carne e osso.
Levantei-me de um salto e, sem pensar duas vezes, agarrei a mão de Ayana. — Vem, temos que sair.
Quando chegamos ao pátio, a surpresa foi ainda maior. Havia carros estacionados — veículos novos, potentes, como nunca tínhamos visto por ali. Homens de terno e chapéu andavam pelo lugar, e no centro de tudo, estava o homem que eu mal ousara acreditar que veria novamente.
— Então, Srta. Monteiro, como vai? — A voz inconfundível de Dom Cabral cortou o ar. Ele estava cercado por três homens, todos de aparência impecável. Atrás deles, outros seis homens cuidavam de caixas, pranchetas e equipamentos.
— Estou bem, e os senhores? — Respondi, tentando esconder minha surpresa.
Eles estavam ali. Quatro homens, junto com mais seis especialistas, caminhavam pela minha fazenda. Olhei ao redor, tentando entender se aquilo era real. Eles me levaram a sério, pensei, ainda em choque.
Antes que eu pudesse convidá-los a entrar, o Sr. Will, um dos sócios de Dom Cabral, disse ansioso: — Gostaria de ver o café antes de qualquer formalidade, Srta. Monteiro.
Assenti, pedindo que Chico e Severino levassem o grupo até as plantações. Eu e Ayana seguimos com Dom Cabral e sua comitiva até os depósitos. Conforme nos aproximávamos, os trabalhadores da fazenda, curiosos, começaram a se juntar. Inês e Rosa, que estavam na plantação de mandioca, também se aproximaram.
Ao abrir os depósitos, o choque foi geral. Havia toneladas de café ali armazenadas, incluindo as que pensávamos estar comprometidas. Ao fazerem as análises, seus especialistas descobriram que o café estava, de fato, intacto. A qualidade do grão era excepcional, e os quatro homens não conseguiam esconder o espanto.
— Isso é incrível, — disse o Sr. Hugh, examinando um punhado de grãos. — Esse café é uma espécie rara, quase extinta. Não sei como vocês conseguiram preservar isso por tanto tempo.
Eu também não sabia, para ser sincera. Era como se o tempo tivesse poupado aquele café, como se ele estivesse esperando o momento certo para ser revelado. Havia grãos ali que remontavam aos meus dez ou onze anos, mas estavam tão puros quanto no dia em que foram colhidos.
O Sr. Will, que havia retornado das plantações, estava radiante. — As plantações estão impecáveis! O cuidado que vocês tiveram com os cafeeiros é de se admirar.
Eu apenas sorri, ainda digerindo tudo aquilo. Nunca imaginei que ouviria tantos elogios em um só dia. Quando voltávamos para a casa, eles continuavam me perguntando sobre a fazenda, sobre a minha família. E foi na porta da casa que recebi a maior surpresa do dia.
— Srta. Monteiro, isso é para você. — O Sr. Hugh retirou algo do bolso e colocou na minha mão.
Quando abri, vi que era uma chave. Uma chave de carro.
— O que é isso? — Perguntei, confusa.
Ele sorriu e apontou para um dos veículos estacionados. Era uma Toyota Hilux, cabine dupla. Um modelo que eu nunca sonhei em possuir.
Marinho e Pedro, que estavam perto, cochicharam entre si, admirados. — É o último modelo, — disse Marinho.
— Esse é um bônus pelo pré-acordo que assinamos em Vale Verde, — explicou Hugh. — E ainda tem mais.
Minha cabeça girava. Eu mal sabia como reagir. Entramos todos para o escritório, e eu os apresentei a Ayana. Marinho e Pedro já eram velhos conhecidos deles, mas a introdução de Ayana foi especial. Ela ficou ao meu lado, com um sorriso tímido, observando a comitiva que agora fazia parte do nosso mundo.
Conforme as negociações avançavam, fui apresentando mais detalhes sobre a fazenda e respondendo suas perguntas. Quando contei nossa história, incluindo a de Suraya, senti um nó se formar na garganta. Claro, não mencionei sua prisão ou o motivo de seu casamento. Apenas compartilhei o que achei seguro, enquanto tentava conter as emoções.
Ao final da conversa, o Sr. Will pediu permissão para gravar. — Sua história é impressionante, Anaya. Uma menina de 16 anos herdando a responsabilidade de uma fazenda falida, e agora, quatro anos depois, consegue reerguê-la das cinzas com um contrato milionário. É uma história que precisa ser contada.
Fiquei em silêncio, com Ayana ao meu lado, sentindo a onda de emoção me atingir. Quando terminei de contar nossa história, estávamos todos chorando.
Foi nesse momento que a porta se abriu e Juraci e Marina entraram com o Dr. Rui Alfredo, o advogado que eu havia contratado para nos ajudar com os termos do contrato. As negociações começaram, e eu já sabia que o acordo seria favorável, mas o que eles me ofereceram superou qualquer expectativa.
Além do pagamento pelo café armazenado, que seria o suficiente para resolver todos os nossos problemas financeiros, eles ofereceram bônus adicionais. A fazenda seria reformada, inclusive a velha casa grande que estava quase em ruínas. O transporte do café ficaria por conta deles, e nós apenas precisaríamos continuar produzindo.
Quando finalmente chegou a hora de assinar os papéis, senti um calafrio. Olhei para os números — vários zeros que mudariam nossas vidas para sempre. Só o valor do café armazenado era suficiente para nos tirar de qualquer crise. Eles brindaram com champanhe e entregaram uma mala de dinheiro, um pagamento inicial de 10% do valor do café.
Estávamos prontos para recomeçar.
Apesar de tudo, enquanto assinava os papéis e olhava para
Ayana, uma parte de mim ainda estava hesitante. Será que, finalmente, a maré havia mudado para os Monteiros? Ou será que o destino ainda tinha mais desafios guardados para nós? O Natal chegou, mas a sombra do passado ainda pairava, ameaçando nossos sonhos.
O recomeço estava ali, à nossa porta. Só restava saber se estávamos prontos para recebê-lo.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Eliane Nunes
você tem que ler a viúva do magnata para entender sobre Suraya
2025-01-17
1
Aureca's
Será que agora ela vai ajudar a coitada da irmã que tá pressa?
2024-10-09
2
galega manhosa
ate que fim o cativeiro acabou
2024-10-07
4