Anaya: O Preço do Silêncio

Anaya: O Preço do Silêncio

Prólogo

O som do vento cortando as árvores me desperta antes do amanhecer. Ainda não são nem cinco da manhã, mas os primeiros raios de sol já começam a se esticar pelo céu. Eu costumava acordar com o barulho dos pássaros, mas agora, depois de tantos anos, é o silêncio que me incomoda. Silêncio da casa, do campo, de tudo que restou. Se eu me concentrar, posso ouvir o que ficou preso no ar: as risadas que costumavam ecoar por essas paredes, a voz da minha mãe cantando enquanto fazia o café da manhã, o som dos passos firmes do meu pai pela casa, antes de o álcool tirar dele até isso.

Agora, são apenas memórias. Memórias de uma família que se desfez diante dos meus olhos, como um castelo de cartas que desmoronou com um único sopro.

Eu tinha 16 anos quando Suraya partiu. A filha mais velha, a favorita, a que deveria ter escapado da sina da nossa família, foi entregue como moeda de troca. Meu pai apostou a fazenda, nossas terras, nossa dignidade. Perdeu tudo. E para salvar o pouco que restava, ofereceu Suraya como esposa a Fonseca Alcântara Abreu, um homem velho o suficiente para ser nosso avô. Naquele dia, eu vi o que significa ser uma mulher nesta família: sacrificar-se para pagar as dívidas dos outros.

Suraya foi levada. Minha mãe nunca mais foi a mesma depois disso. Eu a vi definhar lentamente, dia após dia, até que um mês depois, ela finalmente desistiu de viver. Não culpo minha mãe por ter partido; a tristeza a engoliu inteira. Quem sou eu para julgá-la? De certa forma, entendo. Ela foi incapaz de suportar a dor de ver sua primogênita ser sacrificada. Era demais. Sempre foi demais.

E, então, restamos nós. Eu, Anaya Lemos Monteiro, a filha do meio, de repente promovida a mulher da casa. Assumir tudo aos 16 anos é uma coisa para a qual ninguém te prepara. Não havia um manual que explicasse como cuidar de uma fazenda falida, de um pai afundado no vício, e de uma irmã mais nova, Ayana, que na época tinha apenas 12 anos. Eu me perguntava o tempo todo se seria capaz. Ainda me pergunto.

É engraçado, porque quando se olha de fora, poderia parecer que era eu quem tinha controle sobre tudo. Mas, a verdade? Eu nunca tive controle. Eu era uma peça em um jogo que nunca pedi para jogar. E o pior de tudo é que, não importa o quanto eu tentasse, parecia que tudo escapava das minhas mãos. Cada decisão, cada pequeno passo que eu dava para tentar manter a fazenda de pé, vinha acompanhado de um fracasso inevitável.

Meu pai... Bem, ele ainda está aqui. Ou pelo menos, o que sobrou dele. Gustavo Lemos Monteiro, o homem que antes se gabava de ser um fazendeiro honrado, agora não passa de uma sombra de si mesmo. O álcool se tornou sua companhia constante, e eu... eu me tornei a mãe que ele perdeu, a esposa que ele sacrificou, e a filha que ele esqueceu. Cuido dele porque é o que se espera de mim, mas, às vezes, me pergunto por que ainda me esforço. Seria mais fácil deixá-lo afundar de vez. Mas, assim como minha mãe, eu não consigo abandoná-lo. O dever me mantém aqui. O dever... e o medo de que, se eu desistir, serei consumida também.

Ayana... Ela ainda é a única luz que resta nessa casa. Inocente, doce, sempre esperando o melhor das pessoas. Ela acredita que Suraya vai voltar, como se nossa irmã pudesse apenas aparecer na porta um dia, como se o tempo não tivesse passado. Eu não tenho coragem de dizer a ela que talvez Suraya nunca mais volte. Como eu poderia roubar essa última faísca de esperança dela? Às vezes, sinto que a única razão pela qual ainda estou de pé é por Ayana. Eu preciso protegê-la, não importa o que isso me custe. Ela merece uma vida melhor, uma chance que eu nunca tive.

E eu? Eu me pergunto se algum dia terei uma chance de ser feliz, de viver por mim mesma. Talvez seja uma esperança boba, uma que deveria enterrar junto com todas as outras. Mas, às vezes, em noites como essa, eu sonho. Sonho com uma vida onde não sou a filha do fazendeiro falido, onde não carrego o peso de manter essa casa de pé. E então, o dia começa, e eu acordo para a realidade: uma irmã para proteger, um pai para cuidar e uma fazenda para salvar.

...Talvez, um dia, eu encontre uma saída. Talvez, um dia, eu descubra quem sou de verdade. Até lá, tudo o que posso fazer é continuar. Eu sou Anaya Lemos Monteiro e essa é a minha história. ...

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Comments

Ana Regina Fernandes Raposo

Ana Regina Fernandes Raposo

E MUITO COMPLICADO AI EU TAMBÉM TEM RESPONSABILIDADE, MAIS NÃO NESSA IDADE.

2024-10-07

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