Voltamos para o estande logo após meu encontro com Dom Cabral e seus sócios, e ainda estava atônita com o rumo que as coisas tomaram. O ar na feira parecia diferente, como se eu tivesse cruzado uma fronteira invisível e agora estivesse em território desconhecido. Pedro e Marinho, ao contrário, não conseguiam conter sua animação com o sucesso das vendas das hortaliças. A nossa "Carinha" praticamente se esvaziou em poucas horas. Os produtos estavam com uma demanda alta, e eu percebia o interesse crescente das pessoas na nossa qualidade. Mas apesar disso, os pensamentos do pré-acordo e o convite de Dom Cabral pairavam sobre mim.
— E então, como foi? — perguntou Pedro, enquanto empacotava as últimas cabeças de repolho.
— Conseguimos um pré-acordo com um grupo de empresários, — respondi, tentando parecer mais tranquila do que estava de fato.
— O quê? Você tá brincando! — Marinho exclamou, incrédulo.
Os dois se entreolharam, claramente surpresos e céticos.
— Como assim pré-acordo? — Pedro indagou, franzindo a testa.
Contei a eles, com detalhes, sobre a conversa que tive com Dom Cabral, sobre o café, e como eles estavam interessados em visitar a fazenda. Marinho ficou desconfiado, e logo sua habitual cautela veio à tona:
— Será que não é golpe? Esses homens ricos sempre aparecem com alguma jogada por trás. Nunca ouvi falar desse Dom Cabral, muito menos da tal de Café Imperial.
— Eu entendo a preocupação, mas eles são profissionais e parecem genuinamente interessados no nosso café. Eles até prometeram visitar a fazenda, — falei, tentando convencê-los, embora parte de mim também compartilhasse das mesmas dúvidas.
— Tá, mas e agora? — Pedro perguntou, ajustando o chapéu. — Esse jantar de comemoração… O que é que a gente vai vestir? E como vamos nos comportar?
A pergunta me pegou de surpresa. Olhei para o meu próprio traje simples, adequado para o trabalho no campo, mas completamente inadequado para um jantar em um ambiente sofisticado. Antes que pudesse pensar numa solução, a "Carinha" da fazenda chegou com Marina e Sr. Chico, aliviando um pouco da tensão.
Logo, Rafael apareceu para nos buscar. Ele conduziu eu, Pedro e Marinho em um carro particular até um enorme edifício luxuoso, o **Hotel Imperial Palace**, pertencente ao mesmo grupo de Dom Cabral. Durante todo o percurso, Pedro e Marinho estavam inquietos, trocando olhares nervosos. A dúvida de que tudo poderia ser uma farsa ainda estava presente.
— Será que a gente vai cair numa cilada, Anaya? — Marinho sussurrou, olhando pela janela do carro. — Esses hotéis de luxo nunca são coisa boa para gente como a gente.
Eu tentei acalmá-los, mas, honestamente, também sentia o peso da incerteza.
Ao chegarmos, fomos levados a quartos separados no hotel. Eu fiquei no quarto 701, Marinho no 702, e Pedro no 703. Pedro, no entanto, pediu para ficar no mesmo quarto que Marinho, mas Rafael educadamente recusou, explicando que cada um teria seu próprio espaço.
Quando entrei no quarto, mal pude acreditar no que via. Era puro luxo. As cortinas de veludo caíam até o chão de mármore, o cheiro suave de lavanda preenchia o ar, e uma cama que parecia uma nuvem estava no centro. Abri a porta para explorar mais e, logo, Marinho e Pedro estavam no meu quarto, ainda sem acreditar no que estavam vivenciando.
— Meu Deus, Anaya, olha esse banheiro! — Pedro exclamou, explorando o espaço. — Tem mais toalhas aqui do que eu uso em um ano!
Marinho não perdeu tempo em provocar:
— E o chuveiro? Aposto que nunca viu tanta água quente de uma vez só.
Apesar das brincadeiras, a dúvida e o ceticismo sobre o pré-acordo continuavam.
— Mas, e aí, Anaya, como você conheceu esses caras? — Marinho perguntou, encostado na parede. — Do nada, você tá negociando com magnatas do café? Isso não parece esquisito?
Suspirei, sentando-me na cama enquanto olhava para os dois.
— Eu sei que parece estranho, mas temos que aproveitar as oportunidades. Eu disse a eles que tinha café de qualidade, e eles acreditaram. Agora só precisamos provar que estamos à altura.
Pedro, que parecia estar mais preocupado com o aspecto técnico, falou:
— E sobre o pré-acordo? Precisamos de um advogado, Anaya. Você não pode assinar um contrato desses sem alguém para revisar os termos. Vai que tem uma pegadinha no meio.
— Então você fica sendo o meu advogado, Pedro, — disse eu, meio em tom de brincadeira.
Os dois caíram na gargalhada, mas Marinho logo interveio:
— Não é assim, Anaya. Um advogado de verdade seria melhor.
Concordei com a cabeça, sabendo que eles estavam certos, mas sem muitos recursos para resolver isso naquele momento.
As horas passaram, e logo se aproximava o momento do jantar. Nos encontramos no meu quarto, ainda tentando entender o que vestir e como agir naquele ambiente desconhecido. Mas não havia muito o que fazer. Não tínhamos roupas sofisticadas, então descemos com o que tínhamos mesmo. Entrar no elevador do hotel foi uma experiência estranha para nós três. O luxo e o silêncio do lugar eram quase intimidadores.
Quando as portas do elevador se abriram e entramos no salão nobre, fomos recebidos com uma cena que jamais esperaríamos. Uma festa de aniversário havia sido organizada, e o grupo de Dom Cabral estava lá, nos esperando com sorrisos e uma música suave tocando ao fundo. Meus olhos se arregalaram de surpresa.
— O que é isso? — perguntei, confusa.
— É o seu aniversário, senhorita Monteiro. — Dom Cabral disse, surgindo à minha frente. — Decidimos comemorar em grande estilo.
Senti um aperto no peito. Fazia anos que eu não comemorava meu aniversário. A última vez foi quando eu tinha 11 anos, antes das dificuldades financeiras atingirem a fazenda. Por um momento, senti uma lágrima ameaçando cair, mas Marinho, que estava ao meu lado, segurou meu braço firmemente, me dando força.
Olhei em volta. O salão estava decorado com flores e luzes cintilantes, mas algo dentro de mim não conseguia relaxar. Marinho e Pedro, por outro lado, estavam se divertindo, saboreando os pratos requintados e conversando com algumas pessoas ali presentes. Mas eu só conseguia pensar na Ayana. Era a minha primeira noite longe de casa, e a saudade dela parecia me consumir.
No meio da festa, Dom Cabral, Sr. Will, Sr. Hugh e Sr. Vasco, os sócios do grupo, se aproximaram de nós com o pré-acordo em mãos. Sentamo-nos em uma mesa mais reservada para discutir os detalhes.
— Senhorita Monteiro, acreditamos que essa parceria pode ser muito lucrativa para ambos os lados. Mas, claro, é sempre bom que você tenha um advogado para revisar os termos. — disse Dom Cabral, com um tom profissional.
Pedro, que estava sentado ao meu lado, olhou para mim como se dissesse: "Eu te avisei."
Respirei fundo e, sem hesitar, disse:
— Eu tenho um advogado.
Os quatro homens me olharam com certo interesse e, por um instante, senti uma pontada de insegurança. No entanto, mantive a pose. Eles continuaram explicando os detalhes do pré-acordo, enquanto eu fingia estar mais tranquila do que realmente estava.
A noite foi longa, e ao final, assinei o pré-acordo com a promessa de que eles visitariam a fazenda na semana do Natal. Quando finalmente voltamos para os quartos, o silêncio reinava entre nós. A tensão do jantar e a importância daquilo tudo pesavam sobre nossos ombros.
Nos dias seguintes, nossa estadia em Vale Verde foi muito proveitosa. Conseguimos vender todas as hortaliças, e a feira foi um sucesso. As vendas extras ajudaram a reforçar as finanças, mas o que mais me chamou atenção foi a mudança em como as pessoas nos tratavam. Parecia que agora éramos vistos com mais respeito, como se aquele pré-acordo com os empresários tivesse mudado algo na nossa reputação.
Porém, no último dia da nossa estadia no hotel, algo inesperado aconteceu. Eu estava no quarto, arrumando minhas malas, quando a televisão ligada no fundo anunciou uma notícia de última hora. O nome que ouvi fez meu coração parar por um segundo:
— "Morreu o magnata Fonseca Alcântara Abreu."
O nome ressoou na minha mente, trazendo uma série de lembranças e sensações confusas.
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Atualizado até capítulo 22
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