A Tempestade que Não Anunciou

Amanheceu estranho em Belo Monte. O vento sussurrava algo que não soubemos decifrar, mas carregava uma angústia que pairava sobre as plantações. As nuvens começaram a se acumular no horizonte, espessas, pesadas, como se quisessem esmagar o que restava de esperança naquela terra que antes já fora fértil e promissora.

Naquela manhã, acordei com um sentimento que sempre ignoro, um que se prende no peito como um peso de mil quilos. É o medo da ruína, da perda completa. Mas não havia tempo para sucumbir. Eu me levantei, calcei as botas de sempre e saí para verificar os campos.

Marinho e Pedro já estavam lá, conversando entre si, preocupados com o vento. “Essas nuvens... não gosto do jeito que elas estão vindo”, disse Marinho, observando o céu como se esperasse uma resposta. Ele tinha razão. O ar estava denso, úmido, sufocante.

— Vamos precisar amarrar as hortas e proteger as plantações — sugeri, tentando me focar na prática, enquanto aquele desconforto crescia dentro de mim.

Ao longe, os pés de café se estendiam até onde a vista alcançava. Bonitos, densos, mas inúteis sem compradores. O que me preocupa não é o que já temos, mas o que não conseguimos vender. "Quem vai querer café agora?", perguntei a mim mesma, tentando afastar o pessimismo que me rondava.

Conforme o dia avançava, a tensão aumentava. Eu estava dividida entre o escritório da fazenda e o campo. Meu corpo já não respondia como antes. Na cabeça, contas, números, e o eterno medo de falhar. Já passava da metade do mês, e, como sempre, as despesas se acumulavam. Os compromissos nunca paravam de crescer. A contabilidade que eu fazia era, na verdade, um malabarismo de sobrevivência. Todo mês, eu me prometia que reservaria um pouco para mim, mas todo mês era a mesma coisa: sobrava para todos, menos para mim.

Então, veio o som. Um trovão forte, uma explosão que ressoou por todo o vale. Eu estava na varanda quando ele ecoou pela terra, e, por um momento, tudo parou. Pedro saiu correndo da estufa, Marinho apareceu com o semblante tenso, e eu... bem, eu senti o impacto de uma tempestade que não estava nos nossos planos.

— Vai piorar — disse Pedro, com um ar sombrio. — Precisamos fazer alguma coisa agora.

A tempestade que começou não era apenas de vento e chuva, mas de caos e desespero. A terra endurecida não absorveu a água como devia. E quando a chuva começou, não houve preparação que aguentasse. As plantações foram arrastadas, as hortas afogadas. O pouco que restava se foi em minutos.

Eu tentei me segurar, tentei não pensar nas consequências imediatas. Mas o que mais poderia acontecer? Há quanto tempo estamos presos nesse ciclo de miséria? Todos os planos que fizemos, a reorganização dos trabalhadores, as sementes compradas com sacrifício. Era mais do que uma colheita que estava sendo destruída, era o pouco futuro que ainda tínhamos.

Depois de quase uma hora de chuva torrencial, a fazenda estava um lamaçal. Marinho, Pedro e eu olhamos para o que restava — o quase nada que tínhamos conseguido preservar. As enxurradas arrastaram tudo.

— Anaya, isso... — Marinho começou, mas não conseguiu completar. Ele sabia. Todos sabíamos. Aquele era o fim de mais um ciclo.

Entrei em casa, os pés pesados de lama, e encontrei Ayana sentada na mesa, com os livros da escola abertos, mas sem realmente prestar atenção. Ela me olhou por um momento, como se já soubesse o que eu tinha a dizer.

— Não me diga que foi tudo, Anaya — ela disse, sem levantar os olhos completamente.

— Foi quase tudo. Só sobrou um pouco do que estava nas estufas. — Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava.

Ayana suspirou. Era um suspiro de alguém que, aos 12 anos, já entendia mais do que deveria sobre perdas e sacrifícios. Mas ela não disse nada. Ficamos em silêncio por um tempo, até que ela fechou o livro com força e me olhou direto nos olhos.

— E agora?

Essa era a pergunta que eu mesma evitava, mas que me encarava com intensidade.

Eu não sabia o que dizer. Para ser honesta, eu nunca sei.

No fim da tarde, Pedro voltou, avisando que precisávamos calcular as perdas e decidir o que seria feito. O problema era que as dívidas estavam se acumulando. Já tínhamos emprestado dinheiro para manter as operações da fazenda, mas agora precisávamos de mais — e com o que estava acontecendo, ninguém iria nos emprestar.

Na manhã seguinte, a situação piorou ainda mais. Um cobrador apareceu. De início, pensei que fosse mais uma das cobranças de sempre, mas desta vez era mais sério. O banco queria retomar parte das terras para cobrir os prejuízos. Eu tentei argumentar, implorei por mais tempo, mas as palavras de um credor são frias como o vento da tempestade que passou: ele não estava ali para ouvir desculpas. Estava para tomar.

Quando o cobrador foi embora, o pânico me consumiu. Sentei no chão, as mãos no rosto, sem saber o que fazer. Tinha fracassado.

Mas aí Ayana entrou, com aquela energia bruta, e me deu um leve tapa no ombro.

— Levanta. Ainda tem chão para lutar. Se você parar agora, tudo desmorona.

Ela sempre foi assim, direta, como se fosse uma âncora que me prendia no mundo real quando eu queria afundar. A verdade era que ela tinha razão, embora eu não quisesse admitir.

Ainda havia luta. Eu ainda estava de pé, mesmo que tudo ao meu redor estivesse caindo.

O que faremos quando não há mais para onde correr? Quando as dívidas, as tempestades, e até as pessoas que deviam nos apoiar parecem todas contra nós? A pergunta ficou no ar, e, no dia seguinte, algo ainda mais inesperado aconteceu...

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Comments

Cecilia geralda Geralda ramos

Cecilia geralda Geralda ramos

só problema voltada delas e dos trabalhadores

2025-01-14

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