Era uma manhã fresca, e o sol começava a despontar no horizonte, tingindo o céu com tons de laranja e rosa. O cheiro do orvalho ainda estava no ar, e o canto dos pássaros parecia anunciar um novo dia, uma nova esperança. Levantei-me cedo, determinada a fazer algo que valesse a pena. Estava a apenas duas semanas do Natal, e, embora as festividades não trouxessem a alegria que costumavam trazer, eu prometi a mim mesma que faria algo especial para Ayana.
Acordei, tirei as cobertas e coloquei os pés no chão frio. Enquanto caminhava para a cozinha, uma sensação de determinação tomou conta de mim. Eu precisava fazer algo que quebrasse o ciclo de dor e desilusão que havia marcado nossa família nos últimos anos. Assim que entrei na cozinha, percebi que Ayana ainda dormia. Com um leve sorriso, sussurrei:
— Ayana, estou saindo.
Ela virou-se na cama, seus olhos ainda meio fechados, e murmurou:
— Aonde você vai?
— Eu te disse ontem à noite, não te lembras?
Ela esfregou os olhos, ainda lutando contra o sono.
— Ah, sim. Boa viagem! E por favor, me traga um presente de Natal, disse ela, com um sorriso sonolento.
Levantei-me, pronta para partir, mas hesitei. Virei-me para ela e disse:
— Não se preocupe, tudo vai ficar bem.
Apenas então, percebi que não havia dado um beijo de despedida. Abri a porta e parei no corredor, olhando para a porta do quarto do meu pai. A lembrança do seu comportamento distante e do silêncio que tinha se instaurado entre nós me fez hesitar. Depois de um momento de reflexão, ouvi a voz dele chamando:
— Anaya...
Puta merda! — pensei, surpresa. Meu coração parou por um instante. Ele a anos não me chamava pelo nome. Geralmente, falava apenas com Ayana, como se eu não existisse.
Ouvindo a sua voz, um frio percorreu minha espinha. Virei-me e caminhei em direção ao quarto dele, encontrando-o sentado na cama, parecendo vulnerável e perdido.
— O que foi, papai? — perguntei, tentando disfarçar o turbilhão de sentimentos que me invadiu.
— Para onde você vai tão cedo? Você também vai desistir de mim e da sua irmã? — Ele parecia angustiado, com lágrimas nos olhos.
Não consegui responder. Uma parte de mim queria gritar que foi ele quem se afastou de mim e de Ayana, mas as palavras não saíram. Ao invés disso, um nó se formou em minha garganta.
— Você se cansou de nós, filha? — ele continuou, a voz embargada. — Não me abandone, por favor. Ayana precisa de você... não faça isso por mim, mas por ela... não a deixe, por favor.
Ao ouvir aquelas palavras, meu coração se dilacerou. As lágrimas começaram a escorregar pelo meu rosto sem controle. As palavras de Ayana ressoavam na minha mente: "Não deixe esse ódio endurecer o teu coração. O papai falhou muito, mas isso não significa que você precisa falhar também."
Sem pensar, corri em direção a ele, jogando minha mochila no chão e me jogando em seus braços como uma criança. Chorei com toda a força, não eram apenas lágrimas de dor, mas um desabafo, uma liberação de todos os sentimentos que eu havia reprimido durante anos. Apertei-o com força, desejando sentir o conforto de um pai que, por tanto tempo, havia estado ausente.
— Papai... — murmurei entre soluços. — Desculpa... eu só queria o meu pai de volta.
No calor daquele abraço, as memórias vieram à tona. Recordei os momentos bons da nossa infância, as risadas, os ensinamentos, e, acima de tudo, o amor que existia entre nós. Era como se todo o peso do passado estivesse se dissolvendo naqueles instantes.
Depois de um tempo, quando as lágrimas finalmente começaram a cessar, me afastei um pouco e olhei em seus olhos. Ele parecia confuso, mas também aliviado.
— Eu não estou fugindo de vocês — expliquei, tentando me acalmar. — Estou apenas viajando por uns dias até o Vale Verde. Quero fazer alguns contatos e acompanhar a venda das hortaliças que plantamos nos últimos meses.
Ele olhou para mim, os olhos ainda brilhando com lágrimas, mas agora havia uma centelha de esperança.
— Hortaliças? — ele perguntou, confuso.
— Sim, papai! — respondi, animada. — Estamos produzindo em grande escala. Queremos transformar a fazenda na maior produtora de hortaliças da região. Eu gosto de sonhar alto, sabe? Apesar de tudo, eu ainda acredito que podemos mudar as coisas.
A surpresa tomou conta de seu rosto. Ele parecia perdido em pensamentos, como se estivesse tentando compreender que sua filha ainda tinha sonhos e planos. O homem que uma vez fora forte e cheio de vida agora parecia um eco do que já foi, mas havia algo em seu olhar que indicava que a chama da esperança poderia ainda estar acesa.
— Eu... eu não sabia que vocês estavam trabalhando tanto — ele disse, com a voz embargada. — E eu não sabia que você ainda sonhava.
Uma onda de tristeza passou por mim ao perceber que ele não tinha estado presente para acompanhar nosso progresso. O peso das suas escolhas e da sua ausência tinha criado uma barreira entre nós, mas, ao mesmo tempo, sentia que aquele momento era o início de uma nova fase. Um passo rumo à reconciliação.
— Eu sinto muito, papai. Eu sei que errei em te julgar e te afastar. Nós dois cometemos erros, mas quero tentar reparar isso — disse, sentindo a determinação crescer dentro de mim. — Não posso mudar o que aconteceu, mas quero que tenhamos um futuro juntos, um futuro melhor.
Ele assentiu, e em seus olhos vi um misto de dor e esperança. Era um sinal de que a nossa relação poderia ser reconstruída, mesmo que aos poucos. O passado não poderia ser apagado, mas havia a possibilidade de um novo começo.
— Prometa-me que vai cuidar de você e da Ayana — disse ele, com a voz suave. — Eu não quero que você se sinta sozinha. Eu quero que vocês sejam felizes.
— Eu prometo — respondi, um sorriso começando a brotar em meu rosto. — Vamos dar um jeito nisso, papai. E você precisa se cuidar também.
— Eu vou tentar — ele disse, embora sua voz tremesse. — Estou tentando, de verdade.
Naquele momento, havia algo renovador em sua determinação. As paredes que haviam se formado ao longo dos anos pareciam começar a desmoronar. Embora o caminho à frente ainda fosse difícil, havia uma luz no fim do túnel.
Ao sair do quarto, sentia-me leve. O coração pulsava com um novo ritmo, e a esperança começava a brotar novamente. Na cozinha, Ayana já havia acordado e preparava o café da manhã. Ao me ver, ela sorriu, e a expressão dela me lembrou do quanto era importante manter essa relação viva.
— O que aconteceu? — perguntou, curiosa, enquanto servia o café.
— Papai... ele me chamou pelo nome. Estivemos conversando — respondi, sentando-me à mesa. — Eu acho que ele está tentando mudar.
Ayana ficou em silêncio por um momento, absorvendo as minhas palavras. A expressão dela era uma mistura de alívio e esperança.
— Isso é bom, Anaya! — ela exclamou, seus olhos brilhando. — Isso significa que ele ainda se importa.
— Sim, eu acho que sim — disse, tomando um gole do café. — Mas precisamos continuar a apoiá-lo. Ele ainda tem muito a enfrentar.
As palavras de Ayana me lembraram que não éramos apenas filhas de um homem em queda. Éramos uma família que precisava lutar para se manter unida, mesmo diante das dificuldades. O Natal estava chegando, e, apesar dos desafios, havia a promessa de renascimento e renovação. Era uma chance de nos reerguer e, quem sabe, até celebrar a vida novamente.
Depois do café, ajudei Ayana a organizar as coisas para o dia. O trabalho na fazenda precisava continuar, e a produção das hortaliças era fundamental. Naquele momento, a determinação se misturava com a esperança, e a cada pequeno passo que dávamos, sentia que estávamos trilhando um caminho para um futuro mais promissor.
Enquanto caminhávamos pelos campos, planejando a plantação do dia, não pude deixar de pensar em como nossa família havia mudado. As memórias do passado eram pesadas, mas agora, com a luz da manhã iluminando os campos verdes, havia uma sensação de que era possível começar de novo.
— Você acha que conseguiremos? — Ayana perguntou, quebrando o silêncio. — Quero dizer, reconstruir tudo isso.
— Sim, eu acredito que sim — respondi, com um sorriso. — Cada pequena planta que brota é um sinal de que estamos no caminho certo. Se nós acreditarmos, poderemos fazer isso juntos.
A esperança era uma semente que brotava dentro de mim, e estava determinada a regá-la, alimentá-la até que se tornasse uma árvore frondosa, capaz de abrigar todos nós.
A Jornada seria longa e cheia de desafios, mas, ao menos, agora havia uma nova perspectiva.
A partir daquele dia, a história da fazenda Lemos Monteiro e da nossa família se tornaria uma história de renascimento, um testemunho de que, mesmo nas horas mais sombrias, há sempre a possibilidade de começar de novo. O Natal estava chegando, e, com ele, a promessa de um novo começo e de um futuro que, embora incerto, era cheio de potencial.
A fazenda estava longe de ser o que havia sido, mas, com cada dia que passava, estava se transformando em algo novo, algo que poderia se tornar um símbolo de resiliência e renovação. E, enquanto o sol se punha e o Natal se aproximava, eu sabia que, apesar das cicatrizes e das feridas, havia algo mais importante — a capacidade de recomeçar e a esperança de um futuro melhor.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Adriane Neiland
ela dorme na cozinha?
2025-01-18
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