Silêncio nas Sombras

O sol estava se pondo quando finalmente chegamos à fazenda, o cansaço do dia pesado começava a me vencer. O céu assumia tons laranja e rosa, e o ar carregava o cheiro úmido da terra molhada pela chuva. Eu sentia cada músculo do meu corpo reclamar conforme tirava as botas e me sentava na varanda. Naquele breve momento, o mundo parecia calmo. Mas a calmaria durou pouco.

De longe, vi Ayana parada na porta, com os braços cruzados e o rosto molhado de lágrimas. Sua expressão preocupada me deixou em alerta. Algo não estava certo. Meu peito imediatamente se apertou, já antecipando outro problema.

— O que aconteceu, Ayana? — perguntei, enquanto ainda tentava manter a compostura.

Ela correu em minha direção antes que eu pudesse tirar a segunda bota.

— Papai não está em casa! — disse ela, com a voz embargada.

Senti o impacto das palavras. Uma sensação de mal-estar tomou conta de mim, mas, naquele momento, tentei não demonstrar.

— Como assim ele não está em casa? — perguntei, tentando manter a voz calma, mas já começando a sentir o peso da preocupação.

— Desde que voltei da escola, não o encontrei. Pensei que ele estivesse dormindo ou no galpão, mas já procurei por toda parte. Ele nunca fica fora de casa até essa hora! — Ayana tinha o olhar de pânico de uma criança pequena, embora tentasse manter a firmeza.

Olhei para o céu, que já começava a escurecer, e o relógio na parede da varanda marcava 18h. *Droga*, pensei. Eu conhecia bem os hábitos do meu pai, e sempre que ele saía para beber, voltava antes das três da tarde, no máximo. Mas agora, algo parecia fora do comum. Ele já havia desaparecido antes, mas nunca por tanto tempo.

— Não se preocupe, Ayana. Ele deve ter ido beber como sempre faz. Logo volta. — Tentei tranquilizá-la, mesmo que, no fundo, uma pontada de medo começasse a surgir.

Ela não parecia convencida. E, para ser honesta, nem eu.

— Mas já passa das seis, Anaya! Ele nunca fica fora até essa hora! — A voz dela estava carregada de desespero.

Fechei os olhos por um momento, respirando fundo. Sabia que ela tinha razão. Meu pai sempre voltava antes do meio da tarde, mesmo nos piores dias. Algo realmente estava errado. Um mal-estar começou a se formar no meu estômago.

— Puta merda, Ayana, você tem razão. — Levantei-me da cadeira, tentando esconder o nervosismo crescente. — Vem, me ajuda na cozinha. Ele deve estar dormindo por aí, em algum capim no caminho de volta. Já aconteceu antes. Vai ver, ele só se perdeu no tempo.

Enquanto caminhávamos para a cozinha, tentava afastar os pensamentos sombrios que surgiam em minha mente. A cada passo que dava, o som da madeira velha do assoalho estalava sob os meus pés. O cheiro de alho e ervas frescas enchia o ar. Ayana, ainda com os olhos vermelhos, começou a me contar que havia matado a galinha, como eu tinha pedido pela manhã, e que já estava no viadinho, pronta para ser temperada.

Fui direto para o banheiro. O silêncio de Ayana me seguia enquanto eu ligava o chuveiro, deixando a água fria escorrer pelo meu corpo, lavando o suor e a poeira do dia de trabalho. Enquanto a água caía, ouvia minha irmã do outro lado da porta, falando sobre a prova final que tinha feito e sobre a festa de Natal que queria organizar naquele ano.

— Você acha que dá para fazermos algo esse ano, Anaya? Faz tanto tempo que não comemoramos o Natal de verdade... Já faz dois anos! Talvez a Suraya venha, quem sabe? Seria tão bom se ela se juntasse a nós — a voz de Ayana vinha suave, cheia de esperança, enquanto eu tentava me concentrar no banho.

Mas a cada palavra dela, minha mente se afastava mais. Como poderíamos comemorar o Natal com a família nesse estado? A ideia me soava quase cruel. Nossa casa era um caos, nossa família estava despedaçada. Como organizar uma festa em meio a tantos problemas?

Enxuguei o rosto e saí do banho, enrolada na toalha. Sentei-me em frente ao espelho, ainda molhada, enquanto Ayana começava a trançar meu cabelo, como fazia quando éramos crianças. Seus dedos pequenos e ágeis passavam delicadamente pelas mechas, enquanto sua voz continuava a preencher o silêncio do quarto.

— Anaya, você acha que a Suraya está bem? — A pergunta veio de repente, interrompendo meus pensamentos.

Eu senti meu coração apertar. A verdade é que eu não sabia. E o pior é que não havia como saber. Não tínhamos notícias de Suraya há tanto tempo que sua ausência tinha se tornado uma ferida que, embora não cicatrizada, já não doía tanto. Mas Ayana ainda se preocupava.

— Como eu vou saber, Ayana? Ela não liga, e a gente nem tem o contato dela! — Respondi, tentando não demonstrar a irritação crescente. Eu não queria pensar na minha irmã mais velha agora, não quando já tinha problemas suficientes para lidar.

— Amanhã, vou até lá na casa da Rosa pedir o número do Sr. Fonseca — ela disse, como se já tivesse tudo planejado.

Virei-me para ela com firmeza.

— Ayana, você não vai a lugar nenhum. Temos problemas demais aqui. Não me arrume mais complicações.

Ela apenas balançou a cabeça, mudando de assunto rapidamente, como se a conversa sobre Suraya nunca tivesse acontecido. Era típico de Ayana, mudar de rumo quando as coisas ficavam pesadas.

— O mês passado você não me deu a minha mesada, então nesse mês não quero desculpas. — O tom de exigência dela quase me fez rir. A leveza com que falava da mesada contrastava com o peso das responsabilidades que eu carregava.

*Se ela soubesse...*, pensei. Mas, ao invés de discutir, apenas assenti com a cabeça. Eu sabia que ela precisava daquele pequeno alívio, mesmo que fosse só o dinheiro da mesada.

Quando descemos as escadas rumo à cozinha, o relógio já marcava 19h. O céu estava escuro agora, e o vento frio da noite começava a soprar pelas janelas. O cheiro de galinha temperada misturava-se ao aroma da madeira antiga da casa.

— Anaya, papai ainda não voltou. — A voz de Ayana quebrou o silêncio novamente, agora carregada de verdadeira preocupação.

Foi nesse momento que percebi que algo estava muito errado. Não era apenas um atraso comum. Algo havia acontecido. Não podíamos mais esperar.

— Vamos atrás dele — disse, pegando uma jaqueta e saindo pela porta com Ayana ao meu lado.

Caminhamos rápido, nossos passos ecoando pelo solo molhado. O ar úmido da noite era denso, quase sufocante, e o som das cigarras preenchia o silêncio entre nós. A cada passo que dávamos, a sensação de medo crescia em meu peito. Meu pai não estava bem, eu sabia disso. Mas até onde ele poderia ter ido?

Passamos pela estrada de terra que levava ao centro urbano, e logo chegamos ao primeiro bar. O ambiente era iluminado apenas por luzes fracas, e o cheiro forte de cachaça e cigarro invadiu meu nariz assim que nos aproximamos. Entrei no bar com passos apressados, olhando ao redor à procura de qualquer sinal do meu pai. Ayana entrou logo atrás de mim, seus olhos ansiosos varrendo o lugar.

— Você viu o Gustavo? — perguntei ao dono do bar, que limpava copos com um pano sujo atrás do balcão.

Ele olhou para mim com desdém e deu de ombros.

— Não o vi hoje, Anaya. — A voz dele era arrastada, quase desinteressada.

Saímos sem dizer mais nada, indo em direção ao próximo bar. E ao próximo. E ao próximo. A cada vez que entrávamos em um novo lugar e não o encontrávamos, minha preocupação se transformava em medo real. Algo estava errado.

O relógio já passava das 20h, e a escuridão da noite parecia engolir tudo ao nosso redor. As ruas estavam desertas, e a sensação de desespero crescia dentro de mim. Onde ele poderia estar?

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Comments

Operons Cameluns

Operons Cameluns

Nessa fazenda o que não falta é problemas...🤦🤦🤦 a vida do campo não é fácil.

2025-01-16

1

Cecilia geralda Geralda ramos

Cecilia geralda Geralda ramos

mais um problema coitada destas moças.

2025-01-14

1

Ver todos

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