Sombras do Passado II

Eu ainda estava sentada diante da televisão, em choque. As imagens do noticiário passaram rápido, mas cada palavra parecia cravar fundo em mim, como facas afiadas. As manchetes gritavam o nome de **Suraya Lemos Monteiro**, minha irmã mais velha, acusada de envenenar o próprio marido, Fonseca Alcântara Abreu. Aquele homem... Aquele acordo maldito que meu pai fez, trocando a liberdade de sua própria filha pela sobrevivência da fazenda. Eu não via Suraya há anos. A última vez foi quando ela foi arrastada, contra sua vontade, para aquele casamento.

"Suraya...", murmurei, sentindo o nome escapar dos meus lábios. Minha irmã...

Eu estava paralisada. As lembranças vieram em ondas, dolorosas e implacáveis. A vida de Suraya havia sido selada naquela união forçada. Ela era apenas uma adolescente, com seus sonhos e esperanças esmagados pelo peso da tradição e dos negócios da nossa família. E agora, ali na tela, ela era mostrada como uma assassina. As acusações eram horríveis, os repórteres mal continham a excitação ao falar dos detalhes sórdidos da morte do magnata. Diziam que conheciam "a verdade", que ela era "culpada", como se estivessem ansiosos para queimar o nome da nossa família de uma vez por todas.

As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto, mas eu as limpei rapidamente quando ouvi a porta do quarto se abrir. Era Marinho, com aquele seu jeito descontraído, sem perceber o peso do momento.

— Hey! Tá na hora. — disse ele, com um sorriso despreocupado.

Peguei minha mochila, limpando as lágrimas de forma discreta, e o segui. Quando chegamos ao elevador, Pedro já estava lá, esperando por nós. Ele me olhou, e eu sabia que ele sentiu o peso do meu silêncio. A viagem de volta para casa havia começado, mas eu estava ali, presa em meus pensamentos.

Marinho, sempre tentando quebrar o silêncio, virou-se para mim e perguntou:

— Porque será que você não está feliz? Ganhamos muito hoje. Temos um pré-acordo, Anaya!

Eu não conseguia responder. Meu peito estava pesado, e o vazio dentro de mim parecia engolir tudo ao meu redor.

— A vida não me permite festejar, Marinho. — murmurei, sem olhar para ele.

Pedro franziu a testa, curioso.

— Como assim, Anaya? — perguntou ele, tentando entender.

Os dois trocaram olhares de preocupação. Eles sabiam que algo estava errado.

— Hey, olha aqui! — Marinho interrompeu, olhando-me mais de perto. — O que foi? Aqueles homens fizeram alguma coisa com você? — perguntou, sua voz cheia de preocupação.

Eu balancei a cabeça, tentando afastar as ideias erradas que passavam pela cabeça deles.

— Diz logo, Anaya. — Marinho insistiu.

Respirei fundo, sentindo o peso das palavras que estava prestes a dizer.

— Suraya está presa... — murmurei, minha voz quase um sussurro, mas foi o suficiente para que Pedro e Marinho entendessem.

— Puta merda! — Pedro exclamou, levando a mão à cabeça. — O que foi que ela fez?

— Eu... não sei. — confessei. — Faz anos que eu não sei nada da minha irmã. A última vez que a vi foi quando ela foi levada, como uma ovelha para o abate, para aquele casamento. Forçada a casar com um homem da idade do nosso pai. Ela tinha só 17 anos...

Marinho balançou a cabeça, incrédulo.

— E agora ela tá presa... Mas, por quê? — perguntou ele, genuinamente confuso.

Eu suspirei, tentando colocar meus pensamentos em ordem.

— Não sei se ela odiava aquele homem ou se... — a frase ficou presa na minha garganta, e senti as lágrimas voltarem. — Eu não sei de mais nada. Não sei o que aconteceu com ela, não sei se ela se apaixonou, se o casamento deu certo, ou se ela ainda vivia uma prisão. E agora... agora ela está sendo acusada de ter envenenado ele. Como vou contar isso para Ayana? O que vou dizer para nossa irmã caçula?

Pedro e Marinho ficaram em silêncio, processando o que eu acabara de dizer. Eles sabiam o peso que essa notícia trazia para mim. A viagem de volta para Belo Monte parecia infinita. O silêncio no carro era ensurdecedor. Ninguém sabia o que dizer, e eu estava perdida nos meus pensamentos, tentando entender como a vida poderia ser tão cruel.

"Qual foi o meu pecado?", pensei, enquanto olhava pela janela. "Será que o meu erro foi simplesmente ter nascido? Por que tudo na minha vida parece desmoronar?"

Eu queria amaldiçoar o nome **Lemos Monteiro**, queria gritar para o mundo que ser parte dessa família era o maior fardo que eu poderia carregar. Minha mãe morreu por causa de um acordo, meu pai era um homem destruído, e agora minha irmã estava presa, acusada de assassinato.

Quando finalmente chegamos à fazenda, eu mal percebi. A "Carinha" parou, mas minha mente ainda estava longe. Assim que saí do carro, corri direto para o meu quarto, sem olhar para ninguém. Tranquei a porta atrás de mim e desabei. Lágrimas que eu vinha segurando desde o início da viagem caíram como uma enchente. Tudo o que eu queria naquele momento era que o peso do mundo fosse tirado dos meus ombros.

Me joguei na cama, abraçando o travesseiro, como se ele pudesse de alguma forma aliviar a dor. A realidade era esmagadora. Suraya, minha irmã que eu mal conhecia mais, estava envolvida em algo que eu não conseguia entender, e minha cabeça estava cheia de perguntas sem resposta.

**Suraya**. A garota forte e obstinada que eu admirava tanto quando criança. A mesma garota que me abraçava nos dias de tempestade, dizendo que tudo ia ficar bem. Agora, ela estava sendo pintada como uma criminosa, uma assassina... e o pior, não havia ninguém para ajudá-la. Eu, que mal sabia andar na cidade grande, estava completamente impotente.

Papai? Ele não passava de uma sombra do homem que um dia fora. Desde a morte da mamãe, ele se arrastava pela fazenda como um fantasma, uma lembrança do passado. Ele mal falava comigo, com Ayana ou com qualquer pessoa. Era como se ele já estivesse morto por dentro, sem capacidade de tomar decisões ou de lidar com qualquer situação. E agora, com Suraya na prisão, o peso do mundo parecia cair diretamente sobre mim.

Levantei da cama com a cabeça rodando. Precisava pensar no que fazer. Mas como? Eu nunca havia deixado Belo Monte por muito tempo. Não conhecia a cidade grande, muito menos os caminhos legais ou os procedimentos que precisariam ser feitos para ajudar Suraya. Era como se eu estivesse presa em uma teia, sem saída.

A porta do quarto bateu suavemente. Era Ayana.

— Anaya? Você tá bem? — sua voz doce e inocente me fez engolir em seco. Como eu poderia contar a ela? Como eu poderia explicar que nossa irmã estava presa, acusada de matar o próprio marido?

— Eu... eu tô bem, Ayana. — menti, sabendo que ela sentiria o peso na minha voz.

Ela entrou no quarto, sem pedir permissão, e se sentou ao meu lado na cama. Seu rosto estava preocupado, e ela segurou minha mão.

— Eu vi você chorando. O que aconteceu?

Eu respirei fundo, tentando achar as palavras certas. Como se explica a uma criança que o mundo está desmoronando?

— É sobre Suraya. — comecei, minha voz tremendo. — Ela... ela está passando por uma coisa difícil agora.

Ayana me olhou, com os grandes olhos curiosos.

— Ela vai ficar bem, não vai? Você vai ajudar ela, Anaya?

Aquela pergunta me quebrou por dentro. Eu queria dizer sim, queria prometer a ela que eu seria capaz de resolver tudo, mas a verdade é que eu não tinha ideia do que fazer. Estava tão perdida quanto ela.

— Vou fazer o que puder, Ayana. — disse, finalmente, segurando suas pequenas mãos nas minhas.

Ela me abraçou, e eu senti o peso daquela promessa. Eu tinha que fazer algo. Por mais que não soubesse por onde começar, eu não podia deixar Suraya sozinha. Mesmo que ela tivesse cometido algum erro, ela ainda era minha irmã.

Naquela noite, enquanto o silêncio da fazenda nos envolvia, eu decidi que iria para a cidade grande. Eu encontraria uma forma de ajudar Suraya, custe o que custasse. Mesmo que significasse enfrentar os fantasmas do passado e lidar com o mundo além dos limites de Belo Monte. Porque, no fundo, eu sabia que a única coisa mais forte do que o medo que eu sentia... era o amor pela minha família.

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