Os dias passavam lentamente enquanto a chuva continuava a cair sobre a fazenda. A terra, que antes parecia morta e seca, começava a responder à umidade com uma nova vida. Três motobombas haviam sido compradas, todas fruto das contribuições dos trabalhadores. Era impressionante ver como a união daquele pequeno grupo de homens e mulheres fazia milagres. Novas alfobes foram construídas para abrigar as mudas e as hortaliças crescerem fortes. O trabalho estava pesado, e todos estavam comprometidos em aproveitar ao máximo cada gota de chuva.
O plantio das hortaliças, como tomate, repolho, cenoura, cebola, e alho, tornara-se a prioridade. As plantações de milho e soja, apesar de ainda presentes, estavam em segundo plano. Apenas Chico e Silvano dedicavam-se a elas. Enquanto isso, Inês e Rosa cuidavam das mandiocas, e o restante do grupo estava completamente engajado nas hortaliças. O café, outrora o orgulho da fazenda Monteiro, havia se tornado uma questão esquecida. A safra abundante, sem compradores, permanecia nos galpões, esperando algum milagre.
Ayana estava em época de provas, e eu sabia que, por mais que ela estivesse presente fisicamente na fazenda, sua mente vagava entre os estudos e as pressões da adolescência. Às vezes, eu olhava para ela e me perguntava se também estava sentindo o peso de carregar o nome Monteiro nas costas. Mas, diferente de mim, Ayana ainda tinha sua juventude para aproveitar, mesmo que em fragmentos roubados do tempo.
Os últimos meses do ano foram pesados. Não era só o trabalho físico que me esgotava, mas também a pressão mental de manter tudo em ordem. Eu sabia que não podíamos errar — um erro, e perderíamos a colheita, ou pior, a fazenda. A equipe se dividia ao longo dos dias. Alguns trabalhavam nas mediações do riacho, onde o solo era mais fértil para as hortaliças. Outros, como Silvano e Chico, se dedicavam à soja e ao milho. Era uma dança coordenada, mas exaustiva.
Marinho, com seu jeito animado, sempre conseguia arrancar um sorriso, mesmo quando eu não tinha mais energia para sorrir. Ele era uma presença constante e otimista, e às vezes me pegava pensando em como sua energia contrastava com o peso que eu carregava nos ombros. Era como se ele conseguisse enxergar a luz em meio à tempestade que me cercava.
Foi em um desses dias, no final de uma semana particularmente difícil, que Marinho sugeriu algo inesperado. Estávamos todos exaustos, e eu já estava mentalmente preparando a lista de afazeres do dia seguinte, quando ele se aproximou, com aquele sorriso característico no rosto.
— Anaya, precisamos dar uma pausa. Você não vê que estamos todos no limite? — disse ele, olhando para mim como se tivesse acabado de propor a ideia mais brilhante do mundo. — Vamos para o riacho! Todo mundo! Só uma tarde de descanso. Você sabe que merecemos isso.
Eu hesitei. A responsabilidade ainda pesava muito. Eu tinha medo de relaxar, de perder o controle, de deixar as coisas escaparem entre os dedos. Mas a verdade é que todos precisávamos de uma pausa. Até eu. Há quanto tempo eu não me permitia simplesmente *ser*?
— Vamos lá, Anaya! — insistiu Pedro, que até então estava quieto, observando de longe. — Um banho no riacho vai fazer bem. Não vai matar ninguém. Aliás, não me lembro da última vez que vi você relaxar.
Olhei para os dois, e algo dentro de mim cedeu. Talvez fosse a exaustão, ou talvez fosse a verdade nas palavras deles. De qualquer forma, eu sabia que precisava daquilo tanto quanto eles.
— Tudo bem — eu disse, tentando parecer relutante, mas no fundo já sentia um leve alívio. — Mas só por hoje.
Antes que eu pudesse mudar de ideia, todos os trabalhadores mais jovens se levantaram, animados. Pedro, Marina, Juraci, Marinho e eu, formando uma pequena tropa de trabalhadores em direção ao riacho. O sol da tarde ainda esquentava o ar, mas as águas do riacho prometiam ser frias e refrescantes.
Quando chegamos à margem, tudo parecia tão natural, como se o peso do mundo tivesse ficado para trás, junto com as roupas jogadas ao alto. Deixamos botas e camisas pelo chão, sem nos importarmos com nada. Ali, naquele momento, não havia patrões, nem empregados, nem pressões, nem dívidas. Éramos apenas nós, livres, rindo e correndo em direção à água.
— Isso sim é vida! — gritou Juraci, já se jogando nas águas cristalinas com a mesma energia de quando éramos crianças.
Eu hesitei por um segundo, observando o riacho. Era a primeira vez que eu voltava ali desde que Suraya partira. A última lembrança que tinha daquele lugar era de nós duas, mergulhando juntas, antes que tudo na nossa vida mudasse. Eu nunca mais havia voltado ali desde então. Nem eu, nem Ayana.
Finalmente, respirei fundo e entrei na água. A sensação do frio nas minhas pernas e depois em todo o corpo foi como um choque revitalizador. Eu quase esqueci o quanto precisava daquilo. Nos primeiros segundos, não pensei em nada — nem na fazenda, nem nas dívidas, nem no futuro incerto. Apenas o som da água correndo e os risos dos outros me envolviam.
A tarde passou como num sonho. Brincamos, rimos e nadamos como se fossemos crianças novamente. Foi como se todo o peso tivesse sido temporariamente suspenso. A cada mergulho, eu sentia um pedaço da minha tensão se dissipando.
Marinho, como sempre, não parava de fazer piadas, especialmente sobre mim. Ele estava mais próximo do que o habitual, e seus elogios já eram notados por todos. Ele era charmoso, isso era inegável. Bonito, com um sorriso fácil e um jeito de quem sempre sabia o que dizer para melhorar o humor de quem estivesse ao redor. Eu sabia que ele gostava de mim. Estava claro para todos. Mas eu também sabia que não estava pronta para isso.
— Anaya, você sabe que merece mais do que só trabalho, né? — Marinho disse em um momento, nadando ao meu lado. — Você devia sorrir mais, aproveitar a vida. E, quem sabe... deixar alguém te ajudar nisso?
Ele disse isso com um sorriso provocador, e eu sorri de volta, mas logo balancei a cabeça.
— Marinho, já falamos sobre isso. Não estou com cabeça para essas coisas agora. — Fui direta, mas minha voz não carregava aspereza.
— Eu sei, eu sei... — Ele levantou as mãos, em um gesto de rendição, mas seus olhos brilhavam com uma determinação brincalhona. — Só estou dizendo que, quando você estiver pronta, estarei por aqui.
Sorri novamente, meio sem jeito. Marinho era insistente, mas também compreensivo. Eu sabia que ele não me pressionaria além do necessário, mas sua presença ali, sempre com um comentário ou outro, me fazia sentir que, de alguma forma, ainda havia algo além da fazenda, além das responsabilidades.
Enquanto a tarde se desenrolava, Pedro também se juntou a nós nas brincadeiras. Ele era mais quieto que Marinho, mas sua presença era igualmente reconfortante. Ele me ajudava com as contas e o planejamento da fazenda, e, sem ele, eu provavelmente já teria cometido vários erros. Ele era meticuloso, silencioso, mas de uma lealdade inquestionável.
— Marinho e Pedro, os meus dois melhores amigos — pensei, enquanto os observava. — O falatório e o silencioso.
A tarde passou rápido demais, e quando o sol começou a se pôr, todos nós sabíamos que era hora de voltar à realidade. Mas, por aquele breve momento no riacho, fomos apenas jovens, rindo e brincando, longe de todas as preocupações. Eu me sentia grata por eles, por cada um dos trabalhadores que estavam ao meu lado naquela jornada difícil.
Enquanto caminhávamos de volta, sentindo o frescor da água ainda nos nossos corpos e a leveza da diversão nos corações, olhei para o céu, onde o sol começava a desaparecer no horizonte.
— Talvez... talvez ainda haja algo para mim além desse peso que carrego — pensei.
E, por um momento, me permiti acreditar nisso.
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Atualizado até capítulo 22
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Irá
Nossa voltei qd criança, aos meu 8 anos estive na casa da minha mãe ela trabalhava como raspador de mandioca e lavadeira, eu ficava em uma casa de uma senhora pra brincar com um bebê filha deles para ganhar comida no lugar de pagamento, foi qd meu tio soube e me levou de volta, qd fiz 10 anos ele ia viajar a trabalho e eu ano podia ficar na em casa qd ele não estava se não eu era espancada pela minha ria e primas com raiva porq ele havia me buscado novamente e aí foi qd eu peguei sl7 facadas, minha mãe havia brigado com o vizinho e quem pagou o Pato fui eu, ela havia saído e me deixado em casa e foi pra igreja e não me levou foi qd o esposo da vizinha chegou e entrou em casa, e me esfaqueou se nao fose o vizinho eu acho q não estaria aqui lendo essa história, acho q eu carrego a frustração da minha mãe até ahoje
2025-01-09
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