Cidade De Ninguém
A chuva caía pesada sobre a cidade, as gotas formando poças nas ruas desertas. O som ecoava pelos becos, misturando-se com o ocasional som distante de uma explosão ou de vidro quebrando. Anne puxou o capuz do casaco mais para baixo, tentando se proteger do vento cortante que soprava contra seu rosto. A sensação de que algo terrivelmente errado estava acontecendo já havia se instalado em seu peito dias atrás, mas agora, enquanto caminhava pelas ruas desertas, o medo a consumia.
“Anne, temos que nos apressar!”, a voz de David soou urgente ao seu lado, os olhos dele varrendo as sombras ao redor. Ele era alto, com uma expressão dura que não combinava com a suavidade de sua voz. “Eles estão perto. Não podemos ficar parados aqui.”
“Eu sei”, Anne respondeu, tentando manter a calma. “Mas para onde vamos? Todo o centro da cidade está contaminado.”
David hesitou, seu olhar fixando-se em algo ao longe. “O hospital. Talvez ainda tenha alguns medicamentos e, com sorte, um lugar seguro para nos abrigarmos até pensarmos em algo melhor.”
Anne assentiu, mesmo que a ideia de ir para o hospital não a deixasse muito mais tranquila. “Certo, mas precisamos ser rápidos. A contaminação está se espalhando rápido.”
Os dois começaram a correr, os passos ecoando pelas ruas vazias. As luzes dos postes piscavam intermitentemente, aumentando a sensação de abandono. Cada esquina que viravam trazia uma nova onda de incerteza e terror. Em um mundo onde a vida normal parecia ter sido arrancada de suas raízes, qualquer coisa podia acontecer.
“Você acha que ainda há sobreviventes?”, Anne perguntou, sem parar de correr.
“Espero que sim”, respondeu David, sem olhar para trás. “Mas se houver, estarão tão assustados quanto nós.”
Enquanto se aproximavam do hospital, os dois puderam ouvir sons abafados vindos de dentro do prédio. Anne trocou um olhar rápido com David, que balançou a cabeça, indicando que deveriam continuar. Eles se aproximaram da entrada principal, apenas para encontrar as portas de vidro completamente destruídas. Cacos de vidro cobriam o chão, refletindo a luz pálida do luar.
“Devemos entrar?”, Anne sussurrou, mesmo sabendo que a pergunta era desnecessária.
“Não temos escolha”, David respondeu, entrando cautelosamente no hospital. “Fique atrás de mim.”
O interior do hospital estava em um estado de caos absoluto. Macas viradas, papéis espalhados por todo lado, e manchas escuras no chão que Anne não queria imaginar de onde vinham. Um cheiro acre e metálico preenchia o ar, tornando difícil respirar.
“Que lugar é esse?”, Anne murmurou, mais para si mesma do que para David.
“Um lugar que parou de ser seguro há muito tempo”, respondeu uma voz inesperada atrás deles. Anne girou rapidamente, seus olhos encontrando uma figura magra, encolhida em uma das esquinas. Era uma mulher, os cabelos desgrenhados e o rosto sujo, com uma expressão de pavor evidente.
“Quem é você?”, Anne perguntou, tentando não deixar o medo tomar conta de sua voz.
“Sou... era uma enfermeira aqui”, a mulher respondeu, a voz trêmula. “Me chamo Marta. Estava aqui quando tudo começou...”
“O que aconteceu?”, David interrompeu, sem paciência para histórias longas. “Por que a cidade está assim?”
Marta balançou a cabeça, parecendo à beira do colapso. “Eles disseram que era um projeto para proteger as pessoas, para nos tornar mais fortes, mais rápidos... Mas algo deu errado. Muito errado. O que deveria nos salvar, nos destruiu.”
Anne sentiu um calafrio percorrer sua espinha. “Você está falando dos super-humanos?”
Marta assentiu, lágrimas silenciosas escorrendo por seu rosto. “Sim... Mas eles se tornaram monstros. A contaminação... se espalhou. Não apenas entre os super-humanos, mas por toda a cidade.”
David trocou um olhar significativo com Anne. “Precisamos de remédios, algo para nos proteger. Onde podemos encontrar?”
“A farmácia... no segundo andar”, respondeu Marta, a voz quase um sussurro. “Mas... tenham cuidado. Eles estão por toda parte.”
“Você quer vir conosco?”, Anne perguntou, a compaixão tomando conta de sua voz.
Marta hesitou, então balançou a cabeça. “Eu... não posso. Estou muito fraca. Mas... vocês precisam ir. Agora.”
David já estava se movendo em direção à escada. “Vamos, Anne. Não temos tempo.”
Anne deu um último olhar para Marta antes de seguir David. As escadas estavam parcialmente bloqueadas por escombros, mas eles conseguiram passar. Cada passo que davam, o medo de encontrar algo ou alguém crescia dentro de Anne. O hospital, que antes era um símbolo de cura e segurança, agora era um labirinto de medo e morte.
Quando chegaram ao segundo andar, o silêncio os envolveu de forma ainda mais opressiva. As luzes piscavam, criando sombras assustadoras nos corredores. David apontou para uma porta entreaberta ao fundo.
“A farmácia deve ser ali”, disse ele, caminhando cautelosamente em direção à porta.
Quando entraram, Anne soltou um suspiro de alívio ao ver as prateleiras ainda parcialmente abastecidas. Embora muitos medicamentos tivessem sido levados, ainda havia antibióticos, analgésicos e outros suprimentos úteis.
“Isso vai ajudar”, disse David, enchendo a mochila com tudo que conseguia.
De repente, um barulho vindo do corredor fez Anne congelar. Ela segurou o braço de David, que rapidamente colocou o dedo nos lábios, pedindo silêncio. Os dois se esconderam atrás de uma das prateleiras, tentando não fazer barulho.
Passos lentos e arrastados ecoavam pelo corredor, cada um deles aumentando o pavor dentro de Anne. Ela sabia que não podiam se dar ao luxo de serem encontrados, mas também sabia que fugir sem ser visto seria quase impossível.
Os passos se aproximaram, parando bem na frente da porta da farmácia. Anne prendeu a respiração, rezando para que o intruso não entrasse.
A porta foi empurrada levemente, rangendo enquanto se abria um pouco mais. Anne podia ver uma sombra se movendo lentamente pelo chão, e seu coração parecia estar prestes a saltar pela boca. O intruso entrou, os olhos varrendo a sala.
Era um homem, ou pelo menos, o que restava de um. A pele estava pálida e esticada sobre os ossos, os olhos vidrados, sem vida. Seus movimentos eram lentos e descoordenados, como se estivesse lutando para manter o controle sobre seu próprio corpo.
David segurou o braço de Anne, indicando que deveriam se mover lentamente para a porta dos fundos. Anne assentiu, movendo-se centímetro por centímetro, tentando não fazer nenhum som.
Quando chegaram à porta, Anne soltou um suspiro de alívio. Mas antes que pudessem escapar, o homem virou-se bruscamente, seus olhos cravando-se nos deles. Por um momento, tudo parecia parar. Então, ele soltou um grito estridente, um som que parecia vir das profundezas do inferno.
“Corre!”, David gritou, puxando Anne pela mão.
Eles correram pelo corredor, o som dos passos do homem ecoando logo atrás. Anne sentia o pânico crescendo dentro de si, mas sabia que não podia se deixar dominar. Eles tinham que escapar.
Chegaram ao final do corredor, onde uma janela aberta os esperava. Sem pensar, David saltou, puxando Anne junto. Eles caíram no telhado do andar de baixo, rolando pelo impacto.
“Vamos, não podemos parar!”, David insistiu, ajudando Anne a se levantar.
Anne sentiu o joelho doer, mas não havia tempo para pensar nisso. Eles correram pelo telhado, pulando para o prédio ao lado. O som dos gritos do homem ainda ecoava no ar, mas estava ficando mais distante.
Quando finalmente chegaram a um lugar seguro, Anne caiu de joelhos, ofegante. “Isso... isso foi por pouco.”
David assentiu, também tentando recuperar o fôlego. “Não podemos ficar aqui. Eles vão nos encontrar se pararmos por muito tempo.”
Anne concordou, levantando-se com dificuldade. “O que vamos fazer agora?”
“Precisamos encontrar um lugar para passar a noite. Amanhã, veremos o que podemos fazer para sair daqui.”
Anne olhou para a cidade devastada ao seu redor, sentindo uma tristeza profunda tomar conta de seu coração. A cidade que ela conhecia estava morta, e agora, tudo o que restava era tentar sobreviver ao pesadelo que havia se tornado sua vida.
“Vamos”, David disse, começando a caminhar. “Ainda há uma chance de sairmos vivos disso.”
Anne olhou para ele, vendo a determinação em seus olhos. Ela sabia que não tinha outra escolha a não ser seguir em frente, lutar para sobreviver, mesmo que a esperança fosse escassa.
E assim, os dois seguiram pela cidade, em busca de um abrigo, sabendo que cada passo poderia ser o último.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Jadson Augusto
começo incrível
2024-11-23
1
Anonymous_adrys
nossa gostei muito desse começo... parabéns 👏🏼
2024-11-06
1
pato_safado
achei muito bom 😊
eu consegui sentir os sentimentos dos personagens na minha pele slk
2024-10-20
1