03

— Obrigada por ligar, mamãe. Não sabe o quão preocupada eu estava.

Um sorriso cansado surgiu em seus lábios, juntamente com as fortes linhas de expressão que apareceram com o gesto. A observei através da tela do meu celular, desejando poder atravessá-la e tocar o rosto pálido de minha mãe.

— Eu quem devo agradecer, querida. Obrigada por ter sido paciente. Foi realmente difícil ligar para você sem que ele percebesse.

Considerando o horário em que mamãe ligara, sabia perfeitamente como as coisas estavam. De acordo com meus cálculos ela estava me ligando às 02h da manhã. Pensar que mamãe é obrigada a ficar acordada até este horário apenas para conseguir falar comigo me partia o coração e, é claro, me enraivecia. Ele certamente estava fora de casa, festejando com os seus subordinados. Senti-me enojada ao imaginar a cena.

— Estarei sempre esperando por você, mãe. — Lhe enviei um sorriso gentil, recebendo outro em troca. — Está tudo bem com você? Me parece tão cansada e abatida. Talvez seja melhor dormir.

— Não, esta foi a única chance que tive de ligar para você. Aquele cretino aumentou a vigilância. Alguns homens estão se certificando de que eu não faça nada de errado. —Suspirou, fechando os olhos e balançando a cabeça em negação. — Felizmente, esta noite ele saiu e levou aqueles homens consigo. Seria pedir muito que ele nunca mais voltasse?

Uma risada escapou por seus lábios após a sua "brincadeira", mas eu sabia, percebia pela sua expressão, que aquele era o seu desejo mais profundo. Não consegui rir de volta, muito menos disfarçar a minha ira. Tudo o que eu mais queria era acabar com aquele desgraçado, não antes de fazê-lo sofrer, obviamente.

Mamãe fechou o seu sorriso e então me encarou, deixando transparecer toda a sua tristeza, toda a sua irritação. Eu sabia muito bem que ela, assim como eu, nutria um grande ódio por Joseph. Por mais que ela nunca fale muito e nem deixe evidente em suas expressões, era perceptível em seu olhar toda a raiva contida.

— Mamãe, a senhora nunca pensou em matá-lo?

A pergunta não a pegou de surpresa, o que também não me surpreendeu.

Com toda a sua calma e elegância ela negou, alcançando um copo de água e o bebendo. Quando terminou, me encarou e respirou fundo, parecendo escolher as palavras certas para me responder.

— É claro que já pensei. Incontáveis vezes, por sinal. — Deu de ombros lentamente. — Mas não quero que as coisas terminem desta forma. Seria muito fácil apenas matá-lo. Ele precisa sofrer antes de eu colocar este ponto final.

— E, por acaso, já pensou em algo?

— Você vai saber, Brooke. Em breve você saberá de tudo. — Piscou um dos olhos. — Acredito que logo, logo você entenderá a situação.

— Mas, mãe...

— Preciso avisá-la que você irá se assustar no começo, mas eu lhe peço, querida, que tenha paciência. Tenha paciência com ele.

Pisquei os olhos em completa confusão. O que exatamente ela queria dizer com aquilo?

— Mãe, o que você...

Me assustei assim que a vi se levantar rapidamente, completamente assustada. A sua respiração se tornou irregular e logo ela estava segurando o notebook, enviando-me um olhar cheio de nervosismo.

— Ele chegou. Preciso ir, meu bem. Nos falamos em outra oportunidade. Não se esqueça do quanto eu a amo, está bem?

Abri a boca para falar, mas a ligação foi encerrada. Continuei encarando o celular por alguns segundos antes de jogar o aparelho no sofá ao meu lado. Abracei os meus joelhos e apoiei o queixo nestes, sentindo o meu maxilar doer devido a grande força que eu fazia contra meus dentes.

Mil coisas se passavam pela minha cabeça, mas o que mais me chamada a atenção era a sua última frase: "Tenha paciência com ele." Eu sabia que mamãe não se referia a Joseph, mas então quem diabos poderia ser "ele"?

Fui tirada dos meus pensamentos pelo som de passos a descerem a escada. Uma Spencer sonolenta apareceu coçando um dos olhos.

— Por que está acordada tão cedo? — Bocejou, parando a certa distância. — Eu ouvi você falando. Estava em alguma chamada?

— Sim. – Ignorei a sua primeira pergunta. — Minha mãe me ligou.

— Você deve sentir muito a falta dela, não é?

— Sim, todos os dias.

A garota se aproximou e se sentou ao meu lado, colocando uma das mãos em meu ombro na tentativa de passar algum conforto.

— Por que não a convida para vir até aqui? Posso ajudar com a passagem, se precisar.

Ah, Spencer, se você soubesse de toda a verdade.

— No momento será difícil para ela, mas obrigada pela ideia. — Sorri agradecida, tentando não mostrar a tristeza que estava escondida. — Espero que algum dia vocês possam se conhecer.

— Eu também. Não sei como ela é, mas tenho certeza que deve ser um amor de pessoa!

— Ela é, sim.

O silêncio preencheu a sala, deixando apenas o barulho da leve chuva que caía lá fora. Observei Spencer levantar e andar até a cozinha, pronta para fazer o café da manhã. Me admirava o fato de ela estar sempre animada. Eu, sempre que acordava, precisava de pelo menos uma hora para finalmente sorrir e socializar.

Olhei para o relógio na parede, vendo que não passava das 07h30min. Um suspiro descontente escapou por meus lábios enquanto eu deixava o meu corpo cair para o lado, fechando os olhos na esperança de cochilar por alguns minutos.

— Sabe, eu estava pensando em algo. — Spencer começou, me fazendo abrir os olhos para encará-la. — Sei que não deveria fazer isso, visto como as ruas estão perigosas, mas...

— Você quer sair para beber, não é?

A garota riu, parecendo feliz por eu entender a sua ideia.

— Sim. Faz tempo que não saímos e também... — Encolheu os ombros, me enviando um olhar gentil. — Você parece precisar de uma boa bebida.

Foi a minha vez de sorrir.

— Realmente, estou precisando. — Me levantei, caminhando em direção à escada a fim de ir até o banheiro. — Por mim, ok. Iremos lá depois do trabalho. — Parei assim que cheguei ao final da escada, abrindo um sorriso provocativo enquanto falava: — Não se esqueça de aproveitar o seu tempo com a Nancy, ok?

— Brooke!

Não pude evitar de gargalhar ao ouvir o seu grito envergonhado, imaginando como seu rosto deveria estar vermelho igual a um tomate.

...|...|...

Eu não era conhecida por ser uma pessoa fã de festas, música alta e corpos suados enroscados um nos outros. Porém, não podia deixar de apreciar alguma bebida de vez em quando. Por isso, quando sentia que precisava, ia para algum bar com Spencer. Na verdade, íamos para o mesmo bar de sempre, pois era lá que Nancy, a paixão não tão secreta de Spencer, trabalhava. Enquanto eu ficava sentada a mesa em algum canto, elas ficavam juntas conversando animadamente.

Nunca me importei em ficar sozinha apenas bebendo. Sabia muito bem como Spencer gostava da garota e apreciava a sua companhia, por isso nunca reclamei ou "fiz uma cena" por ter que ficar só. Na verdade, eu até gostava de ter um momento entre mim e o álcool. Era o melhor momento para tentar colocar meus pensamentos no lugar.

Observei com um sorriso, enquanto entrávamos no bar, Spencer olhar em volta do lugar, obviamente procurando por Nancy. Fiquei atrás dela, desviando de algumas pessoas que passavam por nós. Nos aproximamos do balcão e logo a garota nos reconheceu, abrindo um largo sorriso.

— Spencer! Brooke! Que bom ver vocês!

Acenei e sorri, vendo as duas trocarem olhares demorados.

— Vou sentar naquela mesa. — Apontei para a mesa mais afastada. — Por favor, Nancy, me dê o mesmo de sempre.

Caminhei até a mesa, ainda a tempo de ouvir a garota murmurar para Spencer: "Parece que hoje foi um dia difícil". Me joguei na cadeira e cruzei as pernas, agradecendo assim que Nancy trouxe um copo de cerveja.

Observei as pessoas à minha volta, vendo vários casais abraçados e aos beijos. Não me lembro quando foi a última vez que beijei alguém. Acho que é porque eu nunca me importei com nada disso. Eu me encontrava com alguns homens apenas para esquecer o inferno que vivia dentro de casa. Dormia com eles para ocupar a minha mente. Mas nada nunca foi interessante o suficiente, ou emocionante o suficiente.

Enquanto observo estas pessoas, percebo que sempre senti receio ao me envolver em um relacionamento sério com alguém. Isso é provavelmente causado pela relação de minha mãe e Joseph. Por mais que eu diga a mim mesma, desde criança, que jamais permitiria que um homem fizesse tais atrocidades comigo, não consigo deixar de hesitar toda a vez que alguém tenta entrar, de fato, em minha vida. Sinto-me enjoada apenas ao pensar na possibilidade da história se repetir.

Percebi, ao longe, um rapaz se aproximar com passos lentos e confiantes e um olhar repleto de malícia. Revirei os olhos com sua atitude, fazendo-o estacar no lugar e então, após alguns segundos, dar as costas e se afastar. Patético.

Continuei a degustar a bebida, sempre varrendo o local com o olhar. De repente, uma certa silhueta me chamou a atenção. Estava escondido em um canto do bar, mal iluminado e completamente afastado de todos. Estreitei os olhos, tentando obter uma melhor visualização do desconhecido. Por que diabos eu sentia que ele me era familiar?

Parecendo sentir o meu olhar o rapaz se levantou e começou a caminhar até mim, me fazendo engolir em seco assim que eu o reconheci.

— Ei, você trabalha naquela cafeteria, não é? Que coincidência encontrá-la por aqui!

Observei Neo — acho que este era seu nome — se sentar na cadeira à minha frente e me estender a mão, com um sorriso estupidamente radiante nos lábios. Com certa desconfiança eu levei a minha mão a sua e então nos cumprimentamos. Por um segundo, achei ter visto satisfação passar por seus olhos, mas essa sensação logo desapareceu.

— Realmente, é uma grande coincidência. — Não pude esconder o sarcasmo em minha voz, mais uma vez levando o copo de cerveja a boca.

— Eu sei, eu sei, parece suspeito, mas juro que sempre venho a este bar. Na verdade, já vi você e sua amiga por aqui. As reconheci imediatamente quando entrei na cafeteria.

Assenti, não conseguindo disfarçar o meu desinteresse. Me sentia uma pouco culpada por estar sendo tão ignorante, mas, por algum estranho motivo, Neo me parecia uma pessoa suspeita. Talvez eu esteja errada e ele seja realmente uma boa pessoa, mas prefiro evitar me envolver com alguém que não conheço.

— Pelo visto você não gosta muito de mim. — Riu, evidentemente sem graça. — Desculpe se eu a estou incomodando. Pensei que seria legal cumprimentá-la.

— Eu só não estou em um bom dia. — O encarei, tentando soar simpática. — Obrigada pela consideração. Desculpe pedir isso, mas pode me deixa sozinha agora?

Vi em câmera lenta o rapaz arregalar os olhos, completamente chocado com a minha pergunta. Tenho a impressão de que não soei tão simpática quanto imaginei, e por isso me senti uma péssima pessoa.

— Tudo bem. Já estava na hora de eu sair. — Coçou a nuca, envergonhado. — Desculpe pelo incômodo.

Neo saiu rapidamente, caminhando a passos rápidos na direção da porta. Deixei um suspiro culpado escapar enquanto apoiava a testa em minha mão. Talvez eu devesse ter sido mais gentil. E se ele só estava tentando ser amigável?

Direcionei meu olhar para a porta, me surpreendendo ao ver Neo em frente a um homem, sussurrando algo em seu ouvido. Assim que este terminou de falar, o homem me encarou imediatamente em completa seriedade. De repente senti um estranho frio na barriga e, por um instante, parecia que todas as pessoas a nossa volta tinham desaparecido.

O homem, ou melhor: o rapaz, era alto e magro. Vestia roupas pretas, e a peça mais chamativa era uma jaqueta. Devido a iluminação do local não consegui distinguir a cor de seu cabelo, mas algo me dizia que era loira. Era um cabelo de certa forma comprido, mas que estava preso em um coque com algumas mechas soltas embaixo. Por que diabos ele era tão atraente? E por que ele tinha justo que ser um conhecido de Neo?

Pisquei algumas vezes quando percebi que estávamos nos encarando a certo tempo e então arqueei as sobrancelhas, vendo o loiro voltar o olhar para Neo, assentir e então caminhar para a mesa que o outro estava sentado. O observei tirar um cigarro do bolso, junto com um isqueiro e então o acender. Ele tragou e então voltou a me olhar, soltando a fumaça enquanto sustentávamos o olhar.

Mais uma vez aquele maldito frio na barriga apareceu e eu tive certeza de que ele era alguém com quem eu não deveria me envolver. Desviei os olhos para Spencer e Nancy, tentando esquecer do olhar do desconhecido. As observei rir animadamente com olhares evidentemente apaixonados. Como Spencer ainda tinha dúvidas sobre os sentimentos de garota? 

Me levantei, recolhendo o copo e caminhando em direção as duas. Coloquei os copos no balcão, me virando para Spencer.

— Acho que vou para casa. Estou cansada.

— Ah, espere um segundo. Me despedirei de Nancy e então voltamos juntas.

— Não, fique aqui. — Sorri, colocando uma mão em seu ombro. — Vocês estão tão animadas e eu não quero estragar esse momento. Apenas fique aqui e aproveite ao máximo a companhia dela, ok?

— Não, Brooke, você não pode voltar sozinha. É perigoso! Não quero que nada aconteça a você.

— Fique tranquila. Vou andar rápido e serei cuidadosa. — Lhe dei um abraço apertado e então me afastei. — Cuide-se também, ok? Me mande uma mensagem quando chegar em casa. E me conte se algo acontecer entre vocês. — Pisquei um olho, dando-lhe as costas e indo até a porta.

Passei pelo loiro e então saí, sentindo o vento gélido me empurrar no momento em que pisei na calçada do bar. Me abracei e apressei o passo, desejando chegar o mais rápido possível em casa. Eu estava exausta e precisava urgentemente da minha cama e da calmaria do meu quarto.

Mas mal sabia eu que aquela calmaria me abandonaria e em seu lugar o caos reinaria. 

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