Lester se apresentou no balcão do hotel, mostrando sua identidade ao atendente, um rapaz de cabelos ralos, usando um par de óculos. Ele observou o local com o aspecto crítico de um sargento, com as duas mãos atrás das costas. Todo o atendimento era esculpido em mármore negro. As paredes eram um misto de madeira de pinheiro e entalhes de cerâmica e azulejos, e as enormes janelas tinham cortinas brancas que esvoaçavam com a brisa que soprava...
— Senhor... Jacob Hitchcock — o atendente repetiu o nome falso usado por ele, enquanto entregava o cartão de acesso ao seu quarto; a irmandade havia providenciado toda uma nova identidade falsa para que ele pudesse agir ali, agora, na Inglaterra.
Aquela cidade, conhecida como Blackvalley, era exatamente o tipo de lugar mórbido e calmo onde vampiros gostavam de armar os seus ninhos; as investigações, baseadas nas terríveis profecias que circulavam por entre os monstros, levaram-no até ali; enquanto pilotava com a moto que comprou assim que pisou em solo europeu (os carros com as volantes do lado direito eram demais pra ele), Lester já pôde ver os pomares e plantações de abóboras que formavam uma vasta área ao redor do espaço residencial. Os ventos sopravam ali de maneira incessante, e as ruas eram estranhamente vazias. Você podia ver uma criança brincando aqui e ali, bem como entregadores de delivery e policiais rondando o perímetro em suas viaturas com os malditos volantes do lado direito. Salvo isso, era um lugar pacato.
— Valeu — Lester, ou Jacob, acenou levemente para o atendente, enfiando o cartão no bolso do seu paletó e subindo as escadas em direção dos quartos, o corrimão era de madeira polida, e os degraus tinham um recobrimento de camurça vermelha, que devia dar um puta trabalho para limpar. Lá encima, também não viu nenhum sinal de pessoas, apenas uma empregada do local que limpava o piso de cerâmica com um esfregão. Ele procurou um pouco até achar o quarto de número 13, passando o cartão no leitor e abrindo a porta.
Assim que entrou, seu celular tocou; era o chip novo, dado pelo centro de controle da irmandade, e o qual apenas eles tinham o número até então. Ele já atendeu de forma ríspida;
— Fala, Ruber, eu não tive tempo nem de entrar ainda.
— Eu sei exatamente onde você está — respondeu a voz irritante e aguda do outro lado da linha — E aí, aproveitando o fato de ser um caçador internacional agora?
— Aham, tô tentando controlar minha alegria — Lester disse em um tom de desdém, enquanto explorava seu novo quarto com aquele mesmo olhar crítico de antes. Não era tão espaçoso, mas era bonito, a cama de casal era completamente coberta por lençóis brancos, bem como os dois travesseiros. Na parede ao outro lado, havia uma tela plana de cinquenta polegadas, a janela dava vista da rua lá embaixo e na parede sobre a cama, um painel de mármore negro dava vida a figuras indistinguíveis. Havia também uma bancada de trabalho ali, de madeira polida.
— Eu sei que você vai se divertir — disse Ruber.
— Só queria confirmar se eu cheguei bem? Já confirmou, vou desligar — ele disse áspero. Lester estranhou o fato das paredes do banheiro terem um formato arredondado, quase como a cápsula de uma nave espacial.
— Já sabe quem tem que procurar, né? — Ruber perguntou — Vai na Paróquia de Blackvalley e procura pelo padre Constantine.
— Constantine... Tipo... O cara do filme? — Lester perguntou, explorando o banheiro e olhando todos os produtos que haviam ali, condicionadores, shampoos, sabonetes. Pelas paredes do local, tal qual no resto do quarto, haviam mensagens de boas vindas e versos de poemas destinados aos hóspedes.
— Sei lá, acho que não.
— Tá, padre Constantine na paróquia de Blackvalley, esse cara é o nosso contato, tô certo?
— Sim, então você dev-
— Vou desligar — Lester disse, desligando na cara de Carter sem esperar, guardando o celular no bolso e olhando os arredores uma vez mais... "Okay", pensou ele...
A paróquia de Blackvalley era localizada no início da avenida Stonewood, logo antes do centro comercial da cidade. A construção tinha um clássico estilo gótico da era vitoriana, com grandes janelas em formatos circulares e vidros em mosaicos, paredes de pedra e suportes que apontavam para o alto, como as garras de alguma das criaturas que normalmente evitavam aquele tipo de lugar. Estava em um terreno elevado, e via-se circundada por oito degraus que davam acesso às suas entradas frontal e laterais, estes possuíam suas bordas pintadas com uma cor branca fluorecente, talvez, para impedir que algum bêbado vindo do centro comercial enfiasse o carro no meio dos degraus, não pegaria bem para Deus. Lester estacionou ali com a Ducati, por volta das onze da manhã; ele lançou um olhar penoso para dentro da paróquia, já avistando um grupo de freiras que caminhavam juntas, assemelhando-se a ponguins em meio à neve. Ele subiu os degraus com uma expressão de má vontade, observando tudo com um olhar ainda mais crítico. Estar na Inglaterra era uma coisa, mas ele pisar em uma igreja, era quase uma blasfêmia contra tudo que era sagrado...
— Você é o Constantine? — Lester perguntou assim que alcançou o homem caminhando no centro do local com uma bata negra. Por entre as fileiras e fileiras de bancos de madeira. O homem olhou sobre o ombro, era um idoso, já na casa dos sessenta anos, careca, tendo apenas tufos de cabelos grisalhos nas laterais da cabeça.
— Oh, sim, e você é Lester, não é?
— Não parece com o cara do filme — Lester Murmurou para si mesmo.
— O que?
— Ah... Aqui, é melhor me chamar pelo meu nome de disfarce, Jacob, sacou? — ele disse, disfarçando, enquanto se aproximava do padre, caminhando ao lado dele.
— Tudo bem, Jacob então — disse Constantine
— E aí, como vai ser?
— Bem, eu devo muito à irmandade americana, e... Apesar de ser contra as mentiras na casa do senhor, também entendo toda a delicadeza da situação.
— Dá um desconto, acho que Deus perdoa uma mentirinha se for pra pegar um grupo de monstros que estão tentando causar um apocalipse — Lester disse sem rodeios.
— Eu espero que sim, ainda assim, vou rezar pelo perdão dele, você deveria fazer o mesmo, é importante manter a consciência limpa — Constantine argumentou, acenando para uma freira que passou por eles e fez um gesto respeitoso para ambos.
— Não, eu tô bem com a minha consciência, mas obrigado pela preocupação.
— Não tem de quê — Constantine disse com um sorriso gentil, mesmo sabendo que Lester estava apenas sendo babaca, isso fez ele se sentir um pouco mal.
— Olha... Eu só preciso de um lugar onde tenha acesso às informações, nos estados unidos, eu podia me disfarçar de federal, mas isso não rola aqui... Vou precisar que você me ajude com isso — ele disse calmamente — Você com certeza conhece a família que comanda essa cidade, né?
— Fala dos Karsteins? Eles não são os mais frequentes das nossas missas, mas sim, eu os vejo de vez em quando em noites de festa aqui na catedral — disse o reverendo — Não há porque se preocupar, o solo daqui é consagrado, vampiros ficariam em agonia se pisassem nessa paróquia.
— Transmutados e membros de famílias inferiores sim... Mas vampiros de verdade, vampiros que descendem dos maiorais da idade média... Isso não faz nem cócegas neles — Lester respondeu, dando ênfase em suas palavras, ambos pararam por um momento, em frente de onde ficavam os alojamentos daqueles que viviam ali na paróquia.
— Então... Acha que podem haver vampiros antigos aqui? Servos do adversário e portadores da escuridão? — perguntou Constantine, e Lester apenas meneou a cabeça, não muito adepto de todo aquele drama.
— Eles tão mais pra sangue-sugas com pedigree — ele disse — Dá pra matar eles também, apesar de ser mais complicado.
— Entendo... Se for esse o caso, então não seria correto descartar os Karsteins.
— Não mesmo — Lester disse, resoluto.
— Bem, mas deixando isso de lado por um momento, eu tenho uma sugestão — disse Constantine — Se você precisa de informações, esse é o local perfeito, fique aqui por uns dias, conheça as pessoas e recolha as informações que precisar.
— Recolher as informações, olha, eu não sou muito do tipo que frequenta missas, e cá entre nós, ficar fazendo perguntas às pessoas na igreja é pra lá de suspeito... — ele respondeu, mas então, um estalo se fez em sua mente — A não ser, é claro...
Pelo sorriso que Constantine lhe mostrou com seus lábios enrugados, ele provavelmente já havia pensado na mesma coisa.
Na verdade, foi uma péssima ideia, e ele notou isso um tempo depois. Lester saiu do vestiário, usando ainda a mesma calça e sapatos sociais, mas havia substituído as suas roupas de cima. Vestiu uma camisa social preta, com um tecido um tanto desconfortável, e com botões negros destacados por uma saliência no tecido, no seu pescoço, a gola romana formava um quadrado branco na região frontal. A camisa era de Constantine, e apertava-o um pouco, principalmente no seu peitoral, que via-se quase rasgando o tecido, assemelhando-se a um daqueles viciados em academia, que compravam roupas em números menores apenas para exibir seus músculos, mas no caso, ele soava como um padre puxador de ferro pra lá de exibido. Seu rosto, naturalmente sínico, não soava de forma alguma como um reverendo ou um líder religioso. Se tivesse que chutar, diria que ele lembrava um daqueles atores de filmes pornos, interpretando um padre pouco antes de rasgar as roupas e mandar ver em alguém.
— Não é por nada, não, Constantine, mas eu tô achando que ninguém vai cair nessa — Lester disse, com um misto de desânimo e apreensão enquanto se olhava no espelho.
— Ora, é tudo uma questão de confiança; elas vão acreditar no que você acreditar sobre si mesmo.
— Se for esse o caso, então eu tô ferrado.
— Não diga esse tipo de palavras aqui! Reverendo Jacob! — Constantine disse, ríspido, já entrando no personagem.
— Ah... Claro — Lester disse, depois de menear a cabeça, com uma expressão totalmente contrariada. Ele sentiu algo sob sua nuca, e olhou na direção do corredor que dava acesso ao jardim, notando o grupo de freiras que havia congelado ao vê-lo daquele jeito. O olhar de fascínio e curiosidade que viu nos rostos daquelas jovens, apenas o fez perceber o quanto aquela situação toda era desconcertante.
— Vou te ensinar o básico — disse Constantine — Primeiro, fique longe das freiras.
— Falou — Lester aceitou a bronca, erguendo levemente as mãos em sinal de rendição.
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Atualizado até capítulo 69
Comments
Alessandra Almeida
😅😅😂😂😂
2024-11-17
1
Geilza Maria Silva
também com jm reverendo desses,quem não olha
2024-09-23
1
nimorango
🤭🤣🤣
2024-08-13
0