Capítulo 16 Contra o Mundo

— O que foi, mãe? — perguntei me levantando da cama.

— É um assunto um pouco delicado — disse entrando no meu quarto e fechando a porta.

— Se são as minhas notas. Eu levei um tempo para me acostumar com a escola mas elas estão melhorando — argumentei.

— A escola não ligou por causa das suas notas — disse ela, sentando-se na cama.

— Então o que foi? — perguntei preocupada, me sentando ao lado dela.

Marta permaneceu olhando para o chão por alguns segundos até falar.

— A escola ligou para dizer que você anda beijando uma garota. Mas isso não é verdade, não é? — perguntou tristemente.

— Mãe... — fiz uma pausa, era algo difícil de dizer. — Eu sei que você não esperava por isso, na verdade nem eu. Mas aconteceu. Eu estou saindo com uma garota.

— Eu não acredito, Paloma! — gritou ela. — Da onde que você tirou isso? Está querendo me afetar?

— Claro que não! — disse mais calma o possível. — Como eu mesma disse; simplesmente aconteceu. Eu não escolhi amar a Kety!

— Essa é aquela jogadora de futebol? — perguntou irritada.

— Sim — respondi em voz baixa.

Marta andou em círculos e puxou os cabelos para trás.

— Já pensou no que seu pai vai achar disso?

— Ele já não pensa no que eu faço à muito tempo. A opinião dele não me importa.

— E o que eu penso também não importa? — exclamou ela.

— Claro que importa. — Me levantei e andei até ela. — Eu juro que estava prestes a te contar. Só que eu faria isso com calma.

— Nem com todo chá de camomila do mundo evitaria que essa notícia não me chocasse. Você é minha garotinha, Paloma — disse ela acariciando meu rosto enquanto lágrimas escorriam pelo seu.

— Eu vou ser sempre sua garotinha. Não mudei e nem vou mudar.

— Isso é o que você diz agora.

— Mãe, o amor que sinto por ela é maior do que eu. Você deveria ficar feliz por eu estar feliz.

— Você não entende — disse ela voltando a se sentar na cama. — Isso vai te fazer sofrer muito na vida. A sociedade vai te excluir, menosprezar. Você vai ter que lutar contra o mundo por causa desse amor.

— É nesse ponto que quero chegar — disse me ajoelhando na frente dela. — Eu estou disposta a enfrentar o mundo por meu amor e o direito de ser eu mesma.

Os próximos dias não foram fáceis. Minha relação com Marta se tornou algo insuportável. Ela não falava comigo e quando raramente falava, suas palavras saíam ríspidas e amargas. Eu sentia falta de ir para a escola conversado com minha mãe, de ver o sorriso dela. Me magoava a não aceitação dela, afinal, pais não amam seus filhos incondicionalmente? Ela não deveria respeitar minhas escolhas?

Eu tinha a consciência de que descobrir no susto que sua filha é homossexual, não deve ter sido algo fácil de assimilar. Mas eu ainda era eu, a mesma Paloma de sempre. A única diferença era que eu amava uma pessoa. Nunca entendi porque as pessoas julgam tanto uma as outras, sendo que ninguém sabe pode afirmar exatamente o que o outro está sentindo. Cada pessoa tem suas dores, amores, angústias, alegrias, convive com seu inferno e paraíso. Ninguém sabe exatamente o que o outro pensa e é isso que nos torna únicos. Nenhum ser humano é igual ao outro. Então é por isso que não entendo os julgamentos, se ninguém é igual por que temos que seguir um padrão para sermos aceitos?

— Eu não acredito que fizeram isso? — disse Vitória, muito irritada enquanto estávamos no recreio.

— Ligaram para o meu pai também — disse Kety. — Chamaram para vir na escola. Só que ele disse que já estava ciente do que está acontecendo e não iria perder tempo vindo aqui.

— Você tem sorte — comentei. — Quarta-feira de manhã minha mãe vai estar aqui para ouvir um monte de bosta da diretora — bufei e me sentei em um banco.

Kety se sentou ao meu lado, Vitória e Rafael continuaram de pé.

— Isso é estranho — comentou Rafael. — Existem várias casais héteros que vivem se beijando por toda a escola e eu nunca ouvi falar que os pais deles foram chamados na escola.

— Bem que você disse — retrucou Kety. — Casais “héteros”. A diretora deve achar um cúmulo duas garotas se beijando discretamente. Enquanto os casais héteros podem fazer o que querem por toda parte. Mas é claro! Esses são os normais. Paloma e eu somos aberrações, não temos o direito de mostrar nosso amor ao mundo como os perfeitinhos fazem — resmungou ela.

— Calma, amor — falei tocando o ombro dela.

— Calma nada! Estou cansada dessa injustiça. Nosso namoro não atrapalha e nem influência ninguém. Estou cansada de ter que ficar me escondendo. Estou cansada do sistema preconceituoso desta escola!

— O que você pensa em fazer? — perguntou Vitória.

— Não sei ainda — respondeu Kety um pouco mais calma. — Sua mãe vai vir aqui quarta? — perguntou a mim.

— Vai. Só que ela está furiosa comigo. Não acredito que vai ficar do nosso lado — avisei.

— Tenho medo que ela separe a gente — choramingou Kety.

Paguei nas mãos dela e as beijei.

— Quero ver ela tentar — falei.

— Kety tem razão — disse Vitória. — Esta escola aceita diversas coisas e fica em silêncio. Nós sabemos que já rolou de tudo aqui, nos banheiros principalmente. Mas condenar duas garotas por dar uns beijinhos, sendo que tem pelo menos uns trinta casais que fazem isso todos os dias. Me parece o cúmulo da homofobia.

— Nós devíamos fazer algo para isso mudar. Castigar as pessoas só por isso é ridículo — afirmou Rafael.

— Agora não consigo pensar em nada. Mas quando eu tiver uma ideia aviso todos vocês — disse Kety determinada. Os casais gays não serão mais oprimidos nesta escola depois disso.

— Ah, eu estou tão estressada. Raiva dessa vida. Estava tudo indo bem. Muito bem, e do nada vem mais uma merda dessas. — Me lamentei.

— Calma, amor vai dar tudo certo — disse Kety.

— Porque não é você que vai ouvir um sermão de alguém que não quer aceitar que a filha é lésbica — resmunguei.

— Vai por mim. Eu sei muito bem o que é — afirmou ela. — Você acha que meus pais reagiram bem quando descobriram. Meu pai nem queria me ver. Fiquei quase um ano sem ir na casa dele e minha mãe me tratava como um lixo. Só com o tempo que eles começaram a perceber que aquilo estava acabando comigo, fiquei com depressão e até hoje tenho que conviver com isso. E sabe o que aconteceu com eles? Tiveram que aprender que um filho sempre vai ser um filho. Que independente das escolhas. Os pais que amam de verdade, irão aceitar — explicou ela.

— Por que tudo tem que ser tão complicado! — choraminguei.

— Tenho certeza que sua mãe vai aceitar, mesmo que leve tempo — confortou Kety.

— Não sei se vou conseguir lidar com isso — respondi ainda chateada.

— Lembra o que você fez da última vez que não conseguia lidar com algo? — perguntou Vitória sugestiva.

— Acho que uma sessão de regressão não resolveria o problema — disse Rafael.

— Ela tem razão — falei depois de me levantar rapidamente. — Conhecer mais uma vida passada pode não ajudar em nada no problema, mas pode me mostrar um possível solução através de exemplos. Funcionou da última vez. Muito bem, eu diria — disse sorrindo para Kety.

— Tudo que pode ajudar é bem vindo — disse Kety, se levantando e ficando ao meu lado. — Só que desta vez quero ver como isso funciona.

— Está bem — afirmei. — Só temos que ser discretos. Pois agora que minha mãe sabe que estou namorando. Ela chega mais cedo em casa e as vezes até aparece do nada durante a tarde. Parece que ela perdeu a confiança em mim. Por isso, acho melhor fazermos isso nesta sexta-feira, porque ela vai fazer algumas entrevistas na cidade vizinha e isso vai a ocupar o suficiente.

— O suficiente para termos a tarde livre — completou Vitória.

— Isso — concordei. — Por vocês tudo bem?

— Por mim tudo bem — respondeu Rafael.

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