Capítulo 5 O Encontro

Sábado de manhã, acordei com o som dos pássaros cantando na janela. Uma das coisas boas de morar no campo é o silêncio, que só é rompido na maioria das vezes pelos animais. Bem diferente da cidade grande, onde eu era acordada por buzinas de carro e vizinhos em obras.

Me levantei para tomar café com Marta e Amanda.

Assim que passei pelo espelho do meu quarto me envergonhei do estado de ninho de pombo que estavam meus cabelos. Mesmo assim fui ao banheiro e em seguida me sentei à mesa com a minha família.

— Seu cabelo está engraçado — gargalhou Amanda, enquanto segurava um pedaço de pão.

— Ele me odeia, é por isso. — Passei a mão pelos cabelos na esperança que eles melhorassem, mas pela cara de Amanda aquilo não resolveu nada.

— Como foi sua semana? — perguntou Marta.

— Foi muito boa, como eu disse — falei enquanto me servia uma xícara de café. — E como foi a sua, mãe?

— Pode não parecer, mas existe muita notícia por aqui. O crescimento da lavoura e agropecuária, além da política — disse animada.

— Isso é muito bom! — Sorri.

— Pelo menos assim a mamãe não morre de tédio — comentou Amanda parecendo chateada enquanto passava manteiga no pão.

— E como foi a sua semana, coisinha? — perguntei.

— Foi legal — disse emburrada.

— O que aconteceu, meu amor? — perguntou Marta.

— Nada. Eu só queria que algumas pessoas sumissem do universo!

— Alguém te fez alguma coisa? — perguntei. — Fala pra gente. — Olhei para Marta, que estava preocupada como eu.

— Tem uma menina muito idiota na minha turma, só isso. Ela fica me chamando de feia e esquisita. Eu sou isso? — perguntou irritada.

— Claro que não! — respondi. — Você é linda, Amanda!

— Não liga para o que ela fala, só deve estar com inveja de você. Já que logo quando chegou fez vários amigos. Não é? — disse Marta.

— Sim, meus amigos também me disseram para não ligar.

— Essa menina deve ter inveja por você ser de fora. Não liga, não — falei.

— Mas ela fica falando que eu sou insuportável, que sou estranha por gostar de algumas coisas — choramingou Amanda.

— Filha, você não deve deixar de ser você mesma por causa do que os outros vão pensar. Ser diferente é o que te torna especial. E mesmo que você fosse igual aos outros. Surgiria alguém para colocar um defeito em você. Porque na vida é assim mesmo. Você passa a ser julgado assim que começa a agir como você mesmo. Por isso, não ligue para o que os outros pensam ou falam sobre você — aconselhou Marta.

— Entendi — respondeu Amanda. — Vou mandar ela ir a merda.

Gargalhei e Marta também.

— Resumindo é isso aí — disse Marta.

Fiquei pensando nas palavras da minha mãe e como aquele conselho era valioso. “Seja você mesmo, pois de qualquer forma irão te ajudar.” E de como é difícil ser você mesmo, como é difícil lidar com a opinião dos outros. Será que nos afetam tão quanto pensamos? Lembrei da história que Vitória me contou sobre Kety, da humilhação que ela passou por apenas ser diferente. Aquilo era realmente necessário? Mesmo que servisse para fortalecer aquela menina. No meu ponto de vista ninguém precisava ter a aceitação de terceiros, apenas a de si mesmo. Se cada um parasse para se avaliar ao avaliar invés de apontar o dedo para o próximo, sem dúvidas, o mundo seria um lugar muito melhor.

Mais tarde, depois de lavar a louça, avisei à minha mãe que tinha que sair.

— Vou para a praça com umas amigas — falei.

— E volta que horas? — perguntou ela.

— Às seis, não quero voltar no escuro.

— Está bem — disse seriamente. — Só não desligue o telefone.

Fui para o quarto me arrumar para sair, nada muito exagerado. Só vesti uma calça jeans preta, uma camisa branca e uma jaqueta jeans e meus tênis velhos. Penteei os cabelos e estava pronta.

Me despedi de Marta e Amanda, peguei minha bicicleta e saí.

Pela primeira vez sai do meu bairro de bicicleta. Todos os dias eu saia de carro para ir à escola. Mas de bicicleta era diferente. Parecia que tudo era perceptível, os pássaros, a maneira como o vento acariciava as plantações, as poucas casas de campo. O ar quente que soprava no meu rosto. Sentia como se pudesse viver para sempre aquele momento.

Quando saí do meu bairro, segui o mesmo caminho que levei para a escola. Assim que cheguei na praça, procurei uma vaga para bicicletas e assim que encontrei tranquei a minha com um cadeado.

Sai andando pela praça, com as mãos nos bolsos da jaqueta, segurando o celular. Sabia que logo Marta me ligaria.

Enquanto andava procurava por um sinal de Kety. Só que pelo visto ela não estava ali. Senti que havia sido feita de trouxa e que o melhor que poderia fazer era pegar minha bicicleta e voltar para casa. Enquanto andava em círculos, comecei a ficar irritada. Aliás, de certa forma ela não queria fazer as pazes comigo? Que bela maneira era aquela. Revirei meus olhos só em pensar.

Cansada de ficar andando de um lado para o outro, me sentei em um banco na sombra e peguei meu celular. Pensei em mandar uma mensagem para Vitória e dizer o que estava acontecendo. Mas parei no meio da mensagem, pois na minha frente vi com a visão periférica alguém se aproximando.

Levantei meu rosto e olhei na direção de quem estava se aproximando. Era Kety, a cerca de uns dez metros. Estava vestindo uma calça jeans preta e uma camisa preta larga. Seus cabelos longos estavam soltos e estavam esvoaçando com brisa quente daquele dia ensolarado. Ela sorria amavelmente enquanto olhava para mim e em sua mão trazia uma rosa vermelha.

— Oi, desculpe a demora. É que a minha mãe pediu para que eu cuidasse do meu irmãozinho — disse ela, quando se aproximou. — Mas enfim, estou aqui. E isto é para você. Considere um pedido de desculpas. — Kety estendeu sua mão na minha frente, me oferecendo a rosa que parecia ser comprada.

— Obrigada, não precisava — disse para ela e sorri. — Ela é muito bonita.

Kety sorriu e se sentou ao meu lado.

— Então, onde você quer ir? — perguntou ela.

— Não sei, estou gostando da praça. E não conheço nada por aqui. Então vou onde você me levar. — Sorri.

— Hum, deixa eu pensar em um bom lugar para começarmos — sussurrou Kety. — Você gosta de pizza?

— Amo — respondi.

— E se eu te falar que o dono da pizzaria é meu pai e eu como pizza de graça. Você acreditaria?

— Se não tivermos que lavar pratos depois eu acredito — gargalhei.

Kety sorriu e saiu andando, insinuando para que eu a seguisse.

— Vou pegar minha bicicleta — informei e sai correndo até a onde estava estacionando.

Voltei empunhando a bicicleta e Kety sorriu como se eu tivesse feito uma besteira.

— A pizzaria é logo ali. — Kety apontou para trás de mim. — Mas se você quiser levar a bicicleta, tudo bem. — disse simplesmente.

Me senti um pouco tonta, mas não tinha como eu saber que a pizzaria do pai dela ficava do lado da praça. Então não dei importância e continuei empurrando minha bicicleta.

— Deixa que eu levo para você.

Antes que eu pudesse responder, Kety pegou no guidom e começou a empurrar a bicicleta.

Fiquei com a estranha sensação de mãos vazias, então as coloquei no bolso.

Andamos lentamente até o outro lado da rua. Olhei discretamente para ela. Kety sorria como quando havia chegado. Ela olhava para entrada do estabelecimento. Quando olhei também, vi um senhor alto, forte e sujo de farinha. Quando nos aproximamos ele sorriu para Kety e para mim. Seus olhos eram verdes intensos como os dela e seus cabelos castanhos já grisalhos me deram a certeza que ele era o pai de Kety.

— Oi — saldou ele me estendendo uma mão. — Você deve ser a Paloma. Kety falou muito de você.

Apertei a mão do homem pensando no que ela devia ter falado de mim.

— Oi, é um prazer te conhecer senhor — falei.

— Pode me chamar de Pedro.

— Está bem, Pedro.

— Veio experimentar a pizza? — perguntou ele enquanto estava no estabelecimento.

— Ela veio encher a barriga — disse Kety divertida, enquanto acompanhava o pai.

Os segui e me vi dentro de um lugar bem legal. A pizzaria era bem colorida, com paredes, mesas e cadeiras. Era o tipo de lugar que trazia alegria só de entrar.

Pedro se dirigiu para o que parecia ser a cozinha e Kety se sentou em uma das mesas redondas próxima a entrada.

Sentamos uma de frente para a outra. Kety me olhava e sorria enquanto eu definitivamente não sabia o que fazer.

— Deve ser legal morar aqui, é perto de tudo. Além de comer pizza quando quiser — disse eu rapidamente.

— Eu moro aqui e na casa da minha mãe também — disse Kety, desviando o olhar e ficando seria pela primeira vez naquele dia. — Meus pais são separados, por isso as vezes eu vou para a cidade vizinha ficar com a minha mãe. Que também é muito legal, ela trabalha no banco e cozinha melhor do que meu pai. Na verdade, ele só sabe fazer pizza.

Não sabia se ria ou não, então mordi os lábios para segurar. Kety me olhou e começou a gargalhar e não consegui mais segurar e gargalhei.

— O que vamos fazer depois de comer uma pizza? Você tem algo em mente? — perguntei colocando os cotovelos sobre a mesa.

— Podemos aproveitar que você veio de bicicleta e podemos dar uma volta por aí — sugeriu ela, me imitando colocando os cotovelos sobre a mesa e apoiando seu rosto nas mãos.

O olhar de Kety me deixava sem jeito. Era como se seus olhos verdes pudessem me hipnotizar. Não sabia o que estava sentindo por aquela garota, só sabia que era algo novo, que jamais havia sentido por alguém.

Sentia que poderia confiar nela, mesmo a não conhecendo muito bem. E eu iria para qualquer lugar que ela quisesse me levar.

Em menos de vinte minutos, Pedro trouxe uma pizza enorme e deixou sobre a mesa e nos deu duas latas de refrigerante. O cheiro estava fantástico, provavelmente havia saído direto do forno. Era uma pizza entupida de queijo e parecia muito deliciosa, o único problema era o tamanho. Com certeza Kety e eu não conseguiremos comer tudo aquilo.

— Obrigada, pai — disse Kety.

— Essa pizza é a mais linda que já vi — elogiei.

— Ela ficou um espetáculo mesmo — disse sorrindo satisfeito. — Só não se assustem com o tamanho, o que sobrar a gente como no jantar, né, Kety?

Kety sorriu um pouco sem jeito, o que foi fofo, pois suas bochechas ficaram coradas.

Quando Pedro se retirou, voltando assim para a cozinha. Kety voltou a falar comigo.

— Ele fica meio sem jeito perto das minhas amigas. Ele acha que podem ser minhas namoradas — disse simplesmente.

— Que legal que ele sabe — falei. — Na minha antiga escola, uma garota sofria muito por causa dos pais dela que não aceitavam sua opção sexual.

— É, isso acontece muito. Mas graças a Deus, meus pais são pessoas incríveis. Eles me amam de verdade — afirmou ela, pegando uma fatia da pizza e dando uma mordida.

— Minha mãe é muito positiva, o que é legal. Só tem vezes que ela exagera — comentei, levando um pedaço de pizza até a boca.

— Como assim, exagerada? — indagou ela.

— Sei lá, fica animada de mais por coisa que é certo que vai dar errado — disse simplesmente.

— E o que tem de errado em ser positivo?

— Irrita os negativos — expliquei rapidamente.

Kety sorriu novamente, o que me deixou sem graça e me fez desviar o olhar para a pizza pela metade.

— Então espero que um passeio de bicicleta te deixe mais positiva — disse ela, sorrindo, enquanto se levantava e andava na minha direção. — Podemos ir agora?

— Claro. — Me levantei rapidamente.

— Espera aqui um pouco que vou pegar a minha bicicleta, já volto — disse e saiu andando para os fundos do restaurante.

Não demorou muito para Kety aparecer com sua bicicleta, uma mochila preta pequena e com um sorriso amigável no rosto.

— Podemos ir? — perguntou ela, já subindo na sua bicicleta.

Peguei minha bicicleta escorada na fachada da pizzaria e fiz o mesmo.

— Podemos — afirmei.

Saímos andando em nossas bicicletas lado a lado. Kety ia a frente, conduzindo o caminho enquanto o vento empurrava seus longos cabelos para trás. Acelerei as pedaladas e fiquei ao seu lado. Assim que percebeu, Kety virou o rosto na minha direção e sorriu.

Já estávamos em um local afastado do centro da cidade. Pedalávamos em uma estrada de chão e em por toda parte só se via árvore.

— Onde estamos indo? — perguntei.

— Para o meu lugar favorito — respondeu divertida.

Kety acelerou as pedaladas mais uma vez e saiu praticamente voando na minha frente. Tentei acelerar para alcançá-la. Porém, quando conseguiu, ela freou a bicicleta com os pés e desceu.

Fiquei um pouco surpresa com o gesto repentino e desci da minha também. Kety continuou parada, olhando para frente enquanto eu continuava a observá-la.

— Não é bonito? — indagou ela, parecendo impressionada enquanto olhava para frente.

Me virei para onde Kety olhava e me deparei com a paisagem.

— É muito bonito — concordei.

Estávamos à beira de um morro, abaixo a estrada de chão e o solo íngreme me parecia uma descida radical demais para ter descido de bicicleta. Lá de cima se podia ver o vale, os morros cobertos por árvores. E mais adiante, em um dos morros cobertos por uma neblina se podia ver uma possível queda d’água.

— Aquilo é uma cachoeira? — perguntei.

Kety sorriu animada e voltou a pegar no guidom como se fosse subir na bicicleta.

— É lá que nós vamos!

— Não é perigoso? — observei.

— Não vamos nadar, não nesta época do ano — afirmou ela. — Não estou afim de ficar doente.

— Está bem — falei.

— Então vamos?

— Descer o morro de bicicleta? — perguntei angustiada.

— Não. — Ela gargalhou. — O morro descermos a pé.

— Ok.

Saímos andando empurrando nossas bicicletas morro abaixo. Logo o chão ficou reto novamente, porém Kety e eu continuamos andando.

— O que você está achando de O Morro dos Ventos Uivantes? — perguntou ela.

— Estou gostando muito. E como você me disse, estou sentindo um pouco de raiva de alguns personagens. O Heathcliff é muito injustiçado, coitado. E a Catherine ama ele desde criança. Pelo que percebi. Ainda estou no começo do livro.

— Então ainda tem muita coisa para acontecer — disse ela, olhando para frente enquanto andávamos pela estrada de chão. — Eu gosto muito dessa história, sabe? É a história de um amor proibido pelo preconceito, porque Heathcliff era cigano, pobre e sem família e tudo que ele tinha era a Catherine. Mas mesmo assim, um jamais se esqueceu do outro, mesmo estando distantes.

— Então já sei porque dizem que é do estilo gótico — comentei.

— Sim, não é nenhum conto de fadas — afirmou ela. — Podemos ler um pouco quando chegarmos na cachoeira, eu trouxe meu exemplar na mochila — disse olhado para mim e sorrindo.

— Vai ser legal — concordei.

— Estamos quase lá — disse Kety, subindo na bicicleta.

Subi na minha bicicleta rapidamente e saímos pedalando na estrada de chão esburacada. Meu único medo era tropeçar em um daqueles buracos e ser jogada na cerca de arame farpado. Fora isso, Kety me passava confiança.

O som da queda d’água anunciava que estávamos perto. E não levou muito tempo andando na mata até chegarmos na cachoeira.

Que sem dúvida era extremamente linda. Era uma queda de uns dez metros e a água em baixo era cristalina. Era visível que o lugar era perfeito para nadar, porque era visível que não era muito fundo. Mas o que mais me surpreendeu foram as inúmeras borboletas brancas que voavam pela mata.

— O bom de vir esta época do ano é que este lugar está vazio — disse Kety atrás de mim, enquanto deixava sua mochila em um gramado na margem. — No verão isso aqui parece um parque aquático, enche.

— Aqui é tão bom, a gente se sente em paz — comentei respirando fundo. — E eu nunca vi tantas borboletas iguais no mesmo lugar — disse admirada olhando para as borboletas que voavam ao nosso redor.

— Por isso que é meu lugar favorito — afirmou Kety. — Eu amo borboletas. São as criaturas mais fascinantes na minha opinião e essa mata é cheia delas o ano todo. Elas são minhas companheiras. Você não acha fascinante o fato de uma simples lagarta poder se transformar em uma criatura tão linda? Elas são uma inspiração para mim, me ensinaram que se pode mudar sem medo e que podemos nos tornar fascinantes se quisermos.

— É mesmo uma bela lição de vida — comentei olhando em volta.

Me virei para trás e a vi sentada na grama, já com o livro em mãos.

Kety sorriu e deu duas batidas no chão ao seu lado. Então andei e me sentei na grama.

Seu exemplar do livro O Morro dos Ventos Uivantes era um pouco diferente do que eu havia pegado emprestado na escola. O livro de Kety era de capa dura, parecia antigo, era muito bonito.

— Vou ler minhas partes favoritas para você, se não se importar — disse ela.

— Claro que não, pode ler — incentivei.

Kety sorriu e em seguida abriu o livro e começou a folhá-lo até que chegou em um ponto que começou a ler.

Enquanto ela lia, eu notava, observava, admirava cada detalhe do seu rosto. O movimento dos seus olhos verdes a cada linha lida, seus lábios se movimentando rapidamente enquanto sua voz doce era o único som que competia com a queda d’água. Seus cabelos sendo levados pelo vento. Ela era muito bonita, e parecia não se importar com isso.

Praticamente não ouvi uma palavra sequer. Mas no momento que seus olhos rumaram na minha direção brevemente e depois voltaram para a leitura. Foi quando eu a ouvi.

— Meu amor por Heathcliff se parece com as rochas sempiternas sobre a superfície: uma fonte de pouquíssimo prazer visível, mas necessário. Nelly, eu sou Heathcliff – ele está sempre, sempre em meus pensamentos. — Em um movimento brusco Kety fechou o livro e olhou para mim. — Você não concorda que muitas vezes o amor é isso? Não precisa ser perfeito para existir — indagou ela, seriamente enquanto olhava em meus olhos.

— Não sei, acho que sim. — Dei de ombros.

— Você já se apaixonou alguma vez? — indagou ela.

— Apenas paixões passageiras, coisa de criança, mesmo — admiti.

— Entendo — disse pensativa. — Acho que comigo aconteceu o mesmo. Mas ainda somos jovens, temos tempo para isso.

— Verdade — concordei.

— Já parou para pensar que estamos vivendo a melhor fase de nossas vidas e muitas vezes não sabemos aproveitar?

— Talvez — falei simplesmente.

— As vezes eu fico pensando que posso estar perdendo um tempo valioso da minha juventude, me importando com besteiras — disse pensativa olhando para as próprias mãos.

— Que tipo de besteiras? — perguntei.

— Com o que os outros falam sobre mim. Sei que é bobagem me importar. Mas parece que cada palavra dita que eu finjo não me importar, um dia vai se acumular com as outras, então, só então. Não vou conseguir mais suportar.

— Por que não fala que se sente assim para as pessoas? — sugeri.

— Não vai adiantar em nada — resmungou ela, jogando uma pedra no rio. — Eu tenho que ser forte.

— Ser forte o tempo todo pode ferir muito, vai por mim. Eu sei como é — comentei.

— Do que está se referindo. Desculpe, não sei muito sobre você — disse olhando em meus olhos. — Se quiser me contar fique à vontade. — Ela sorriu.

— Bem, não é nada que possivelmente já não tenham te contado. Mas tudo bem. Depois do divórcio dos meus pais, minha mãe, minha irmãzinha e eu saímos de casa e moramos em muitos lugares até chegar aqui, onde possivelmente vamos ficar para sempre — respondi.

— Ouvi falar que você veio da capital. Aqui deve ser muito entediante para você — disse Kety, apoiando suas mãos nos joelhos e voltando a olhar para o rio à nossa frente.

— A verdade é que neste pouco tempo aqui já me diverti mais do que nos últimos três anos — falei.

— Não entendo, aqui só tem mato e silêncio — questionou ela.

— Na capital eu nem saia de casa. Minha única amiga era a psicóloga. Isso se posso chamar de amiga quem levava metade do salário da minha mãe, só para me ouvir e dizer que eu deveria ser mais positiva — resmunguei.

— A separação dos seus pais foi um golpe duro para você, não foi? Eu te entendo, para mim também foi quando meus pais se separaram.

— A verdade é que as vezes fico pensando que foi melhor assim — afirmei. — Minha mãe está melhor agora. E meu pai não era exatamente um marido e pai exemplar. Parecia que nunca estava satisfeito com a nossa família. Tratava minha mãe como um trapo velho e me tratava como se eu fosse um cachorro vira-latas, nem a Amanda que era pequena ele dava carinho. Eu não entendia na época, sentia que era culpa minha. Hoje eu sei que nós não tínhamos culpa da infelicidade dele.

— Fazemos nossa própria felicidade — disse Kety, voltando a me olhar. — Mas eu te entendo. Meu pai também foi um grande problema para mim. Ainda mais depois que descobriu minha opção sexual. Ele me tratava como uma aberração. Mas com o tempo ele entendeu que isso não interfere na vida de ninguém exceto a minha, e que eu sempre serei sua filha. Então ele aprendeu a me entender.

— Isso é legal, ele se redimiu — disse, sorrindo sem jeito. — Diferente do meu pai, que sempre aproveitou todos as chances que tinha para abaixar minha autoestima.

— O que ele falava? — indagou ela.

— Coisas horríveis. Dizia que eu era feia, desengonçada, que eu seria uma vadia pela forma que me vestia. E eu tinha dez anos quando ele me disse isso.

— Você não deveria acreditar nisso. Sei que isso pode ferrar o psicológico de qualquer um. Mas você não deveria deixar isso te abalar, pois nada do que ele disse é verdade. Você é linda, Paloma.

— Você só está tentando fazer eu me sentir melhor — disse sem jeito.

— Nunca falei algo com tanta convicção — afirmou tocando em meu rosto. — Olhe o seu cabelo é tão lindo — disse ela, acariciando meus cabelos. — Sua pele. — Kety passou sua mão em meu rosto. — Seus olhos, você é linda.

Senti o toque dela causar arrepios em meu corpo. Senti minhas bochechas corarem à medida que sua mão deslizava por meu rosto e quando me dei conta o rosto de Kety estava próximo ao meu. Seus olhos verdes nunca estiveram tão próximos e nunca estiveram tão bonitos. Quando me dei conta eu olhava para seus lábios e os desejava mais do que tudo. Foi quando Kety tocou seus lábios contra os meus. Sem pensar em mais nada, eu retribuí o beijo. Suas mãos seguravam meu rosto enquanto trocávamos um beijo lento e apaixonado. Sentia o meu coração acelerar, e não entendia o porque, nas outras vezes que havia beijado nunca senti algo como aquilo.

Era como se toda a minha vida eu esperasse por aquele beijo, esperava sentir aquilo um dia. Mas nunca esperei que viesse de alguém como Kety. Nunca pensei beijar uma garota e sentir tanto carinho.

Mas aquilo não estava certo, eu não era aquela pessoa que estava a beijando e Kety não merecia aquilo. Então separei meus lábios dos dela.

— Tenho que ir — disse nervosa me levantando rapidamente.

— Ainda é muito cedo — observou ela.

— Sério, eu tenho que ir — falei nervosa. — Outra dia conversamos.

Kety estava sentada no chão e me olhando como se não entendesse o que havia acontecido.

Eu não me sentia confortável, minha mente estava confusa. Tudo que eu queria era sumir. Então andei até a minha bicicleta e a conduzi até a trilha.

— Tchau — disse rapidamente olhando para Kety que permaneceu sentada na grama.

— Tchau — disse ela sem jeito e seus olhos estavam tristes.

Subi na minha bicicleta e saí andando pela estrada de chão. Eu estava nervosa, via as minhas mãos tremendo no guidom. Eu não queria ter feito aquilo, queria poder ter evitado. Não era justo para Kety. Eu não era como ela, não podia corresponder seus sentimentos. Não queria partir o coração daquela garota. Ela não merecia. Eu me sentia uma pessoa detestável por ter a deixado sozinha na cachoeira sem entender nada. Mas de alguma forma era melhor assim.

Chegando no morro tive que descer da bicicleta para empurrá-la morro a cima. Quando cheguei lá em cima, parei um minuto para olhar para trás. Como eu imaginei Kety não havia me seguido. Provavelmente ainda estava na cachoeira, pensando que eu era uma idiota. E nisso nós tínhamos que concordar. Eu era a maior das idiotas.

Passei os dedos nos meus lábios e lembrei do toque dos lábios de Kety. Fiquei me perguntando o porquê daquele beijo ter mexido tanto comigo. Nunca havia sentido nada parecido com ninguém, então por que logo com ela? Nós mal nos conhecíamos e já precisamos tão íntimas, isso não era normal.

Como ela está se sentindo? Me perguntei. Se ela tivesse me beijado, significava que Kety sentia algo por mim. Só que ela tinha confundido tudo e eu, estragado o resto. Olhando para a cachoeira lá embaixo, imaginei sentada na grama, olhando para a cachoeira e se sentindo péssima por minha causa. Eu não deveria ter fugindo daquela forma. Kety já havia sofrido tanto e lamentava ter feito aquilo.

Mas já não tinha volta, o estrago já estava feito. Por isso voltei a subir na bicicleta e pedalei até em casa.

— Chegou cedo! Aconteceu alguma coisa? — perguntou Marta, assim que entrei dentro de casa.

— Não — respondi.

— Foi legal o dia com suas amigas?

— Foi. Só voltei mais cedo porque elas tinham que voltar para casa também. — Menti.

— Um dia traz elas aqui. Vou adorar conhecê-las — afirmou alegremente.

— Claro, mãe. Vou conversar com elas. — Forcei um sorriso. — Agora só preciso tomar um banho e me deitar. Estou cansada.

Depois do banho entrei no meu quarto e tranquei a porta. Me atirei na cama e fiquei olhando para o teto de madeira.

Comecei a pensar em Kety e no nosso beijo. Comecei a me questionar se era como ela. Não adiantava tentar mentir para mim mesma sobre aquele ter sido o melhor beijo da minha vida.

Mas aquilo não podia ser verdade, eu não era como ela. Foi só um beijo bom, aconteceu. Não queria que ela entendesse mal as coisas. Então, tão pelo bem dela, quanto o meu. Era melhor que nos afastássemos.

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Comments

Lee won(⁠。⁠・⁠ω⁠・⁠。⁠)⁠ノ⁠♡

Lee won(⁠。⁠・⁠ω⁠・⁠。⁠)⁠ノ⁠♡

as vezes se afastar da pessoa não é bom eu sei como é

2024-04-27

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