Capítulo 14 Não Tente Evitar

Quando cheguei na escola fazia um frio danado, havia vestido dois casacos e não foi o suficiente. Torcia para que aquela neblina da manhã desaparece logo e desce lugar ao sol para que ele pudesse esquentar aquela cidade.

Assim que entrei no pátio fui recebida por Vitória, que estava animada como sempre.

— Oi, minha lindinha. Dormiu bem? — perguntou ela.

— Oi, meu bem — respondi. — Tive uns sonhos estranhos mas dormi bem, sim.

— E que sonhos foram esses? — perguntou enquanto subíamos as escadas da escola.

Então contei meus sonhos da forma mais resumida possível e Vitória escutou atenciosamente.

— Deixa eu ver se entendi bem — disse ela. — Penélope apareceu em sonho para você para dizer a mesma coisa que eu disse praticamente. Pediu para você parar de ser otária e aproveitar a sua chance de amar?

— Resumindo é isso aí — falei.

— E o que você vai fazer?

— Seguir meu coração. Por mais difícil e propício ao desastre que possa ser.

— E o que seu coração quer?

— Meu coração quer amar Kety — respondi um pouco envergonhada, mas segura.

— Ela está logo ali — disse Vitória olhando para a porta da nossa sala. — Por que não vai falar com ela?

— Eu sei que tenho que tomar uma atitude — falei em voz baixa. — Mas isso não significa que vou me declarar assim de cara. Talvez deixe isso para algum momento propício.

— E quando será esse momento? Se eu fosse você não esperava muito.

— Amanhã vamos nos ver depois do jogo. Talvez eu tenha uma chance.

— Está nervosa?

— Muito — admiti.

— Eu também — disse ela.

— Por causa do meu encontro? — Franzi o cenho.

— Não. É por causa da sessão de regressão que farei com o Rafael hoje. Tenho medo do que ele pode ver.

— Espero que ele veja que vocês nasceram um para o outro — comentei.

— Esperamos — concordou ela. — Mas agora Kety estava olhando para cá.

— E o Rafael? — perguntei olhando para os lados até que o vi atravessado o corredor. — Está vindo aí. Vai lá falar com ele.

— E você com ela.

— Ok.

— Ok.

Assentimos as duas e andamos em direções opostas.

Cumprimentei Kety e seus amigos e ficamos conversando sobre qualquer coisa. As vezes eu espiava Vitória para me certificar que estava tudo bem entre os dois. Rafael sorria, era um bom sinal. E em uma dessas minhas olhadas Rafael andou até o grupinho onde eu estava e quando me dei conta estávamos todos conversando enquanto esperávamos a professora chegar.

Naquela manhã, Vitória e eu não tínhamos outros assuntos além do meu sonho e da regressão que faria com Rafael. No intervalo, tive que contar meu sonho para ele, que teve a mesma reação de Vitória, só que um pouco mais animado, pois ele estava ansioso para conhecer suas vidas passadas também.

Ainda no intervalo consegui falar um pouco com Kety, conversamos rapidamente sobre o jogo de sábado. Ela ficou feliz quando disse que minha mãe e minha irmã iriam ver também. Eu queria muito falar sobre nosso encontro depois do jogo, mas Eduarda estava colada nela e fiquei com vergonha de falar.

A manhã de sábado estava ensolarada e uma brisa refrescante soprava os galhos da árvore que eu podia ver pela janela do meu quarto.

Levantei da cama sentindo algo bom. Aquela rara sensação de que eu teria um dia bom. Na verdade, não esperava menos que isso.

Tomei um banho e fui para a cozinha tomar café com minha família.

Do corredor sentia o cheiro do pão quentinho e quando me aproximei minha mãe sorria enquanto servia uma xícara de café.

— Bom dia, dorminhoca! — disse Amanda sentada na mesa e segurando uma fatia de pão próximo ao rosto.

— Bom dia, mãe. Bom dia, Amandinha — saldei e me dirigi até a pequena e beijei seu rosto.

— Está animada, aconteceu alguma coisa? — perguntou Marta.

— Nada de mais — falei enquanto me sentava e pegava uma fatia de pão. — Vocês tem planos para hoje?

— Normalmente os sábados são os dias de não fazer nada por aqui — respondeu Marta, sentando-se ao meu lado. — Por quê? Tem algum programa para hoje?

— Vocês já ouviram sobre os times de futebol feminino da cidade? — disse animada.

— E desde quando você se interessa por futebol? — perguntou Amanda.

— Desde que me mudei para uma cidade que não tem nada mais interessante — respondi seriamente.

— Tá. Mas o que você tem a ver com esse time. Está pensando em entrar? — perguntou Marta.

Eu sorri.

— Mãe, você sabe que eu não sei jogar. Eu queria convidar vocês duas para irem ver o jogo da minha amiga hoje. Eu já vi um jogo antes e é bem legal. Todo mundo mais legalzinho da cidade vai no clube. É tipo o entretenimento desde fim de mundo — argumentei.

— Acho que ouvi falar — disse Amanda.

— Então, vocês querem ir? — Me virei para Marta.

— Que horas vai ser? — indagou ela.

— As duas horas da tarde, se não me engano — respondi.

— Tudo bem. Então depois do almoço você lava a louça rápido que nós vamos — disse simplesmente. — Por um lado vai ser legal sair em família.

Depois do almoço lavei a louça o mais rápido possível enquanto elas se arrumavam para sair. Quando terminei corri para o quarto e vesti uma camisa branca, macacão preto e meus tênis brancos. Olhei no espelho e aprovei o que vi, pela primeira vez estava vestida como uma garota da capital. Sábia que o povo do interior poderia achar estranho, mas eu não ligava.

Sai do quarto e Marta já estava com as chaves do carro em mãos enquanto ela e Amanda me esperavam já na porta de casa.

— Finalmente! Pelo menos você está linda, mana — disse Amanda.

Amanda estava usando um de seus vestidos floridos de princesa e uma tiara com um laço na cabeça. Quando eu era pequena Marta também me vestia assim. O que é muito fofo, até você fazer dez anos. E Marta estava elegante como uma jornalista deveria ser, e também muito apressada.

No carro fui indicando o caminho até que chegamos. Marta deixou o Opala no estacionamento repleto de árvores e fomos andando até as arquibancadas.

— Até que aqui é bem bonito — disse ela admirada, olhando para o campo e a vegetação que era possível se ver lá de cima.

— Mamãe, eu estou com fome — disse Amanda.

— Tem alguma lanchonete ou mercadinho por aqui? — perguntou à mim.

— Tem a cantina do clube, devem vender salgadinho lá — respondi.

— Ok — Marta disse pegando o dinheiro no bolso e entregando em minhas mãos. — Traz três salgadinhos é um refri grande.

Quando Marta terminou de falar, ouvi alguém me chamando.

— Paloma!

Olhei para trás e vi Vitória subindo as arquibancadas correndo.

— Oi, amiga, que bom te ver. Essas são minha mãe Marta e minha irmãzinha Amanda, e está é a Vitória.

Vitória sorriu e cumprimentou as duas com um beijo no rosto.

— É um prazer em conhecer vocês duas. Vocês são uma família de mulheres lindas. Meu Deus! — disse Vitória.

— Eu estou indo na cantina comprar salgadinhos, quer vir comigo? — perguntei à Vitória.

— Claro! — disse ela se aproximando. — Vejo vocês duas depois.

E saímos andando arquibancada a baixo. Quando me certifiquei que estávamos em uma distância segura da minha família eu perguntei.

— O que você quer me contar?

— Como você sabe que quero contar algo? — perguntou surpresa.

— Eu já te conheço.

E sorrimos, até que Vitória respirou fundo e começou a falar.

— Você já sabe da regressão que eu faria com o Rafael ontem. Enfim, meus piores pesadelos se tornaram realidade.

— O que aconteceu? — perguntei preocupada.

— Deu tudo errado! No início estava tudo bem, ele foi lá em casa, eu o dei uns sanduíches. Fomos para a sala e fizemos a regressão. O que eu não contava era com a reação dele depois que ele viu uma vida lá no século XXI onde nós éramos cansados.

— E como ele reagiu?

— Ele não disse nada! Absolutamente nada. Só se despediu de mim e saiu. Nem um comentário ou algum “Nossa, era você!” Nada!

— Isso é estranho.

— Pois é. Mas o pior é que estou com medo disso afastar a gente. De eu ter pedido a amizade dele que era tudo que eu tinha. Eu amo aquele idiota e não preciso ter ele como namorado para me sentir bem, só tê-lo por perto já me foi o suficiente durante todos esses anos.

— Se você quiser eu posso falar com ele — sugeri.

— Melhor não, acho que ele está precisando de um tempo para assimilar tudo que viu. Acho que é por isso que não o vi ainda e talvez ele nem venha ver o jogo hoje. Ele deve estar confuso e por isso vou esperar uma semana, e se ele não me procurar durante esse tempo, eu mesma vou ter que tomar uma atitude.

— Sério, se você quiser eu posso ir falar com ele. Já estive nessa de ver minhas vidas passadas tantas vezes. Acho que posso ajudar ele a entender.

— Acho melhor não — disse nervosa jogando os cachos para o lado. — Mas se eu mudar de ideia te aviso.

Chegamos na cantina e comprei o que Marta havia pedido. Quando estávamos voltando acabei esbarando por acidente em uma garota com uniforme de jogadora.

— Desculpa, foi sem querer — disse ainda não a encarando.

— Olha por onde anda, tonta! — disse Eduarda irritada.

Eu permaneci em silêncio, não gostava de discutir.

Eduarda me lançou um olhar de reprovação e saiu andando.

— É uma vaca mesmo — disse Vitória.

— Como é possível alguém tão legal como a Kety ser amiga de uma garota assim? — perguntei.

— Vai saber — disse Vitória dando de ombros. — E falando nisso... como você está se sentindo para o encontro de hoje depois do jogo?

— Por incrível que pareça eu estou tranquila. Agora sinto como se Kety e eu fôssemos íntimas e o que tem que acontecer vai acontecer — respondi sorrindo.

— Esse é o poder da regressão — afirmou ela.

Então sorrimos e voltamos para minha família. Assim que chegar o jogo começou, as meninas de ambos os times entraram e se posicionaram em seus devidos lugares. Me sentei e entreguei os salgadinhos e os copos descartáveis para Marta, Amanda e Vitória. Fiquei procurando Kety entre as garotas, até que finalmente vi seus cabelos castanhos brilhantes, estava bonita de amarelo e corria de um lado para o outro e acenava para a torcida de seu time.

Quando ela olhou na minha direção abriu um largo sorriso e acenou animada como nunca. Senti meu coração acelerar como se fosse sair pela boca.

— Aquela é a sua amiga? — perguntou Marta.

— É sim — respondi.

— O nome dela é Kety, ela é a capitã do time — comentou Vitória.

— Ela é muito bonita e parece ser muito querida. Pode levar ela lá em casa quando quiser, filha — disse Marta.

— Claro — assenti.

Eu podia dizer que Kety era a melhor jogadora que já havia visto e isso sem levar em conta o carinho que tinha por ela. Digamos que naquela jogo haviam várias estrelas, mas só uma única lua que se destacava entre todas elas. Dos cinco gols que o time amarelo chamado Canários Negros, três Kety havia feito, assim garantindo a vitória de seu time.

Quando o jogo acabou e as garotas saíram do campo. Vitória e eu descemos as presas a arquibancada para ir cumprimentar Kety e as outras jogadoras. Marta e Amanda nos seguiram, o que foi bom de certa forma.

— Você jogou muito bem hoje — falei quando fiquei cara a cara com Kety.

— Muito obrigada, flor — disse ela ofegante. — Só vou beber uma água e tomar um banho no vestiário. Aí vou estar pronta para sairmos.

— Que história é essa? — perguntou Marta.

Envergonhada me virei para ela.

— Esqueci de falar que eu e as meninas marcados de ir comemorar em uma pizzaria depois do jogo. Posso ir? Por favor e desculpa — implorei.

— Está bem — disse se dando por vencida. — Só que as sete horas quero te ver em casa.

— Perfeito — disse simplesmente.

— Vocês querem carona até a pizzaria?

— Tudo bem, tia. Minha mãe nos leva — disse Kety sorrindo amavelmente.

— Ok — concordou Marta. — As sete horas, não esquece e qualquer coisa me liga que eu te busco.

— Está bem, mãe. Fica tranquila.

Marta sorriu para as meninas e olhou seriamente. Em seguida pegou Amanda pela mão e se retirou.

— Eu vou tomar banho rapidinho, se vocês não se importam em esperar — disse Kety.

— Tudo bem, a gente espera — assenti.

Vitória ficou comigo na arquibancada até Kety voltar usando seus roupas normais.

— Então vamos nessa! — disse Kety sorrindo. — Meu pai já deve estar esperando no carro.

— Vão vocês e aproveitem. Eu vou para casa chorar minhas mágoas — disse Vitória tristemente.

— Amiga, não fica assim. Vem com a gente, vai ser legal — disse pegando nas mãos de Vitória, assim que me aproximei.

Vitória olhou por cima do meu ombro e sorriu ao ver Kety.

— Vocês precisam ficar sozinhas — murmurou ela.

— Entendi. — Sorri.

Voltei para o lado de Kety.

— Você não vai mesmo? — perguntou Kety a Vitória.

— Eu vou ficar bem. Prometo — afirmou Vitória.

— Então tudo bem — disse Kety. — Vamos? — perguntou estendendo o braço esquerdo para mim para que eu a acompanhasse como uma dama.

— Vamos — falei e saímos andando.

Saímos andado lado a lado do clube, percebi que todos nos olhavam, porém Kety nem ligava. Havia um sorriso satisfeito em seu rosto, seus olhos verdes brilhavam e seu andar era confiante. Não sei se era por ter vencido o jogo ou por estar ao meu lado.

Lá fora seu pai já nos esperava próximo à um carro vermelho.

— Olha se não é a melhor jogadora do mundo vindo aí! — exclamou ele quando nos aproximados.

— Obrigada, obrigada — disse Kety sorrindo bobamente.

— Oi, Paloma. Tudo bem? — saldou ele gentilmente.

Envergonhada, apenas fiz que sim.

— Ótimo! — disse Pedro, abrindo a porta do carro para nós duas. — Vamos logo para a pizzaria comemorar a vitória de hoje!

Em seguida entrou no carro e deu partida.

Dentro do carro tocava uma música animada que Kety cantava com o pai.

— Canta junto — pediu ela.

— Ah, eu não gosto de cantar — disse acanhada.

— Ora, que bobagem. Kety e eu parecemos duas taquaras rachadas e estamos aqui nos divertindo — disse o homem olhando para a estrada.

— É que ela não canta, ela desenha — afirmou Kety.

— Se os desenhos dela forem melhores que nossa cantoria já é grande coisa — disse Pedro, divertido.

— Tenho certeza que é — disse Kety, sorrindo.

Kety olhou para mim e sorriu amavelmente, sem me dar conta, olhei para seus olhos e vi o mesmo verde intenso que via nas minhas vidas passadas e sentia tanto amor. Sabia que era hora de me deixar levar por meus sentimentos, não havia mais motivos para negar. Mas claro, não forçaria nada, as coisas têm que acontecer naturalmente, assim como sempre foi.

Enquanto estava imersa nesses pensamentos, nem me dei conta que Kety havia posto sua mão sobre a minha no banco de couro do carro. Não ousei mexer um músculo do meu braço direito, apenas olhei para ela e retribui o sorriso que ela possuía.

Quando chegamos na pizzaria. Kety foi recebida na fachada como uma estrela do cinema por seus amigos, Leandro, Felipe e a nojenta da Eduarda.

Quando olhei para aquela cara de ranço, senti o sangue ferver em meu rosto. Mas eu não faria nada, não valia a pena discutir com aquela garota, além do mais que não queria estragar o ótimo dia que Kety estava tendo.

— O que é isso, uma festa surpresa? — perguntou Kety, feliz em ver que estavam todos lá.

— Pode se dizer que sim, você merece, mana — disse Leandro.

— Ah, vocês são uns amores — disse ela estranhando seus braços abertos para os três, assim formando um montinho de pessoas abraçadas.

Fiquei de fora sorrindo, até que Kety olhou para trás e sorriu para mim.

— Você também, vem aqui! — chamou, abrindo um espaço entre os braços para que eu entrasse.

Foi um pouco estranho estar tão próxima de gente que eu mal conhecia. Mas ao mesmo tempo foi legal, me senti acolhida.

Entramos na pizzaria e o pai da Kety havia montado as pressas uma mesa com as pizzas mais bonitas que já vi, além de cheirosas.

Todos se sentaram como se já fossem da casa e eu fui logo a trás. Kety se sentou próxima a janela e sorriu na minha direção enquanto batia sua mão na cadeira ao seu lado.

— Pode se sentar aqui, Paloma — disse ela.

Um pouco sem jeito olhei para os seus amigos, os garotos estavam animados e discutindo qual pizza devorariam primeiro. Enquanto Eduarda estava sentada do outro lado da mesa, ainda com cara de poucos amigos.

— Não precisava de tudo isso, nem é meu aniversário — disse Kety, sorrindo para todos.

— Você merece — disse Leandro. — Ninguém é mais esforçada que você.

— E comemorar com pizza grátis não é algo que deva se desperdiçar — falou Felipe.

Kety sorriu.

— Muito espertinho você, em? Pode deixar que vou falar para o pai que arrumei um para lavar a louça de hoje — disse divertida.

— Não pra tanto, Ketynha — disse Felipe sorrindo de lado.

— Hum, entendi — disse ela fingindo seriedade.

— Um brinde a Kety! — disse Eduarda levantando o copo de refrigerante.

— A melhor jogadora da cidade! — cumprimentou Leandro, também levantando seu copo.

Olhei para Kety que sorria enquanto levantava seu copo também assim como todos, incluindo eu.

— Um brinde à vitória de hoje e as que virão! — disse ela.

E todos brindaram.

Assim que a comida acabou — mais rápido do que se pode imaginar — os amigos de Kety começaram a olhar estranho para ela e eu. Eduarda por outro lado estava em silêncio e desviava o olhar.

— Bem, acho que é melhor eu ir para casa. Obrigado, Kety — disse Felipe levantando-se.

— Eu também — disse Leandro.

— E eu também — falou Eduarda.

— Ainda é tão cedo — falei.

— É que a Kety quer ficar sozinha com você — disse Eduarda, seriamente e sem nos encarar enquanto se levantava e se juntava com os meninos.

— Eduarda! — disse Kety irritada.

— Ah, já estou cansada dessa enrolação. Boa sorte.

E saiu andando para fora da pizzaria.

— O que deu nela? — perguntou Felipe.

— Deve estar com ciúmes da amiga. Coisa de menina — disse Leandro dando de ombros.

— Vai passar — disse Felipe, ainda olhando para fora. — Mas o que acha de irmos lá para casa e jogarmos vídeo game? Tenho certeza que Kety não vai se importar. — Sorriu para ela.

— Vão logo seus aproveitadores de lanche grátis — disse Kety gargalhando.

— Até amanhã, Ketynha — falaram ao mesmo tempo e se retiraram.

Quando ficamos sozinhas olhamos uma para a outra, Kety sorria e meu coração estava acelerado.

— Quer dar uma volta pela praça? — sugeriu ela.

— Ah, claro — respondi prontamente.

— Eu dei uma volta por lá hoje de manhã, as flores estão bem bonitas caso você se interesse em desenhar — disse ela, levantando-se e ficando de frente para mim.

— Não trouxe material para desenhar — lamentei ainda sentada.

— Isso é o de menos, tenho bastante lápis de cor e todo o resto lá no meu quarto — disse sorridente apontando para uma escada mais nos fundos do restaurante. — Quer ir lá buscar comigo?

— Claro — aceitei rapidamente, me levantando e a seguindo até a escada.

Me sentia mais nervosa a cada passo, pois aquilo me lembrou da noite em que Kate entrou no quarto de Paloma. Talvez eu estivesse me preocupando de mais, afinal, aquele dia eu estava disposta a não renegar mais meu amor por ela.

Subimos as escadas e andamos por um corredor escuro até Kety abrir uma das portas.

— Pode entrar — disse ela, já lá dentro.

Seu quarto era muito bonito, paredes pintadas de azul claro, medalhas e troféus espalhados pelas paredes, alguns ursos de pelúcia e uma estante entupida de livros.

Assim que entrei, Kety se enfiou dentro de seu guarda roupa em busca de algo. Enquanto isso eu fiquei olhando seus livros, Harry Potter, Jogos Vorazes, Fallen, Nárnia, todos os cinco livros do John Green entre muitos outros.

— Você tem bastante séries de livros aqui — comentei, andado próximo à estante.

Kety se esquivou do armário, olhou para mim e sorriu.

— Gosto de histórias que longas, sinto que assim elas ficam mais marcantes — argumentou e saiu do armário e despejou sobre a cama diversos lápis, papéis e até tinta. — Como você vê, sou uma acumuladora de material escolar. Pode pegar o que precisar.

Um pouco sem jeito me aproximei e olhei para cima da cama.

— Uma caixa de lápis de cor um lápis e uma borracha são o bastante — afirmei.

— Ok — disse ela pegando o que eu falei. — Podemos ir?

— Podemos.

Descermos rapidamente para a pizzaria e corremos para fora, atravessamos a rua e fomos para a praça.

— As flores estão logo ali — disse apontando para cima de um pequeno morro.

— Vamos lá — falei.

Kety sorriu e saímos correndo para cima.

Quando chegamos lá em cima, notei o motivo de Kety ter certa fascinação por aquele lugar. Lá havia uma grama verde bem cortada, lindos canteiros de rosas de todas as cores e no centro do jardim dois balanços.

— Podemos sentar no balanço ou perto das rosas, no chão mesmo. Como você quiser — disse ela.

— Vamos sentar na grama. Quero desenhar você e as rosas de fundo. — Me atrevi em dizer o que pensava.

— Sério? — disse surpresa. — Você não falou que sabe desenhar pessoas.

— São mais difíceis mas eu consigo. Além do mais, pessoas bonitas são mais fáceis de se desenhar.

Kety sorriu amavelmente grata pelo elogio, pegou em minha mão e me puxou até próximo as rosas, só então sentou-se na grama e eu fiz o mesmo.

— Pode começar — disse divertida, tentando fazer uma pose. — Como eu fico?

— Assim — disse eu tocando o rosto dela, ajustando de um ângulo que a valorizasse ainda mais. — Pronto.

Kety sorriu e seus olhos verdes brilharam como esmeraldas. Então tive novamente aquela estranha sensação de dejavu que eu sabia bem de onde vinha.

Tentei me concentrar no desenho, tracei o formato do rosto dela com facilidade e em seguida os longos cabelos lisos. Só então desenhei sua boca, seu nariz e por último os olhos.

Olhei o resultado satisfeita.

— Deixa eu ver? — implorou ela ainda sem se mexer.

— Só quando estiver pronto — disse seriamente enquanto desenhava as rosas, o que era muito simples.

Quando o esboço estava pronto peguei os lápis cor e comecei a pintar.

— Já posso ver? — insistiu ela ainda não se mexendo.

— Ainda não pode ver o desenho, mas pode se voltar a mexer — falei concentrada, terminando de pintar a pele dela. — Me passa aquele lápis verde ali — pedi apontando para a caixa de vinte e quatro cores.

— Esse? — perguntou, me oferecendo o verde claro.

— Não, aquele que parece a cor da água do caribe, ele está meio longe — expliquei.

— Entendi — disse ela pegando o lápis que estava ao seu lado e me entregou.

Peguei o lápis e finalizei os olhos dela.

— Agora sim, está pronto. — Em minhas mãos estava um dos desenhos mais bonitos e mais rápidos que eu já fiz.

Kety pulou para o meu lado e olhou atentamente.

— Isso ficou lindo, Paloma! — elogiou amavelmente olhando para o desenho e depois para mim. — Você tem talento.

— Obrigada — falei um pouco sem jeito. — Pode ficar para você. — Ofereci a folha.

— Ah, não posso aceitar.

— Claro que pode, é um presente meu — insisti.

— Está bem — disse ela admirando o desenho depois de pega-lo. — Vou guarda-lo para sempre.

Eu apenas sorri.

— Posso te fazer uma pergunta?

— Faça.

— Faz quanto tempo que você não anda de balanço?

— Olha, faz tanto tempo que eu nem me lembro mais. Eu ainda era uma criança na última vez que posso me lembrar — respondi.

— Então será perfeito! — disse animada, levantando-se em um pulo.

— O quê?

Kety me iguinorou e andou na direção do balanço que estava atrás de nós.

— Uma das melhores coisas da vida é a sensação de andar de balanço quando você não lembra mais como é.

Kety sorriu convencida enquanto falava e em seguida sentou-se no balanço.

— Acho que me lembro como é a sensação — disse enquanto andava até ela.

— Não, não lembra não. Vai por mim, eu sei. Também fiquei anos longe desse brinquedo e quando voltei, a sensação é completamente diferente.

Eu estava de frente para ela sentada no balanço, segurando as correntes com as mãos e sorrindo como uma criança.

— Vou testar sua teoria então — disse me sentando no balanço ao seu lado.

— Se quiser eu te empurro?

— Não precisa, vamos juntas!

Então no mesmo instante pagamos impulso para trás e começamos a balançar.

Eu nunca pensei que algo tão simples poderia ser tão maravilhoso. Kety tinha razão, quando a gente cresce esquece como é a sensação de voar quando se está balançando.

Quando me dei conta estávamos ambas gargalhando alto, nos olhávamos enquanto os balanços atingiam cada vez mais impulso e altura. Os cabelos de Kety eram levados pelo vento e as vezes cobriam seu delicado rosto. Mas em todo momento, ela sorria para mim. Era estranho como todo momento ao lado dela era mágico, parecia passar mais devagar, tinha um encanto único.

E sempre tinha um fim. Assim como nosso voo nostálgico de balanço, que devido ao cansaço foi diminuindo a velocidade até que ambas estivessem apenas sentadas assim como no início.

Ficamos em silêncio por um tempo, apenas olhando uma para a outra e de vez enquanto para o jardim à frente.

— Eu gosto de você — disse Kety, me encarando depois de um tempo que parecia pensativa.

— Eu também gosto de você — disse simplesmente.

— Você não entendeu, eu gosto mesmo de você — disse um pouco acanhada .

— Eu entendi — respondi.

— Eu sei que posso estar sendo um pouco precipitada, apressada e até idiota em dizer isso depois do que aconteceu com a gente, depois de termos combinado de ser só amigas. Mas é que desde a primeira vez que te vi não sei explicar o que aconteceu comigo. Foi como se eu soubesse que você seria muito especial para mim. Eu sei, não faz sentido. Desculpe estar falando de mais é que...

— Kety — interrompi e ela me olhou atentamente. — Eu também te amo.

As vezes é difícil explicar o que nos causa tanta afeição por alguém, o motivo daquela pessoa revirar sua mente.

Kety sorriu emocionada e olhou para o céu. Um brilho em seus olhos surgiu assim como o que eu via nas regressões. Seria aquele o momento que ficaria gravado em minha consciência para toda eternidade?

— É sério isso? — perguntou ainda emocionada.

— Nunca falei tão sério na minha vida — respondi amorosamente. — Confesso que no início tentei negar a mim mesma o que sentia, isso porque eu tinha medo. Medo de aceitar que sou diferente, medo das pessoas, medo dos meus sentimentos. Mas eu aprendi que não se deve temer o amor, ainda mais os que surgem com intensidade.

— Isso foi a coisa mais linda que já ouvi — disse Kety. — Eu imaginei que depois daquele beijo você teria ficado nervosa. Por isso não fiquei brava nem nada e decidi esperar.

— Não me arrependo daquele dia. Apesar de ter ficado assustada, porque naquele dia eu descobri quem sou de verdade. E agora que me encontrei não posso te perder — falei.

— Você nunca tinha ficado com garotas, né?

— Nunca. Mas não foi isso que me fez amar você. É algo além disso tudo, me apaixonei pela pessoa que você é.

Kety sorriu mais uma vez, se levantou e andou até mim, que permaneci no balanço. Ela se ajoelhou e ficamos nos olhando.

— Também me assustei quando te conheci. Não sabia se você era uma garota como eu. Mas assim que meu olhar cruzou com o seu, senti meu coração acelerar de uma forma que nunca aconteceu. Eu estava bem, ocupada com minhas coisas. Só que a partir daquele momento não há um segundo que eu não pense em você. Não sei o que aconteceu comigo, só sei que não estava esperando me apaixonar assim — confessou ela, pegando em minhas mãos sobre o colo.

— O amor sempre atinge os distraídos — falei simplesmente.

— Então fico feliz por ter sido atingida desta forma — disse ela se levantando e aproximando seu rosto do meu. — Eu te amo.

Kety sorriu antes de tocar seus lábios delicadamente contra os meus. E dessa vez eu retribui o beijo sem medo, agora eu sabia o que queria, não havia mais aquele medo e confusão idiotas. Eu a amava, não tinha mais como negar.

Quando paramos de nos beijar, Kety afastou seu rosto a centímetros do meu e ainda de olhos fechados ela sorriu.

Rapidamente, correu até as flores, colheu uma margarida e andou até mim. Me levantarei e nos abraçamos por um tempo.

— Sei que posso estar me precipitando. Mas já que nos amamos e isso é certo. Quero te perguntar algo... você quer namorar comigo? — disse oferecendo a margarida na frente do meu rosto.

— Sim, sim — disse alegremente, peguei a rosa e a abracei fortemente.

Foi quando me lembrei do problema que existia.

— Só que tem um problema — falei ainda a abraçando.

— Qual? — perguntou ela e nos afastando e me olhando nos olhos.

— Minha família ainda não sabe disso tudo — falei sem jeito. — Por isso é melhor mantermos segredo até eu conseguir falar sobre nosso namoro para a minha mãe.

— Tudo bem, meu amor — disse ela. — Eu sei bem como esse momento é difícil, vou esperar o tempo que for preciso. O importante é que estamos juntas.

Sorri e a abracei novamente. Senti meu coração mais leve, não havia mais aquela angústia dentro de mim. Finalmente me sentia livre. É melhor não lutar contra o destino quando o amor é mais forte.

— Se depender de mim nosso amor vai durar para sempre — disse Kety acariciando meus cabelos.

— Eu sei que nosso amor vai durar toda eternidade — afirmei sorrindo e a abraçando mais forte.

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Comments

Adriana Maria

Adriana Maria

que lindo o amor dessas duas

2024-05-16

1

Maria Do Carmo Andrade

Maria Do Carmo Andrade

lindo amei 💖😍

2024-05-05

1

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