Capítulo 6 A Decisão

Segunda-feira, cheguei na escola e encontrei Vitória e Rafael conversando em um canto próximo ao refeitório. É estranho ter a sensação de que palavras estão engasgadas na garganta. Ter algo extremamente pessoal para contar, mas não ter certeza se o receptor irá aceitar a notícia como esperamos. Eu sentia que tinha que contar para alguém sobre ter beijado Kety e a única pessoa que me parecia confiável era Vitória, afinal nós éramos melhores amigas. Porém, eu tinha medo, não que eu pensasse que Vitória fosse espalhar para a escola inteira, longe disso. Meu medo era que ela repugnasse aquilo e que não me quisesse por perto por eu ter escondido o possível fato de ser lésbica. Mas que loucura! Eu não sou isso! Corrigi mentalmente.

— Oi, amiga. Está tudo bem? — perguntou Vitória assim que me aproximei dos dois.

— Sim, sim — respondi rapidamente.

— Você está estranha, aconteceu alguma coisa? — observou Rafael.

— Estou ótima — afirmei tentando melhorar meu humor.

Segurei a alça da minha mochila marrom e olhei na direção da sala de aula, onde a professora já entrava com a turma.

Passei o resto da aula em silêncio. Não consegui prestar atenção na matéria que a professora passava, pois minha mente estava distante. Estava naquela tarde úmida de sábado, quando Kety e eu andamos de bicicleta na estrada de chão rodeada pela floresta daquela cidade rodeada por morros. Ainda ouvia o som dos nossos passos quebrando os galhos quando andávamos na trilha na direção da cachoeira. Lembrava do som da queda d’água enquanto os olhos verdes de Kety se aproximavam lentamente de mim. Lembrava do toque suave dos seus lábios e me sentia mal por me lembrar de ter fugido de tudo aquilo. Ela não merecia. Foi culpa minha. De alguma forma, sem querer acabei dando esperanças a ela.

— O que você tem? — perguntou Vitória, preocupada.

Vitória estava na classe ao meu lado e eu na parede fria. Quando olhei na sua direção, no outro lado da sala estava Kety. Percebi que ela olhava tristemente na minha direção. Quando a olhei, ela virou o rosto para o lado contrário.

— Estou bem — afirmei engolindo em seco, e Olhando para as minhas mãos sobre a mesa escolar.

— Você não me engana, Paloma — rebateu ela. — Me conte o que está acontecendo com você. Somos amigas, pode confiar em mim.

— Você já fez algo que nunca pensou que faria? — perguntei finalmente a encarando.

— Ah, não sei — disse surpresa. — Acho que uma vez disse que não comeria mais de uma fatia de um bolo que minha mãe fez, porque estava de dieta. Mas até o final do dia já havia devorado o bolo inteiro — disse divertida.

— Não é sobre isso que estou me referindo. Você já fez ou sentiu algo por alguém que seria algo proibido ou totalmente fora do que você imaginava? — perguntei um pouco nervosa.

— Espera? Você ficou com alguém? — perguntou energicamente.

— Pode se dizer que sim — disse rapidamente. — Mas foi um erro!

— E quem foi? —perguntou preocupada.

— Não importa — respondi desviando o olhar.

— Foi o Rafael? — perguntou com a voz baixa.

— Não, não foi o Rafael. Você pode ficar tranquila quanto a isso — respondi irritada.

Notei que Vitória ficou aliviada.

— Pode me dizer amiga, talvez eu possa ajudar.

Coloquei os cotovelos sobre a mesa e cobri meu rosto com as mãos.

— Acho que ninguém pode me ajudar — choraminguei.

— Talvez se você me contar o que aconteceu — insistiu ela, colocando sua mão em meu ombro.

Já que você quer tanto saber, vou te contar! — Tirei as mãos do rosto e olhei seriamente para Vitória. — Só que você tem que me prometer que não vai contar para ninguém. Nem mesmo o Rafael.

— Está bem — disse eufórica.

— Chega perto que ninguém pode ouvir — chamei.

Vitória aproximou seu ouvido para que eu pudesse sussurrar.

— Sábado eu saí com a Kety, nós comemos pizza no restaurante do pai dela. Depois andamos de bicicleta até a cachoeira. Lá nós conversamos e nos beijamos.

— Como se beijaram? — perguntou surpresa.

— Do mesmo jeito que você quer beijar o Rafael — admiti.

— E você gostou?

— Fala baixo — repreendi.

— Está bem — murmurou ela. — Você gostou?

— Não sei. Sei lá. Não foi o pior beijo da minha vida — admiti.

— Por que não tinha me contado antes?

— Contado o quê?

— Agora faz sentido você querer o Henrique bem longe. Você gosta de meninas, Paloma. Por que não percebi antes — disse ela.

— Que bobagem! Eu não sou lésbica. Aquilo foi um erro, Não vai acontecer de novo — murmurei.

— E como você e a Kety vão ficar agora? Porque é normal ficar um clima estranho depois de um beijo romântico desses.

— Não sei, acho que ela deve estar brava comigo — comentei.

— E como você pode ter certeza?

— Digamos que eu fui bem grosseria com ela. — Torci o lábio. — Depois do beijo eu meio que sai correndo e a deixei para trás.

— Nossa! Que merda — disse sem jeito. — Isso deve ter sido muito ruim para ela. Você foi muito insensível.

— Eu sei — concordei. — Eu não queria isso, sabe? Queria que Kety e eu fôssemos amigas. Mas acho que ela confundiu as coisas.

— Entendo — disse pensativa. — E como vai ser agora? Vão esquecer o beijo e agir normalmente ou vai ficar um clima estranho?

— Acho que o melhor é que uma fiquei distante da outra. Assim ninguém sai machucado — respondi olhando para Kety do outro lado da sala. Ela parecia triste.

Durante toda aquela tarde, esbarrei com Kety enquanto andava pelo pátio com Vitória e Rafael. Assim que me viu, Kety sorriu e nos cumprimentou. Fiquei extremamente nervosa e constrangida. Não consegui encara-la e pensei que ela percebeu que as coisas haviam mudado de certa forma entre nós.

Depois de ter nos cumprimentado, Kety seguiu seu caminho acompanhada por seus três amigos, uma garota loira e dois meninos altos. E meus amigos e eu fizemos o mesmo. Vitória havia percebido a forma como me comportei, por isso não fiz nenhuma pergunta, era melhor que Rafael não soubesse do que havia acontecido.

Enquanto nos afastávamos, olhei de relance para trás e vi que Kety fazia o mesmo. Seu olhar triste cruzou com o meu e aquilo partiu meu coração.

Durante aquela semana, não houve um dia sequer que Kety e eu não trocássemos olhares distantes. Eu não tinha coragem de ir até ela e me desculpar, mesmo que minha consciência gritasse que aquilo era o certo a se fazer. Kety também começou a me evitar, mesmo que ela estivesse por toda parte. Sabia que estávamos distantes. Tudo que eu queria era ser mais corajosa e poder explicar que ela não tudo foi culpa minha, eu devia ter a confundido. Não queria magoá-la.

Eu estava confusa, por um lado me sentia extremamente culpada e por outro sentia uma imensa falta de Kety. Eu a via na sala de aula, conversando com seus amigos e sentia que queria estar ao seu lado, também sorrindo por conta de suas piadas. Mas aquilo era impossível, eu havia posto um abismo entre nós.

Kety com toda certeza pensava que eu era uma idiota, e ela tinha razão. Eu queria tanto que tudo fosse diferente, queria poder mudar as coisas, queria não sentir aquilo, queria me arrepender daquele beijo. Mas parecia impossível. E isso me atormentava dia e noite.

Na sexta-feira eu já estava no ápice do meu desespero. Não suportava mais continuar com tanta confusão dentro de mim. Mas não podia fazer nada, apenas me sentia mal.

— Ainda está pensando sobre aquilo? — perguntou Vitória, dentro da sala de aula.

— Sim — suspirei.

— Já pensou em ir falar com ela? Pode te deixar melhor. Eu acho — sugeriu.

— Não vai adiantar, eu estraguei tudo a partir do momento que sai correndo e a deixei sozinha naquela cachoeira — respondi tristemente.

— Engraçado você se importar tanto assim — disse pensativa. — Quer dizer... se o beijo não teve nenhum significado. Qual é o sentido de evitar a Kety?. Se fosse um engano você poderia simplesmente ir falar com ela, Tenho certeza que ela entenderia e te trataria da mesma forma — explicou ela.

Apenas suspirei impaciente.

— A menos — disse surpresa. — Que esse beijo teve mesmo significado algo para você.

— Tanto faz — murmurei.

— Não acredito! — berrou ela, mas logo se conteve pois todos olharam na nossa direção. — Você se apaixonou por ela — afirmou em voz baixa.

— Não sei, Estou confusa. — respondi impaciente.

— Agora tudo faz sentido, você está a evitando porque não consegue parar de pensar nela.

— Isso é um pesadelo — reclamei.

— O amor nunca será um pesadelo — rebateu Vitória.

— Eu não entendo o que aconteceu comigo. Já nem me reconheço mais — afirmei. — Eu não queria ter fugido daquela forma, não queria ter parado de falar com ela. Mas é melhor assim. Você não entende? Eu não posso ser quem ela precisa que eu seja.

— Talvez ela só queria que você fosse você mesma — sugeriu Vitória.

— Eu não queria estar sentindo isso — reclamei.

— Tentar reprimir é pior. Talvez isso que você sinta seja você de verdade.

— Eu não sou lésbica — afirmei.

— Não tem nada de errado em amar — disse Vitória.

— Eu não disse que a amo. Só estou confusa.

Vitória ficou em silêncio por alguns minutos, até voltar com uma conversa estranha.

— Já pensou que isso que você esteja sentindo por ela possa ser algo que venha de outra vida?

— Que bobagem.

— Não, não é uma bobagem. Alguma vez na sua vida você já se sentiu assim em relação a outra pessoa?

— Não.

— E se eu te dizer que em outras vidas os gêneros não importam. Na sua vida passada você pode ter sido um homem, uma mulher. Isso não importa. Os sexos são apenas uma casca. E Kety poderia estar lá, como um homem e você uma mulher, ou ao contrário ou com o mesmo sexo que o seu. Isso não importa. A verdade é que todos os que realmente importam na sua vida presente, estavam nas passadas também — disse energética.

— Está insinuando que nas minhas vidas passadas eu era apaixonada ou apaixonado pela Kety? Que nós somos uma espécie de almas gêmeas? — perguntei com desdém.

— Sim — afirmou ela.

— Que bobagem. — Revirei os olhos.

— Você não queria entender por que se sente tão atormentada depois de ter a beijado? — murmurou.

— Me sinto assim porque foi um erro.

— Se foi um erro, por que você se martiriza por ter gostado?

— Não sei, Talvez eu seja idiota. Só estou confusa. Vai passar.

— E se você pudesse entender porque se sente assim em relação a ela?

— Onde você está querendo chegar? — indaguei.

— Ah, Paloma. Eu já vi muito isso no consultório da minha mãe — disse sorrindo convencida. — Pessoas com sentimentos confusos tentando se entender por meio de suas vidas passadas. E todas afirmaram que funciona.

— Lá vem você com essa de novo — desdenhei. — Já falei que tenho medo.

— Não precisa ter medo. Pode acreditar que eu fiz umas vezes e foi sem dúvida algo incrível. Tenho certeza que você vai gostar. E ainda vai te ajudar com esse nó no peito.

— Está bem — disse impaciente. — Já que você insiste, eu aceito ser sua cobaia.

— Ótimo! — disse alegremente. — Você fica sozinha à tarde, não é?

— Sim.

— Perfeito! Segunda-feira faremos a sua primeira sessão de regressão lá na sua casa — disse Vitória, alegremente.

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