Capítulo 11 Tentativas

Pensei que seria fácil retornar minha relação de amizade com Kety. Afinal, eu sabia bem o que eu queria, sabia que era impossível eu e ela sermos mais que amigas. Mas de alguma forma eu queria ficar perto dela, ela me fazia bem. Sua voz era como ouvir uma bela melodia e sua presença me revigorada.

Na verdade, ainda estava com medo. Medo de que realmente houvesse sentimentos em mim que fossem parecidos com os das minhas “vidas passadas”. As vezes em meu quarto me pegava pensando em todo amor que Piper e Pietro foram capazes de sentir por aquele par de olhos verdes. Eu os invejava por serem capazes de sentir tudo aquilo sem sentir medo. Talvez eu fosse o problema ou a situação. Mas pensando bem para Pietro aquela situação de ambos terem o mesmo sexo não foi um problema. Então para mim também não deveria ser.

Mas eu não queria me apaixonar por ela. Ainda mais depois de presenciar todo o sofrimento de Piper e Pietro, ambos sofreram de um modo que nunca me vi passar e não sei se conseguiria suportar se algo parecido acontecesse.

Por um lado, eu compartilhava a mesma alma que eles, mas definitivamente não era a mesma pessoa. Eu não tinha toda a ousadia de Piper e nem a coragem de Pietro. Eu era um fracasso.

Queria mudar, queria ser menos tímida, principalmente perto de Kety, já que tentaríamos começar de novo. Agora sem mal entendidos. Somente amigas, nada mais do que isso. Era o melhor para as duas

Comecei aquela semana como todas as outras, cheguei cedo e fui procurar minha amiga. Subi as escadas e encontrei Vitória conversando com Rafael como sempre.

Vi meus amigos de longe e andei no corredor entupido de alunos até eles. Eu estava distraída e ainda dormido em pé quando senti de repente alguém segurando minha mão.

Assustada me virei para trás, não entendia o motivo de alguém sair puxando a mão dos outros logo tão cedo da manhã. Mas quando olhei para a pessoa que fez aquilo, meu ódio desapareceu... só um pouco.

O sorriso de Kety era contagioso, fez com que meu mau humor desaparecesse.

— Oi — disse Kety.

— Oi — respondi.

— Estou feliz que voltamos a nos falar — comentou.

— Eu também — respondi. — É muito melhor assim.

— Verdade. — Sorriu ela. — Nos vemos no intervalo?

— Não sei. Eu sempre ando com meus amigos. E tem o Rafael.

— Pois é — comentou ela. — Então vou me sentar mais perto de você na aula. Aí podemos conversar e eu também estou com saudades de trocar uma ideia com a Vitória.

Uma das minhas personalidades gritava desesperada por aquilo. Eu sabia que tê-la tão perto não era o melhor. Mas Kety não entendia isso. Não podia negar que depois daquele beijo uma forte atração surgiu entre nós. E para mim tudo ficou claro depois das sessões de regressão. Assim como ficou claro que nossa união não seria possível. Mas ali estava eu, deixando-a se aproximar mais uma vez.

Nem percebi o tempo passar, os minutos que eu passava com meus amigos no começo da aula passaram por segundos conversando com Kety, até que o sinal tocou.

Entramos na sala praticamente uma ao lado da outra. No fundo da sala Vitória tirava seus cadernos da mochila e sorria maliciosamente enquanto nos olhava.

Lá estava ela, imaginando que Kety e eu éramos dois personagens de contos de fadas.

Mas decidi não me importar com aquilo e acabar ficando vermelha.

— Então definitivamente vocês voltaram a ser amigas — comentou Vitória.

— Acho que sim. Mas só amigas — afirmei.

Me sentei ao lado de Vitória e fiquei olhando para a frente.

— Está tudo bem?

— Sim — respondi simplesmente.

— Não está nervosa com tudo isso?

— Por que eu estaria nervosa?

— Ah, sei lá. Imagino que seja um pouco difícil tentar agir como se nada tivesse acontecido entre vocês.

— Na verdade é bem fácil — afirmei.

— Ah, deve ser! — ironizou. — Ainda mais de saber que em suas vidas passadas você era apaixonada por ela.

— Ele — corregi.

— Você acha mesmo que você só sentiu tudo aquilo porque era por homens? — perguntou escandalizada.

— Acho — respondi. — Amiga, eu me conheço bem. Nunca senti atração por garotas e acho que isso não muda assim.

Vitória ficou emburrada.

— O que foi? — perguntei.

— Nada. Só esse seu pensamento é muito ridículo. Não se ofenda, por favor. Mas como eu já disse: Almas não tem gêneros e o amor vai além disso. Pensei que você já houvesse entendido depois dos soldados da Segunda Guerra.

— Sim, eu entendi. Mas eu não sou como nas minhas vidas passadas. As personalidades são completamente diferentes — rebati.

— Sabe o que você precisa?

— O quê?

— De mais algumas sessões. Tenho certeza que logo você entenderá tudo melhor — afirmou ela.

E eu não quis mais discutir. A verdade é que eu estava começando a gostar das sessões de regressão, pois além de ser algo muito legal eu ainda passava um tempo com meus amigos.

Quando bateu o sinal do intervalo. Antes mesmo que eu chegasse até a porta da sala, Kety veio até mim.

— Quer passar o intervalo comigo? — perguntou Kety. — Vou te apresentar para meus amigos. Vai ser legal!

Olhei para Vitória que assentiu.

— Pode ir com ela — disse Vitória. — Estou mesmo precisando ter uma conversa com o Rafael. — Sorriu.

Então lá estava eu, andando pela escola ao lado da garota que eu jurei me afastar, mas que por algum motivo que nem eu mesma entendia muito bem. Naquele momento estávamos tentando ser amigas depois de um beijo acidental.

Eu sabia que estava correndo o risco de confundir Kety novamente. Mas isso não iria acontecer. Tudo ficaria claro de agora em diante.

Kety nos conduziu até um lugar pouco movimento da escola. Era a frente de uma sala do terceiro andar, provavelmente a sala onde estudavam seus amigos veteranos.

Quando chegamos, fiquei um pouco envergonhada por passar no andar dos veteranos. Aqueles caras barbudos e as garotas muito mais bem afeiçoadas do que as minhas colegas. Mas Kety conseguia ser ainda mais bonita do que elas.

— Olha se não é a melhor jogadora da cidade chegando aí! — gritou um garoto barbudo que estava sentado no chão perto de mais um garoto e uma garota loira que estavam de pé.

— Isso posso ter certeza que sou eu! — respondeu Kety, andando até ele e apertando sua mão.

Eles sorriram enquanto ela cumprimentava os garotos como se fosse um deles.

Logo ela cumprimentou uma garota que estava entre eles. Ela era baixa, um pouco gordinha, pele bronzeada — o que era estranho por ali — cabelos mais curtos que o meu e pintados de loiro.

Assim que me viu a garota parou de sorrir e me olhou dos pés à cabeça. O que me deixou um pouco incomodada. Quase perguntei para ela qual era o problema.

— Essa é a Paloma. — Kety me apresentou aos seus amigos.

— Esse são Felipe, Leandro e Eduarda.

Felipe era o barbudo loiro, magrelo e estava sentado no chão; Leandro era o mais bonito, era alto, mais forte, usava roupas pretas e seu sorriso era meio ameaçador — a barba ficava melhor nele porque combinava com seus cabelos castanhos meio cacheados.

Assim que colocaram os olhos em mim, os garotos vieram me cumprimentar. Eles eram engraçados. Senti que com o tempo era possível que fôssemos amigos também.

Depois que todos esmagaram minhas mãos, voltaram para onde estavam; Felipe sentado no chão e Leandro escorado em uma janela. Então foi a vez de Eduarda vir até mim. Ela veio me dar um beijo no rosto, mas senti que foi bem forçado.

— Essa é a Eduarda, minha melhor amiga — disse Kety, sorrindo.

— É um prazer te conhecer — falei.

— Para mim também — disse Eduarda sorrindo.

— Não sei vocês, mas eu corri demais final de semana. Minhas pernas precisam de sua preguiça semanal — disse Kety se sentando no chão ao lado de Felipe.

— Elas não estariam doendo se você treinasse mais vezes durante a semana — disse Leandro.

— Eu jogo futebol por prazer. Vocês jogam porque querem viver disso — afirmou Kety. — Ou seja, eu mando nos meus hobbies.

E os garotos riram.

— E você, Paloma? Tem algum hobbie? — perguntou Felipe.

— Hum, no meu tempo livre eu desenho algumas caricaturas. Pelo menos eu fazia isso, agora parei um pouco — respondi.

— Tenho certeza que são lindas caricaturas — disse Kety.

— E você consegue desenhar qualquer pessoa? — perguntou Leandro.

— Pessoas bonitas são as mais fáceis — brinquei olhando para ele.

E todos começaram a rir.

— Você faz uma caricatura minha? Por favor! — implorou Kety.

— Claro, só me mandar uma foto sua. Eu estou um pouco sem pratica. Mas tenho certeza que vai ficar boa — falei.

— Aí você mostra para a gente, amiga — disse Eduarda. — Se ficar boa, você faz uma minha também?

— Claro — respondi.

Não sei se foi impressão minha, mas eu senti um pouco de veneno naquela frase.

— Vocês vão ficar de pé aí? — Kety perguntou para Eduarda, Leandro e eu.

Havia um lugar vago ao lado de Kety, ela mesma me olhava como se quisesse dizer que aquele deveria ser meu lugar. Mas antes que eu pudesse me sentar, Eduarda correu na minha frente e se sentou ao lado de Kety.

Não me deixei abalar por isso, e me sentei no meio dos garotos.

Passámos o intervalo conversado, os garotos perguntaram sobre como era a minha vida até chegar naquela cidade, como era viver na capital. E quando já tinham todas as respostas começaram a falar de futebol com a Kety.

— Sábado eu vou jogar no clube — disse Kety. — Quer ir, Paloma?

— Eu adoraria.

— Você não joga? — perguntou Eduarda.

— Só posso dizer que futebol não é meu forte — respondi.

— Então só vai olhar mesmo. Porque eu e a Kety vamos acabar com aquelas garotas — disse ela sorrindo para Kety.

— Isso mesmo, amiga.

Naquele momento tive a sensação que estava sobrando, embora eles tentassem me manter incluída na conversa. Eu sentia que estava sobrando por aquilo ser algo que não estava presente na minha realidade, não me sentia confortável por ser a única ali que não era louca por futebol. Mas eles não tinham culpa por ser diferente, eram pessoas legais. Que eu gostaria de conhecer melhor. E sim, sábado eu iria ver o jogo e talvez levar a Marta e a Amanda.

Mas como nada na vida tem que ser perfeito. Durante aquele pouco tempo de intervalo, senti uma certa antipatia da melhor amiga de Kety.

— Como assim vocês não se deram bem? — perguntou Vitória, quando estávamos dentro da sala depois do intervalo.

Kety estava do outro lado da sala, conversando com outras meninas, que eu havia visto no clube jogando futebol com ela. Então falei baixo para Vitória.

— De cara já não simpatizei com aquela garota com cara de sonsa. E ela fala umas coisas venenosas ao mesmo tempo que faz cara de boazinha. Não sei como a Kety não vê — falei.

Não que ela não fosse simpática comigo. Mas tinha algo nela que eu não sabia explicar. Era como se eu não sentisse verdade nela, como se fosse uma pessoa forçada.

— Eu te entendo perfeitamente. Também não gosto dela — disse Vitória. — E fico surpresa por logo de cara você também não gostar dela.

— Talvez seja algum tipo de conexão de amigas que nós temos — sugeri divertida.

— Isso! A inimiga da sua amiga também é sua inimiga. Mas mesmo assim, você não gostar dela logo de cara me deixou orgulhosa — disse Vitória.

— Ela te fez alguma coisa? — perguntei.

— Nada de mais — respondeu. — Só tentou ficar com o Rafael, mas como ele não deu bola ela se vingou em mim.

— O que ela fez?

— Jogou todos contra mim. Mas isso faz muito tempo e eu não perdi muita coisa. E eu quero que aquela vadia mentirosa continuei bem longe de mim.

— Nossa! — comentei.

— Eu não acredito como uma garota tão legal como a Kety ainda não tenha percebido a cobra que a Eduarda é — disse Vitória.

— Pois é.

— Um concelho, amiga. Cuidado com ela — alertou.

— Vou tomar cuidado — respondi. — E como foi com o Rafael?

— A mesma coisa de sempre. Ficamos andando por aí. Ele falou do trabalho, do curso e sobre querer fazer uma sessão de regressão.

— Eu não sei qual é o problema! — falei. — Se ele fingir ou realmente não percebe que vocês seriam um casal perfeito.

— Nem me fale. Já estamos a anos assim. Espero que a sessão de regressão ajude.

— Seria bom se ele visse vocês dois, nos anos 20, casados e com uma família feliz.

— Deus te ouça, amiga! — exclamou ela.

Sorri.

— Falando nisso quando podemos marcar a minha próxima sessão? — perguntei.

Vitória ficou calada e pensativa por alguns segundos.

— Hoje, terça e quarta vou ter que passar as tardes em casa porque estamos em obra. Vou pintar meu quarto de lilás — disse ela. — E sexta-feira eu marquei de fazer uma regressão com o Rafael... na casa dele.

— Ui,ui! — Bati no ombro dela. — Vou passar a tarde toda torcendo por vocês.

— Então só tenho quinta, sexta-feira e o sábado livres, pode ser um desses dias? — disfarçou.

— Pode ser quinta-feira, porque no sábado a Kety me convidou para ir ver ela jogando. Estou pensando em levar a minha mãe e a minha irmãzinha. Quer ir me fazer companhia também?

— Claro que eu vou, Paloma! — disse alegremente. — Vamos torcer muito para sua musa dos olhos verdes.

Vitória falou um pouco alto de mais como de costume. O que me fez pensar que talvez Kety houvesse escutado. Olhei para o outro lado da sala e Kety estava distraída conversado com as garotas de seu time de futebol.

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