Capítulo 10 Ainda Confusa

— Paloma, você está bem? — Ouvi Vitória perguntar.

Continuei olhando para o teto de casa, ainda estava em choque depois de ter visto tudo aquilo. Era tanto sofrimento e ao mesmo tempo tanto amor. Meu peito doía só de pensar.

— Paloma? — repetiu ela.

Me sentei no sofá e esfreguei as mãos no rosto. Fiquei surpresa em ver que elas ficaram encharcadas. Não me lembrava de ter chorado.

Fiquei olhando minhas mãos molhadas sem entender o que havia acontecido, pois Pietro havia chorado a morte de seu amado. Mas eu não chegaria a esse ponto, estava apenas assistindo ou vivendo aquelas emoções?

Vitória e Rafael ainda estavam sentados um do lado do outro no sofá pequeno. Rafael parecia deprimido olhando para o chão e Vitória secava as últimas lágrimas.

— O que aconteceu? Por que vocês estão assim? — perguntei.

— Que história triste, cara — comentou Rafael.

— Como você sabe o que aconteceu? — perguntei surpresa.

— Enquanto você ficava aí a Vitória perguntava o que estava acontecendo — respondeu ele.

— Então... vocês ouviram tudo? — Fiquei constrangida.

— Sim — respondeu Vitória. — E está história foi a mais triste que já ouvi.

— Espera aí... deixa eu ver se eu entendi — disse Rafael. — Você era o tal do Pietro e a Kety era o outro cara, e vocês se amavam. Está rolando alguma coisa que eu não estou sabendo?

Vitória e eu nos olhamos e ela tentou disfarçar.

Suspirei.

— Você sabe guardar segredos? — perguntei a Rafael.

— Sei — respondeu simplesmente.

— Kety apareceu na minha primeira sessão de regressão. E como nesta, nós nos gostávamos — disse timidamente.

— Nossa! Isso explica muita coisa — observou ele.

— E não para por aí — disse Vitória, ainda mantendo sua postura de terapeuta. — Não é a primeira vez que sua vida passada mostra o momento que você morre. E ainda tem a coincidência de que em ambas, a pessoa que era a Kety praticamente morreu em seus braços. Isso é curioso.

— Sim — concordei. — Deve ser um sinal para que eu fiquei longe dela.

— Ou talvez suas vidas passadas estão de mostrando que você deve tentar mudar algo. Para que não tenham mais finais trágicos — comentou ela.

— Melhor jeito que posso evitar uma possível tragédia é evitar a própria Kety. Já que é a segunda vez que vejo um homem que eu amava morrendo por minha culpa — disse impaciente.

— Eu ouvi bem? — disse Rafael. — Já é a segunda vez que você a vê como homem? Isso é normal Vitória?

— Almas não tem gênero, Rafael. Assim como você é homem agora na sua vida passada poderia ser mulher. Por exemplo a Paloma, na primeira sessão ela se viu como uma garota e agora um garoto. E mesmo assim amava a mesma alma.

— Que foi homem as duas vezes. E Kety é uma garota agora. — Cruzei os braços e desvie o olhar.

— O que você está querendo dizer? — indagou Vitória. — Que você amava aquelas pessoas só porque eram homens e não pode gostar dela agora porque é mulher? Que ridículo, Paloma! Você acabou de se ver como um homem que amava outro homem. Isso não foi o suficiente para você entender?!

— É verdade — disse Rafael.

— Eu não sei, tá legal? Estou cansada de você ficar insinuando que ela é minha alma gêmea. Quando tudo que eu vi foi tragédia e sofrimento. Isso já não é o suficiente para eu manter distância dela?

— Isso é verdade também. — Rafael olhou para Vitória. Que parecia incomodada.

— E você vai jogar fora a chance de sentir todo o amor que suas vidas passadas sentiram?

— Só quero evitar sentir a dor que eles sentiram.

— Lamento te informar, Paloma — disse se levantando e pegando a bolsa. — Mas até mesmo essa solidão que você se impõe para evitar sofrimento vai te causar sofrimento. Você quer mesmo passar o resto da vida pensando no deixou de viver por medo?

Fiquei sem palavras, e envergonhada voltei a me sentar.

— Acho melhor vocês irem embora. Eu tenho que arrumar tudo isso antes da minha mãe chegar.

— Está bem, nós vamos — disse Vitória andado até mim e colocando sua mão sobre meu ombro. — Amanhã a gente conversa melhor sobre isso. Até!

E saiu pela porta.

Rafael veio até mim e sorriu amavelmente.

— Eu adorei vir aqui — disse ele. — O bolo estava ótimo. — Então Rafael se abaixou e tentou fazer com que eu o olhasse. — Ei, Paloma. Não fica assim. Logo você vai saber o que fazer. E adivinha? Eu vou estar aqui para te apoiar. — Se levantou. — Pode mandar mensagem mais tarde se precisar conversar. Tchau!

E seguiu o mesmo caminho que Vitória. Fui até eles e os vi pegando as bicicletas. Abri o portão e me despedi. Vitória e eu ainda estávamos um pouco irritadas. Mas eu sabia que isso logo iria passar.

Voltei para dentro de casa e fiz uma faxina para tirar qualquer vestígio de que havia recebido visitantes. Era melhor que Marta não soubesse que estava recebendo pessoas em casa. Não que ela não permitisse. Na verdade ela iria adorar saber. Iria gostar tanto que iria querer saber quem eram eles e os chamaria para conhecer pessoalmente meus novos amigos, o que seria constrangedor.

Depois que arrumei tudo fui até meu quarto e me atirei na cama. Peguei o celular e olhei a hora. 5:27. As seis minha mãe chegava, fazia o jantar e nós íamos para a cama. Sempre à mesma rotina.

Fiquei encarando o teto enquanto começava a me lembrar do que havia visto na sessão de regressão daquele dia. Vitória estava certa, como Piper o amor que Pietro sentia era muito forte. O tipo de amor que as pessoas falam tanto, que todos sonham em sentir. Era maravilhoso, não posso negar. Mas nas duas vidas que presenciei, vi tanto sofrimento que me questionei se valia mesmo a pena amar daquela forma.

Era estranho pensar que aqueles dois homens maravilhosos que eu pude sentir tanto amor agora era Kety. Eu mal a conhecia e mesmo assim ficava extremamente nervosa perto dela. Naquele momento eu entendia, as regressões me mostraram o porquê. Mas tudo era diferente, os tempos, as pessoas, eu mesma, ela...

Pensando melhor eu não tinha medo da possibilidade de ama-la. Tinha medo da reação das outras pessoas, da minha mãe, da minha irmãzinha e toda minha família.

Eles não seriam como Vitória que achava tudo lindo. Na verdade, seria bem difícil para mim e para Kety também, pois ninguém estava esperando aquilo de mim, nem eu mesma.

Acho que era isso que me assustava. Ter sido pega de surpresa por aqueles sentimentos. Que assim como Pietro eu estava tentando reprimir. Mesmo que fosse impossível.

No dia seguinte, cheguei na escola, subi as escadas e encontrei meus amigos conversando próximos a porta da sala de aula. De longe vi que os dois estavam de bom humor. Vitória sorria de algo que Rafael havia dito. Bom humor significava que ela não estava brava comigo.

— Oi — disse quando me aproximei.

— Oi — disse Rafael, me recebendo com nosso soquinho de mãos matinal.

— Oi, você está bem, amiga? — perguntou Vitória amavelmente.

Dei graças a Deus! Tudo que eu não queria era ficar de mal com a única amiga que eu tinha.

— Sim, estou bem. E você? — respondi.

— Eu estou ótima, mas isso não importa — disse rapidamente. — Você pensou sobre aquela nossa conversa de ontem?

Passei a mão nos cabelos e desvie o olhar timidamente. Não queria falar sobre aquele assunto logo tão cedo da manhã.

— Claro que eu pensei — respondi.

— E? — insistiu ela.

— O quê?

Não entendi.

— Você já tomou uma decisão? — perguntou ela.

— Ainda não sei o que fazer. Acho que por enquanto vou ficar na minha. É muita informação para processar, preciso de tempo — afirmei.

Vitória não aceitou minha resposta e logo veio sugerir algo. Mas foi interrompida por Rafael.

— Ela tem razão, Vitória — disse enquanto segurava os ombros dela. — Se fosse comigo eu também ia querer um tempo para pensar. As coisas devem ser difíceis para ela. Imagina se você soubesse que a pessoa que você amou nas suas vidas passadas está por perto. Eu não sei você, mas eu ficaria nervosa pra caramba! — Ele sorriu para nós duas.

E o sinal tocou.

Rafael se despediu e saiu andando pelo corredor em direção a sua sala, que ficava do outro lado da escola.

— Ele pensa que eu não entendo — disse Vitória, o olhando enquanto se afastava. — Mas sempre foi ele quem eu amei. Até nas minhas vidas passadas, eu vi.

— Isso impõe uma auto pressão, né? — comentei ao lado dela.

— É como um nó na garganta — disse olhando para mim. — Vamos entrar?

Juntas andamos até a sala e assim que entramos dei de frente com Kety.

Nunca senti tanto nervosismo na minha vida até aquele momento.

— Oi, Paloma — disse Kety, um pouco envergonhada também.

Eu queria entender o que aquela garota tinha que me deixava sem ar quando eu a tinha por perto. Mesmo de calça jeans e moletom ela era a garota mais linda que já conheci.

— Oi — respondi desviando o olhar.

Foi quando percebi que estávamos trancando o caminho.

— É melhor eu ir para o meu lugar. — Dei um passo à frente.

Kety segurou minha mão. Seu toque fez todo meu corpo se derreter como sorvete. Olhei para trás e ela sorriu brevemente.

— Eu preciso conversar com você. Temos que falar sobre aquilo que aconteceu. Podemos conversar no intervalo, se você não se importar?

— Ah, claro — assenti.

Kety soltou minha mão e eu andei até minha mesa.

Vitória já estava sentada e provavelmente havia visto tudo.

— O que ela queria?

— Quer conversar comigo no intervalo — respondi enquanto me sentava.

— Imaginei que fosse isso — disse Vitória olhando para o outro lado da sala. — Já está mesmo na hora de vocês se acertarem. E principalmente. — Sorriu. — Está na hora de você parar de evita-la.

Os minutos passam mais rápido quando queremos que algo demore. E assim foi com o horário até chegar a hora do intervalo. Nunca pensei que uma aula de história poderia passar tão rápido.

Quando deu o sinal. Toda a turma foi para fora da sala. Em meio a multidão de alunos aglomerados nos corredores, procurei por Kety. Pensei que ela fosse me esperar, mas já que a perdi de vista pensei que ela quisesse conversar lá fora, em um lugar mais privado.

Enquanto descíamos as escadas eu mordia meus lábios e esfregava minhas mãos. Era mais uma manhã fria e úmida, que deixava aquela escola com uma sensação mais mórbida do que o normal. O frio era suportável e quando cheguei no andar de baixo pude sentir as gotículas da fraca chuva que passavam pelo portão que dava acesso aos fundos.

— O que você tem? — perguntou Vitória.

— Estou nervosa — admiti.

— Entendo, mas tenta ficar tranquila. Vocês só vão conversar e finalmente acabar com essa distância idiota.

— Você sabe que não é tão simples assim. Muito menos agora que... — Não consegui terminar a frase.

— Que você sabe que ela é meio que o amor da sua vida — completou Vitória.

— Eu ia dizer que o que eu vi nas regressões deixou minha tudo mais estranho entre nós duas — afirmei.

— Nada a ver. Isso deveria até deixar as coisas mais simples. Agora que você sabe que é inevitável tentar impedir o que você sente.

— Eu não sinto nada — completei.

— Ok, então já que você não sente nada não deveria ficar assim tão nervosa.

— Você tem razão. É melhor resolvermos isto logo. É uma merda ter que viver evitando alguém — afirmei enquanto olhava para os lados a procura de Kety.

— Também não precisa ser grossa com ela — disse Vitória. — Tudo o que ela fez foi gostar de você.

— Prometo que serei gentil — disse ainda olhando para os lados.

Talvez aquilo fosse mesmo o melhor a se fazer. Conversar e acabar com aquele mal entendido. E talvez retomar uma boa relação com Kety, nada muito íntimo ao mesmo tempo que nada muito pessoal. Uma relação de conhecidos, colegas.

— Talvez ela esteja lá fora — comentou Vitória.

— Na chuva? — indaguei incrédula.

— É só mais uma chuva fraca de junho, e lá nos fundos tem uma árvore que não chove de baixo.

— Então é lá que eu vou.

— Então vocês estão aí! — Ouvi Rafael se aproximando.

— Por que não vieram me encontrar no lugar de sempre hoje? — indagou ele.

— A Paloma tem que resolver umas coisas — respondeu Vitória.

— Tipo o quê? — perguntou ele.

Vitória somente olhou na direção da amoreira.

— Ah, tá — comentou Rafael. — Está na hora de vocês resolverem isso mesmo. Ainda mais agora que você sabe que seu destino está entrelaçado ao dela — disse bobamente enquanto tocava meu ombro.

— Vocês fantasiam de mais — comentei. — Só vamos conversar e eu quero que tudo isso acabe logo.

— É impossível desviar do amor — disse Rafael como se estivesse representando uma peça de teatro.

— Ok, já me cansei — disse. — Vou lá falar com ela, já volto.

E me retirei.

Andei até o portão e saí desviando das poças e não me importando com a chuva. Pensei que seria tudo muito simples, mas no momento que vi Kety andando de um lado para o outro debaixo de uma amoreira, senti um aperto no peito e vontade de sair correndo. Mas não era hora para bancar a medrosa. Aliás, era só uma garota, não deveria sentir medo.

Enquanto andava até ela meu coração palpitava, mas eu não deixei me levar por aquela emoção. Me manti firme. Ninguém precisava saber que eu estava a ponto de surtar.

— Oi, Paloma — disse Kety quando me aproximei.

— Oi, você está bem? — perguntei amavelmente.

— Estou sim, e você?

Estava me sentindo uma idiota.

— Precisamos conversar — disse ela.

— É, eu sei.

Kety sorriu timidamente e afastou uma mecha dos logos cabelos castanhos do rosto delicado, os respingos em seu moletom cinza mostrava que ela havia andado na chuva por um bom tempo. Seus tênis estavam embarreados, mas nada daquilo parecia tirar a alegria daqueles olhos verdes que eu notava sempre que estávamos próximas uma da outra. Quando isso acontecia sentia algo bom, uma sensação de pertencimento à alguém ou à algum lugar, era inexplicável. Mas não era para ser, não deveria sentir nada parecido por ela. Éramos perigosas uma para a outra e depois de ver minhas vidas passadas, não acreditava mais na bondade do destino.

— Sobre aquilo, queria te pedir desculpas. Eu fui uma idiota, deveria ter te perguntado antes se você queria — disse ela em voz baixa.

— Está tudo bem. Na verdade, eu também te devo desculpas. Não deveria ter fugido daquela forma, isso com certeza não te fez sentir bem — disse arrependida.

— É, não fez mesmo. — Jogou os cabelos para o lado. — Fiquei um tempão olhando para a cachoeira e me sentindo uma idiota. Eu te entendo por não querer mais nem falar comigo.

— Você não foi mais idiota que eu. Não deveria ter feito aquilo. Deveria ter explicado as coisas, não ter te magoado.

— Não estou magoada — disse ela. — Já estou acostumada com isso.

— Com o quê?

— Com a rejeição.

— Me desculpe, eu devia ter de explicado que...

Mais uma vez não consegui terminar uma frase.

— Que você não é lésbica como eu. Pois é, acontece.

— Eu lamento.

— Está tudo bem, aquilo não vai acontecer de novo.

— Me desculpe por ter evitado você. É que eu não sabia o que fazer. Pensei que você me odiasse por eu ter feito aquilo.

— Eu nunca vou odiar você — disse sorrindo.

Sorri também.

— Isso significa que podemos voltar a ser amigas? — indaguei.

— Se por você estiver tudo bem, eu adoraria — disse sorrindo.

— Sim, eu odeio ficar de mal com alguém — afirmei. — Sem ressentimentos. — Estendi minha mão.

— Sem ressentimentos. — Apertou minha mão. — Amigas?

— Amigas.

Olhei em seus olhos e senti um misto de medo e carinho. Era mais ou menos o que Piper e Pietro sentiam quando olhavam naqueles olhos verdes.

Merda! Quem eu estava tentando enganar? Estava enfeitiçada por aqueles olhos verdes encantadores.

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Comments

Maria Do Carmo Andrade

Maria Do Carmo Andrade

Paloma não tem como fugir do destino

2024-05-05

1

Jérsica Santos

Jérsica Santos

já nem tenho mais lágrimas 😢

2024-04-30

2

Trunks

Trunks

Não me faça pular de nervoso, atualiza agora! 😬

2024-04-23

3

Ver todos

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