Capítulo 8 Recentimentos

Digamos que a sessão de regressão, embora tenha sido uma das experiências mais fantásticas da minha vida, também me deixou ainda mais confusa em relação à Kety. Se na minha vida passada Kety era Kannon, e eu Piper. Isso significava que éramos certamente pessoas muito próximas e que poderia explicar porque logo quando Kety e eu nos vimos pela primeira vez já nos damos muito bem. Mas as coisas para Piper eram diferentes, sua vida era diferente. Ela não era tímida e medrosa como eu, e conhecia Kannon a mais tempo do que eu conheço Kety.

Piper o conhecia muito bem, provavelmente conversavam todos os dias enquanto andavam de mãos dadas na praia. Diferente de mim, que só conversei três vezes com Kety e depois comecei a evitá-la.

Não fazia sentido eu gostar de Kety como Piper gostava de Kannon. Piper amava muito aquele garoto, eu pude sentir. Tanto que ela estava disposta a deixar tudo por ele. Ela era uma garota muito forte e determinada, muito diferente de mim. E mesmo assim, a mesma alma assim como disse Vitória.

Terça-feira, depois daquela tarde em que fui cobaia de Vitória. Quando cheguei na escola, me deparei com a garota mais animada que poderia encontrar às oito horas da manhã em um dia nublado e frio.

— Bom dia, Paloma lindona! — disse Vitória, vindo saltitando até o portão da escola.

— Bom dia! — respondi timidamente, pois todos estavam olhando.

Vitória veio até mim e me abraçou fortemente. E eu retribuí, mesmo que estivesse praticamente sem ar.

— Você está bem? — perguntou ela, segurando meus ombros e sorrindo amigavelmente.

— Sim, estou e você?

— Eu estou maravilhosamente bem. Ontem cheguei em casa e contei sobre a sessão de regressão para a minha mãe, e ela ficou muito orgulhosa — disse maravilhada enquanto andávamos lado a lado a caminho da escola.

— E com razão, você foi muito bem. Eu ainda não acredito que vi tudo aquilo — comentei.

— E você gostou?

— Eu adorei, foi muito legal. E o mais curioso é que não foi como ver um filme, eu realmente vivi tudo aquilo — afirmei.

— Você não sabe como eu fico feliz em ouvir tudo isso — disse eufórica. — Quando você vai querer a próxima sessão?

Pensei um pouco e respondi:

— Pode ser sexta-feira.

— Perfeito! Duas sessões só essa semana, a prática vai só me deixar melhor! Tenho que contar isso para o Rafael.

— Você ainda não falou nada sobre isso para ele? — perguntei preocupada.

— Estava esperando por você — respondeu simplesmente.

Suspirei aliviada.

— É melhor, combinamos de não comentar sobre alguns detalhes do que eu vi — sugeri.

— Está falando da Kety? — indagou ela.

— Sim — afirmei. — É melhor que ninguém mais além de nós duas soubermos desta história.

— Então... — disse sem jeito. — Eu contei para a minha mãe.

Arregalei os olhos surpresa.

— Mas não se preocupe, ela não vai contar para ninguém — disse ela se esquivando. — Ela é psicóloga, sabe bem como guardar um segredo. Pode ficar tranquila, Paloma.

— Ok — disse ainda irritada. — Só que ninguém mais pode saber. Eu ainda estou muito confusa com tudo o que está acontecendo. Não consigo parar de pensar em Kety e a regressão só fez isso piorar. Mas também não tenho certeza de nada em relação a ela. Exceto que o melhor que eu posso fazer por enquanto é ficar distante. Tudo que eu não preciso neste momento é virar motivos de fofocas.

— É isto o que te preocupa? — indagou Vitória. — O que os outros irão falar de você? Vai ficar aí se reprimindo para sempre por medo de fofocas?

— Do que você está falando?

— Não se faça de desentendida — disse Vitória, se sentando em um banco dentro da escola. — Você sabe bem do que estou falando. Você tem medo de assumir que gosta da Kety de forma romântica, porque teme o que os outros irão falar. Mas você tem que entender que isso não importa, amiga. Você acha que a Piper ligou para o que os outros falam? Não! Ela foi atrás do amor dela.

— E morreu por causa disso — rebati.

— Não estou falando que você terá que fugir em uma perseguição policial com ela. — Revirou os olhos. — Só que você deve assumir o que sente.

— Mas eu ainda não sei o que sinto. Eu mal a conheço — argumentei.

— Talvez se você parasse de evitá-la. Poderia a conhecer melhor — observou ela.

— Não tenho coragem de ir falar com ela depois de ter fugido daquela forma — admiti.

Vitória se levantou e andou até mim.

— Eu posso falar com ela se você quiser. Posso dizer que você estava com pressa, tinha hora para voltar para casa e por isso teve que voltar correndo.

— Acho melhor não, ela não vai acreditar. Da mesma forma vai pensar que sou uma otária. Como já deve pensar — disse melancólica. — E falando nisso. Ontem você falou com o Henrique? Tudo que eu não quero é aquele garoto me enchendo o saco hoje — falei impaciente.

— Não se preocupe com isso. — Vitória deu um tapinha no meu ombro. — Com tudo esqueci te falar que segunda-feira à tarde minha mãe estava de folga e foi visitar uma amiga, que por sinal é a mãe do Henrique. E já que minha mãe me obrigou a ir junto, aproveitei e falei com ele sobre aquele assunto.

— E como ele ficou?

— Bem. Eu acho — respondeu ela. — Ele disse que já estava desistindo de tentar com você, porque você não liga muito para ele.

— Que bom que ele percebeu — disse sorrindo.

— Pois é — comentou Vitória sorridente também. — Já vai dar o sinal, vamos subir. O Rafael deve estar me procurando.

— E quanto à vocês — falei enquanto andávamos até as escadas. —, vão ficar nesse flerte por muito tempo?

Vitória continuou subindo as escadas de cabeça baixa. Percebi que estava pensativa.

— Ele é muito lerdo. Ou finge ser. Não sei mais o que fazer — respondeu ela. — Não quero estragar nossa amizade, sabe? Por isso estou sendo paciente. Se ele gostar de mim, um dia vai revelar.

— Entendi.

Eu poderia ter dito: Vá em frente, tome a iniciativa, não espere por ele a sua vida toda! Mas pensei que se fosse no meu caso faria a mesma coisa ou até menos.

Depois de termos subido os degraus infinitos, andamos entre a multidão de alunos até a nossa sala de aula. Logo quando chegamos, Rafael apareceu e abraçou Vitória. Só depois ele veio me cumprimentar com um tímido beijo no rosto. Pensei na forma que ele nos cumprimentou, está certo que ele conhecia Vitória por mais tempo e era normal que tivessem mais intimidade. Mas havia algo de diferente no seu olhar quando ele se cruzava com o de Vitória. Seus olhos brilhavam e os dela também. Talvez a chance que ela esperava estava mais próxima do que ela esperava.

Eu invejava aquilo de certa forma, queria que alguém me olhasse daquele jeito. Queria ser abraçada com tanta vontade, assim como Vitória era abraçada por Rafael, assim como Piper por Kannon.

Kannon... que era Kety. Queria não lembrar do seu beijo toda hora. Por que é tão difícil?

Na hora do recreio, o sol resolveu aparecer entre as nuvens e esquentar aquela cidade. Então não havia motivos para ficarmos trancafiados dentro do prédio da escola.

Lá fora, no pátio haviam bancos de madeira debaixo das árvores. E com o calor que havia secado a grama, aquele lugar estava perfeito para ser apreciado.

Vitória ficou feliz em sair para fora, pegou as mãos de Rafael e o arrastou até os bancos. Enquanto eu andava atrás, sorria da maneira como os dois agiam ambos felizes por estarem juntos.

Nos sentamos nos bancos e Vitória começou a contar sobre o sucesso que havia sido a sua primeira sessão de regressão.

— Nossa! Isso é muito legal! — exclamou Rafael. — E realmente deu certo, Paloma?

— Deu sim — respondi. — Eu mesma não acreditei quando me vi naquela praia.

— Acho que vou querer também, em Vivi — disse ele, batendo seu ombro no dela.

— Podemos fazer quando você quiser — disse sorrindo de lado.

— Menos nesta sexta-feira. — Me pronunciei. — Porque vai ser a minha segunda vez como cobaia da Vitória.

Eles sorriram.

— Já anotei na minha agenda — disse ela, ainda sorrindo.

Logo, Vitória e Rafael voltaram a conversar e eu fiquei um pouco de lado. Não porque eles me excluíram, é que às vezes eu ficava muito pensativa.

Enquanto eles falavam, fiquei observando as árvores, os galhos florescendo devido ao final do inverno. Era como se tudo começasse a ganhar vida e a emanar uma magia do começo da primavera. A grama estava mais verde e bonita e ao nosso lado o campo vazio que a escola não utilizava estava lindo.

Eu estava perdida em meus devaneios, apreciando a paisagem da escola mais bonita que já estudei. Foi quando algo desviou minha atenção.

Alguém vinha andando sozinho pelo campo. Estava distante e andava em meio algumas árvores, parecia estar fascinado por elas. À medida que se aproximou percebi que era uma garota com o uniforme da escola e cobria seu rosto com o capuz do casaco.

Continuei observando a distraída criatura enquanto Vitória e Rafael tagarelavam. Foi quando a pessoa distraída finalmente tirou o capuz da cabeça e olhou na minha direção.

Levei um susto ao ver Kety de forma tão repentina. Ela continuou parada no lugar e me olhando continuamente. Seu olhar era sério e mistério, fiquei me perguntando se ela tinha ódio ou algum tipo de rancor por mim. E acho que Vitória percebeu que eu havia levado um susto, pois ela rompeu meus devaneios com uma pergunta.

— Por que não vai lá falar com ela?

Virei meu rosto na direção dos meus amigos e ambos olhavam para Kety e em seguida para mim.

— Não acredito que vocês ainda não fizeram as pazes — resmungou Rafael. — Na verdade, não acredito que ela ficou brava com você por ser minha amiga.

— Isso elas já resolveram — respondeu Vitória.

— Então o que houve que elas estão assim? — indagou ele.

Vitória me olhou assustada e eu assenti.

— Nós nos beijamos — respondi seriamente.

— O quê? — perguntou ele com a voz um pouco alta demais.

— Fica quieto, Rafael! — repreendeu Vitória.

— Como assim, mano? — indagou.

— Depois eu te conto — falei.

— Você vai falar com ela? — perguntou Vitória.

Olhei para Kety, que mesmo a uns seis metros ainda me encarava.

— Acho melhor deixar para outro dia. Quero pensar no que dizer a ela — respondi. — Vamos sair daqui, aí eu conto a história para você, Rafael. — Me levantei e fiquei de pé na frente deles.

— Como quiser — afirmou Vitória.

Saímos andando pela escola até chegar no estacionamento que era um lugar praticamente vazio. Lá contei a Rafael a história de quando Kety e eu nos beijamos na cachoeira.

— Está na cara que você gosta dela, Paloma — disse ele sorrindo.

— Você não acha isso ridículo? — perguntei timidamente.

— Claro que não! Você pensa que eu sou o quê? Um mostro? Pode confiar em mim, garota!

— Que bom. — Afastei uma mecha do cabelo e coloquei atrás da orelha.

— Eu quero sempre o melhor para os meus amigos. Principalmente para as minhas meninas — disse sorrindo para a Vitória. — E se você ama a Kety, tudo o que eu posso fazer é te apoiar.

— EU NÃO AMO ELA! PAREM DE DIZER ISSO! — gritei e sai andando furiosa.

— O que ela tem? — Ouvi Rafael perguntar.

— Deixa ela. Ainda está confusa com tudo que aconteceu — explicou Vitória.

Continuei andando e pensando no que Rafael havia dito. Era tão visível assim? Realmente parecia que eu sentia algo por aquela garota? Eu estava mesmo sentindo? Perguntei a mim mesma.

Nervosa, me sentei em uma pedra no meio do estacionamento. Coloquei as mãos no rosto enquanto meus cotovelos tocavam meus joelhos. Eu sentia vontade de chorar, mas nenhuma lágrima saía.

Eu queria ficar sozinha e esperar tudo aquilo passar. Sei que estava parecendo uma criança mimada que não suporta ser contrariada. Mas a verdade é que eu não suportava mais as pessoas decidindo por mim o que eu sentia. Eu não sabia se amava Kety. Não fazia ideia do que sentia por ela além de remorso. Eu queria pedir perdão a ela e que voltássemos a ser amigas. Mas as pessoas confundiram tudo.

Uma brisa fria soprava meus cabelos e eu me arrependi de ter deixado a minha jaqueta dentro da sala de aula. Foi quando uma mão tocou meu ombro.

— Amiga, já vai tocar o sinal. Temos que entrar — disse Vitória.

Me levantei e não os encarei.

— Desculpa qualquer coisa — disse Rafael tristemente.

— Está tudo bem, não precisa se desculpar — falei pois era a verdade. Eu não precisava ter surtado. — Você só estava sendo gentil. Eu que surtei por nada.

Rafael assentiu.

— Vamos entrar? Agora sem ressentimentos? — disse Vitória, que em um pulo se meteu no meio de nós e entrelaçou seus braços aos nossos. — Amigos?

— Amigos — falamos Rafael e eu em uníssono enquanto nos olhávamos.

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