Capítulo 4 Confusão

Nas semanas seguintes, minha vida social na escola estava em um ponto que jamais pensei que chegaria. Eu tinha amigos que sabiam que podia contar e que não teriam que os abandonar. Em casa, tudo estava perfeito e eu estava me acostumando com a vida no interior.

Vitória e Rafael eram meus novos melhores amigos. Passávamos os recreios juntos e nas aulas Vitória falava tanto dele que de alguma forma ele estava presente também.

Eu realmente torcia para que os dois assumissem um relacionamento, mesmo que eu ficasse de vela. Não me importaria. Às vezes me pegava pensando se Vitória me convidaria para ser madrinha do casamento dos dois. Acho que sempre fui uma romântica, só não entendia isso.

A verdade é que eu sempre fugi de relacionamentos amorosos, não por medo e sim por alguns conceitos que criei sobre o amor depois de ver tantas garotas e minha mãe sofrendo por ele, por isso não corria atrás do amor. Sabia que se ele fosse acontecer comigo um dia, apareceria na hora certa.

Era uma terça-feira, quando Vitória, Rafael e eu estávamos no intervalo, sentados em um banco debaixo de uma árvore. Quando um garoto se aproximou.

— E aí, cara — saldou um deles, cumprimentando com um soco de mãos o Rafael e em seguida Vitória e eu.

Quando o garoto me cumprimentou depois de Vitória, percebi que ele tocou a minha mão de um modo diferente. E quando olhei para seu rosto ele piscou um olho. Aquilo foi estranho, embora ele fosse um cara bonito, cabelos loiros, olhos verdes, alto e magro. Mas mesmo assim, aquela piscadela me deixou sem reação.

— Como estão as coisas, Henrique? — perguntou Rafael.

— Tudo tranquilo — respondeu de pé na nossa frente. — E você como sempre bem acompanhado. — Olhou diretamente para mim, que virei o rosto para o lado.

— Elas são só minhas amigas, e não são para seu bico — disse bem humorado.

— Tudo bem. — Ele gargalhou. — Só vim te perguntar se quer jogar futebol lá no clube hoje à tarde?

— Claro, pode contar comigo! — respondeu Rafael.

— Só vê se não fura com a gente — alertou ele. — Até mais, gracinha — disse olhando para mim.

Depois que Henrique se afastou, Vitória virou-se para mim e sorriu de orelha a orelha.

— Acho que ele gostou de você — disse animada.

— Nada a ver — rebati.

— O que você acha, Rafa?

— Concordo com você, Vivi. Ele ficou interessado na Paloma — respondeu ele.

— Credo! — Cruzei os braços e joguei minhas costas para trás.

Durante o resto daquela semana, não teve um dia que Henrique não viesse me cumprimentar com um beijo no rosto. O que eu achava extremamente desnecessário.

Por outro lado, Vitória achava o máximo.

Naquela tarde em questão, Vitória insistiu que eu fosse com ela assistir o jogo dos garotos. Embora eu soubesse que a intenção dela era me aproximar do garoto chato do intervalo, aceitei, pois não tinha nada para fazer durante a tarde e seria interessante conhecer os costumes dos adolescentes da cidade.

Depois das duas, Vitória apareceu na frente de casa de bicicleta e vestindo um vestido branco curto que me fez sentir feia. Eu mal tinha penteado meus cabelos, mas mesmo assim peguei minha bicicleta e fui até ela.

— Oi, amiga! — disse animada. — Está animada para o jogo.

— Por que estaria? Eu só vou olhar — disse enquanto subia na bicicleta.

— Porque o Henrique vai estar lá — afirmou ela.

Revirei os olhos.

— Ah, não fica assim — choramingou ela.

— Está bem — afirmei. — Vamos?

Vitória assentiu e saímos andando de bicicleta pela estrada de chão. O vento acariciava nossos cabelos e eu sentia o perfume de árvores frutíferas florescendo.

— São as laranjeiras — disse ela, parecendo ouvir meus pensamentos. — Quando elas ficam maduras todos lá na escola saem para colher.

— E o dono dessas terras não se importa?

— Pelo visto não — disse olhado para frente.

Quando chegamos no clube de futebol, o que pensei que fosse apenas um campo cheio de espinhos no meio do mato, se mostrou algo quase profissional.

— Bonito, né? — Vitória me olhou curiosa.

— Sim.

— Esse clube forma futuros jogadores, praticamente todos os meninos participam.

— Legal — afirmei. — E tem um time feminino?

— Tem, mas são poucas as jogadoras. Por quê? Você sabe jogar?

— Eu sou péssima — gargalhei. — Só gosto da ideia de um time feminino. Você sabe... direitos iguais.

— Olha só! Minha amiga é uma militante feminista! Que orgulho! — disse ela, um pouco mais alto do que o normal.

E eu dei de ombros.

— Agora que já sabe onde está, já podemos nos sentar. Porque esse sol está me fazendo soar.

Andamos pela arquibancada até encontrarmos o lugar que Vitória julgava perfeito, ou seja, o mais no alto. O que me deu um pouco de medo, pois aquela arquibancada velha de madeira não me parecia muito confiável.

Ficamos olhando para o campo, onde alguns garotos pareciam estar fazendo algum tipo de aquecimento. Vitória ficou em silêncio, até o momento que Rafael entrou em campo.

— VAI LÁ, RAFA! — gritou Vitória. — ACABA COM ELES!

Enquanto ela gritava escandalosamente, eu tentava cobrir meu rosto, estavam todos a olhando.

No campo, Rafael logo ouviu Vitória e sua reação foi pular e acenar para ela. O que a fez gritar ainda mais, enquanto ele fazia uma dancinha engraçada. Era vergonhoso, mas divertido.

O jogo dos garotos durou uma eternidade. Trinta minutos ouvindo Vitória gritar toda vez que Rafael tocava na bola, com o tempo ficou muito cansativo. E comecei a me questionar o porquê de não ter ficado em casa.

Quando o jogo finalmente acabou, com o placar de 5x2, sendo três dos cinco gols do time campeão foram feitos por Rafael.

Com o fim de jogo, os garotos voltaram para os vestiários e em seguida saíram, alguns se sentaram nas arquibancadas e outros foram embora.

Rafael foi um dos que se sentaram na arquibancada, ele e seu amigo Henrique. Que infelizmente estava suado e sentado ao meu lado.

— Oi — disse ele.

— Oi — disse olhando para o campo.

— Você está bonita hoje.

— Hum. — Continuei olhando para o campo.

— Você viu o gol que eu fiz?

— Vi.

— Foi bonito, né?

— Foi.

De repente senti um cutucão de Vitória no meu braço e a olhei escandalizada. E ela assentiu. Olhei para Rafael em busca de algum socorro, mas ele apenas sorria como sempre.

Olhei para o garoto ao meu lado, os cabelos molhados de suor, o rosto rubro, as mãos juntas sobre os joelhos como se estivesse nervoso olhando para o campo. Quando Henrique percebeu que eu o olhava, ele sorriu.

Fui tomada por uma sensação estranha de desespero, queria sair dali e voltar para a minha casa. Comecei a criar possíveis acontecimentos futuros para aquela tarde. Me vi em um canto de baixo daquela arquibancada tendo que beijar aquele garoto suado. Eu não queria aquilo, não. Eu mal o conhecia, pensei que teria que o beijar me causava uma certa náusea. Pensei em correr, era a minha única alternativa.

Eu já estava me levantando, prestes a dizer que tinha que ir ao banheiro. Quando algo me chamou atenção lá em baixo. Os times femininos. As garotas usavam cada time uma cor diferente, umas usavam amarelo e as outras rosa. Todas com os cabelos presos em rabo de cavalo, enquanto corriam em círculos para se aquecer.

Entre elas estava Kety, que para minha surpresa olhou na minha direção e sorriu. Sem saber o que fazer, me sentei de volta ao lado de Vitória.

— O que foi? — perguntou ela.

— Você viu que a Kety está lá?

— Sim, ela joga muito bem — afirmou Vitória.

— Você já conversou com ela sobre aquilo?

— Ontem mesmo — respondeu ela. — E a Kety disse que está tudo bem. Que ela não tem nada contra você.

— Que bom — afirmei e voltei a olhar para o campo.

— O que aconteceu entre vocês? — perguntou Henrique.

— Nada de mais — respondeu Rafael, as duas só se estranharam por minha causa.

— A Kety te odeia e todos sabemos disso — afirmou Henrique.

— E eu só queria que ela me perdoasse. Todos sabem que eu não sou mais aquele moleque babaca — disse Rafael, pensativo olhando para o campo e em seguida para sua mão junto a de Vitória.

Assistimos ao jogo, e Vitória tinha razão. Kety era muito boa, a melhor jogadora, eu diria.

Percebi que Vitória e Henrique torciam por ela. Até mesmo Rafael vibrava quando Kety fazia um gol. Pelo menos naquele momento não me senti constrangida ao lado de Henrique, pois nós estávamos compartilhando a mesma torcida.

Assim que o jogo acabou, com o time amarelo campeão, sendo que a maioria dos gols foram de Kety. As jogadoras se retiraram para os vestiários. Fiquei olhando para Kety enquanto andava, ela sorria e mesmo com os cabelos presos era uma das garotas mais bonitas que já vi.

— Paloma — Ouvi Vitória me chamar.

— O que foi?

— O Rafa e eu vamos comprar um refrigerante. Você fica aqui, ok?

Antes que eu pudesse dizer um “Não, eu vou com vocês.” Vitória e Rafael desceram os degraus praticamente correndo.

Então estava eu ali. Do lado de um garoto que me comia com os olhos e vítima de uma armadilha dos meus amigos que queiram me desencalhar.

Sinceramente, eu nunca gostei de ser grosseira, mas naquele momento me parecia a única escapatória.

— Então, o que você gosta de fazer? — perguntou nervoso.

Seu olhar estava diferente, ele mais parecia um cachorro abandonado, não o lobo faminto de antes.

Pensei em sair correndo, mas com ele me olhando daquela forma seria muita maldade. Então, mesmo contra a minha vontade, respondi.

— Eu gosto de livros, séries e música. Essas coisas — respondi desanimada.

— Legal. Você gosta de futebol?

— Apenas não desgosto. Mas o futebol me faz lembrar do meu pai.

— Você não fala mais com ele?

— Não muito, só de vez em quando. Agora ele deve estar lá, com os novos filhos dele.

— Isso é triste. Mas você vai superar e eu sei o que pode ajudar — disse sorrindo de lado e o olhar de lobo faminto foi voltando.

— O quê? — perguntei um pouco assustada e arrependida por ter perguntado.

— Um namorado — respondeu ele, se aproximando de mim.

— E se eu não quiser um namorado? — disse mais rude do que pretendia.

— Toda garota quer um namorado — respondeu como se eu fosse uma tonta falando.

— Quer saber? Eu estou morrendo de sede. Fica aí que eu já volto. — Sorri amavelmente e me levantei.

Andei o mais rápido que pude para ter certeza que não seria seguida. Quando cheguei no corredor onde ficavam os bebedouros, eu estava tão tensa que realmente precisava de um pouco de água.

O corredor estava vazio, enchi meu copo e fiquei olhando para a rua enquanto bebia.

Foi quando percebi que não estava sozinha. Me virei lentamente para o lado e me deparei com Kety debruçada sobre o bebedouro como se sua vida dependesse daquilo.

Quando ela terminou de beber água. Me viu ao seu lado, suas bochechas ficaram ainda mais vermelhas e ela tentou arrumar os cabelos presos e sorriu.

— Oi — disse ela. — Não vi que você estava aí.

— Oi.

— Você gostou do jogo? Notei que você estava prestando atenção — disse envergonhada, nem parecia a menina que havia falado comigo.

— Sim, e aliás. Você joga muito bem.

— Obrigada. — Fez uma pausa. — E foi mal ter te ignorado naquele dia. Pensei que você fosse amiga do Rafael.

— Mas eu sou amiga dele.

— A Vitória veio falar comigo e explicou tudo. Ela disse que você é amiga dela. E quem é amigo da Vitória é meu amigo também. Exceto o Rafael.

— Vitória me contou o que ele fez para você. Lamento.

— Ah, eu já superei. Na verdade, aqui até me ajudou. Você sabe? A me tornar mais forte e lidar com o que viria mais tarde.

— Imagino — disse desviando o olhar do dela. — Tenho que ir, outra hora a gente se fala. — Sai andando pelo corredor.

— Paloma! — gritou ela quando já estava distante.

Me virei para trás e a encarei.

Kety correu até mim e parou na minha frente.

— Sinto que preciso me desculpar com você pela minha grosseria daquele dia. O que acha de irmos comer hambúrguer no sábado?

— Tem lanchonetes assim aqui?

— No centro tem tudo — respondeu simplesmente.

— Aceito, claro. E não precisa se desculpar por nada. Eu entendo perfeitamente o que aconteceu. — Sorri.

— Então fecho! — exclamou alegremente. — Te vejo na praça sábado à tarde. Até! — E saiu correndo, só parou antes de sair, pensei que ela havia esquecido de algo. — E mais uma coisa... Eu quero saber em que parte do livro você está.

Antes que eu pudesse responder, Kety correu para fora.

Achei legal a ela ter sido compreensiva comigo. Pensei que ela me odiava ou algo assim. Mas pelo visto, Vitória era mais influente do que eu imaginava. Kety era muito legal e realmente eu estava ansiosa para conhecer a praça da cidade no sábado.

Eu estava animada, até que me lembrei que tinha que voltar para a arquibancada e que provavelmente aquele garoto ainda estivesse lá.

Andei aos passos mais lentos possíveis, torcendo para que ele se casasse de esperar e fosse embora.

Quando cheguei até a arquibancada, felizmente Vitória e Rafael estavam lá, bebendo o refrigerante com Henrique. Pelo menos perto deles eu estava a salvo.

— Paloma! Vem logo se não o Rafa bebe tudo! — gritou Vitória.

Subi as presas e me sentei ao lado de Vitória, que logo me serviu refrigerante em um copo descartável. Pelo menos naquele dia não tive que beijar ninguém.

Mas isso não significou desistência da parte do Henrique, como havia dito antes. Ele passou o resto da semana correndo atrás de mim. Mesmo que eu não demonstrasse o mínimo de interesse. Todo recreio e final de aula ele estava lá, tentando puxar conversa comigo. Falando de futebol, sendo que eu não entendia a maioria das coisas que ele falava.

Na sexta-feira eu já estava farta e Vitória percebeu isso quando estávamos dentro da sala depois do recreio.

— O que houve, amiga? — Vitória parecia preocupada.

— Nada — respondi ainda olhando para o nada enquanto minhas costas estavam escoradas na parede fria.

— Fala logo o que está te deixando assim. Não tente me enganar — resmungou ela.

— Está bem, vou falar. Não suporto mais o Henrique. Não é possível que ele não tenha entendido que eu não quero ficar com ele.

— Pensei que você gostasse dele.

— Não tenho nada contra, só não quero que ele fique tentando me convencer que o melhor para mim é aceitar ser namorada dele.

Vitória gargalhou.

— Coitado — disse ela.

— Coitado mesmo, parece que está desesperado — comentei.

— Tem gente que é assim mesmo. Desesperada por amor, por isso aceita qualquer um.

— Isso é verdade — comentei. — É que muitas vezes eu percebo que são pessoas desesperadas por amor. E amor desesperado só machuca. Eu não quero isso, sabe? Quero olhar para uma pessoa e me apaixonar sem a menor pretensão. Não porque eu precise de alguém, e sim porque eu quero aquela pessoa.

Vitória sorriu para mim como se eu fosse uma criança fofa.

— Isso foi a coisa mais bonita que já ouvi — disse admirada. — E agora eu entendo você amiga. Quer que eu te ajude a se livrar do Henrique?

— Por favor — implorei.

Vitória gargalhou mais uma vez, e pude sentir que realmente ela iria me ajudar.

— Amanhã mesmo eu falo com ele e explico que é melhor ele desistir. Porque você não quer nada com ele. Pode ser assim? — indagou ela.

— Claro — afirmei. — Você leva jeito para falar com as pessoas.

— Só tem uma coisa — disse pensativa.

— O quê?

— Você está me pedindo isso porque realmente não quer saber do Henrique, ou porque está apaixonada por outra pessoa? — indagou sorrindo maliciosamente.

Eu sabia que tipo de resposta ela esperava. Mas só o que eu tinha era a verdade.

— Não quero viver um romance com alguém que não me interessa nem um pouco. Não estou desesperada como ele — resmunguei.

— Ok, fica calma, amiga. Segunda-feira você já vai estar livre dele — disse docemente.

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Comments

Maria Do Carmo Andrade

Maria Do Carmo Andrade

a vitória e um barato 😜

2024-04-30

3

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