Capítulo 2 Olhos Verdes

Durante dois dias, minha vida parecia ter se passado durante anos naquela cidade. A casa de campo me trazia um imenso conforto. Eu amava passar as tardes sozinha, nunca antes tinha convivido tanto com o silêncio. Que se mostrou ser um bom companheiro. Ler se tornou meu hobby, pois a falecida tia Lúcia havia deixado inúmeros livros em um cômodo da casa, que por coincidência, se tornou meu quarto. Eram livros antigos, porém muito bons. Eles e uma xícara de chá, eram meus companheiros de solidão nas tardes silenciosas do interior.

Durante esses dias, Vitória foi minha companhia na escola. Ela tinha o dom de falar sem parar e nem perceber quando eu me distraía e sem querer não a ouvia. Logo no meu segundo dia de aula, ela fez questão de me passar seu telefone, assim poderíamos conversar a qualquer momento do dia.

— Quando você vai poder ir lá em casa? — perguntou ela, pela décima vez, enquanto andávamos pelo pátio repleto de árvores da escola.

Pensei um pouco e respondi:

— Talvez semana que vem. Essa semana ainda estou me acostumando a tudo isso e ainda tenho que falar com a minha mãe, ela não gosta da ideia de deixar nossa casa sozinha.

— Melhor ainda! — disse ela. — Eu posso ir na sua casa.

— Por mim tudo bem! — falei sorridente.

— Ok, sábado então. Eu irei à sua casa à tarde — disse ela.

— Ok — concordei.

Na quinta-feira, cheguei na escola e não encontrei minha única amiga e também a única pessoa que eu conversei naquela escola.

Sai andando pela escola a procura dela, pois Vitória me mandaria uma mensagem caso fosse faltar já que éramos praticamente melhores amigas.

Passei alguns minutos andando entre diversos alunos, todos conversando animadamente com seus amigos. Foi quando senti aquela sensação estranha de exclusão na escola, quando o seu amigo falta e você é obrigado a se sentar em um canto sozinho. Mas isso felizmente passou quando de longe avistei Vitória em um canto próximo a umas janelas acompanhada por um garoto. De início pensei em não atrapalhar, então fiquei olhando de longe. Ela parecia estar muito feliz com ele, embora eu não pudesse vê-los muito bem.

Me escorei em uma parede e fiquei olhando de longe, torcendo para que o sinal tocasse logo e eu pudesse ir para a sala e ter minha amiga de volta.

Porém, por mais que eu evitasse, Vitória tirou seus olhos por alguns segundos do seu amigo e olhou na minha direção.

— Paloma! — gritou ela, levantando um braço e sorrindo na minha direção. — Que bom que chegou! Vem aqui!

Fiquei um pouco envergonhada, novamente todos olharam para mim. Então andei na sua direção.

De perto, pude ver o garoto que minha amiga conversava. E sem dúvida, aquele era o garoto mais lindo da história do universo! Pele bronzeada, olhos castanhos claros, cabelos negros longos e forte como um cara de academia. Nunca pensei que no meio do nada poderia existir um cara em tão boa forma.

Ele sorriu para mim, foi quando percebi que o estava encarando por tempo demais.

— Oi — disse ele me estendendo sua mão. — Paloma, né? Eu me chamo Rafael.

— Oi, sim. Legal te conhecer — disse, e logo me arrependi te ter respondido, pois falei como uma idiota.

— O que achou da minha nova amiga? — Vitória perguntou à ele. — Ela não é uma graça? Pode parecer tímida agora, mas se você deixar ela falar o dia todo!

— Mas assim que é bom! — disse ele, sorrindo. E que sorriso.

Pensei em dizer algo, mas foi como se meu cérebro perdesse a conexão com a boca. E quando finalmente fui dizer algo, o sinal tocou.

— Bem — disse Rafael, olhando para Vitória e em seguida para mim. — Foi bom te conhecer, Paloma. Mas agora tenho que ir. Até mais!

E se retirou.

Fiquei olhando ir, enquanto sentia uma estranha transpiração nas minhas mãos.

— Paloma? — disse Vitória.

— Oi. — Voltei a olhar para ela.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não — respondi simplesmente.

— Ele é legal, né? — disse ela, olhando Rafael se afastar.

Dei de ombros.

— Vamos entrar? — disse Vitória, se dirigindo até a porta da sala de aula.

Dentro da sala nos acomodamos nos nossos lugares de sempre.

— Vocês se conhecem há muito tempo? — perguntei.

— Rafael é meu amigo de infância — disse Vitória. — E também o garoto mais bonito da escola, mas isso você já deve ter notado — disse ela, sorrindo.

— É algo quase impossível de não se notar — gargalhei.

— É, pode-se dizer que sim. A verdade é que eu queria que ele me visse como algo mais do que amiga — disse ela, com a voz baixa.

— Você é linda, ele seria louco se não quisesse ficar com você.

Vitória sorriu de lado.

— Você é um amor — disse ela.

— Eu sei — gargalhei.

Naquele momento todo meu possível crush por Rafael se desfez quando vi aquele sorriso. Rafael era sem dúvida o cara mais atraente que vi na minha vida, porém eu sabia que não teria nenhuma chance contra Vitória, que além de linda era uma pessoa incrível. Uma amizade que eu não trocaria por garoto algum.

E saber que ela se interessava por aquele garoto, me deixou cheia de ideias de arranjar uma forma de ajudar os dois a ficarem juntos.

— Por que não fala para ele o que sente? — perguntei por fim. — Talvez ele também goste de você, só que tem vergonha de ser rejeitado.

— Você olhou bem para ele? — perguntou escandalizada. — Um homem daquele sabe que nunca vai ser rejeitado.

— Se vocês são amigos, ele pode ter receio de estragar tudo — comentei.

— É, pode ser — disse, afastando os cabelos cacheados do rosto. — Eu só queria que as coisas fossem mais simples.

— Entendo.

No intervalo, Vitória e eu fomos para a biblioteca da escola, que para minha surpresa tinha livros incríveis. Fiquei com vontade de levar todos para casa. Eu andava por cada estante, olhando livro por livro.

— Nunca vi alguém com tanto interesse por livros assim — comentou Vitória, andando atrás de mim.

— Eu gosto muito — falei sem tirar os olhos dos livros até que achei um dos que mais gostei de ler. — Você já leu Quem é Você, Alasca? — Tirei o livro da estante e entreguei nas mãos de Vitória.

— É bom? — perguntou olhado para a capa.

— Muito!

— Ok, vou ler então — afirmou ela.

— Só avisando, o John Green adora matar as pessoas — disse misteriosa.

— Sem spoilers, Paloma — disse Vitória, com seriedade.

— Só estou avisando. — Dei de ombros.

Vitória foi até a bibliotecária retirar o livro e eu continuei a procurar um para ler.

Estava distraída, quando uma mão pesada tocou meu ombro. Quando olhei para trás dei de cara com Rafael, que sorria, com certeza da minha reação.

— Ah, oi — falei constrangida.

— Você viu a Vitória?

— Sim, ela está ali. — Apontei na direção da escrivaninha da bibliotecária.

— Hum — disse ele. — Então, Paloma. A Vivi me disse que você se mudou há pouco tempo. O que está achando deste fim de mundo?

— Sinceramente, até que está melhor do que eu imaginava. Pensei que seria uma cidade menos desenvolvida e que todos seriam caipiras desdentados.

Ele gargalhou.

— Ainda bem que não somos. — Sorriu fazendo questão de me mostrar um sorriso perfeito.

Foi impossível não sorrir também.

— Rafael! — disse Vitória, chegando por trás dele. — Pensei que você não viria atrás de mim hoje. Pensei que você fugiria da escola como fez nos últimos dias.

— Ah, Vivi. Você sabe que não consigo viver sem você — disse ele, docemente enquanto andava até ela e a abraçava.

Foi inevitável não reparar como sem dúvidas os dois formavam um belo casal.

— O que você vai ler aí? — perguntou ele, olhando para o livro nas mãos de Vitória.

— Quem é você, Alasca? — respondeu ela.

— Quero que você se lasque? — perguntou ele franzindo a testa.

— Não, seu velho surdo! — Ela gargalhou. — Quem é você, Alasca?

— É algum guia para quem quer se aventurar na nave?

— É um romance — respondi.

— Ah, entendi — disse Rafael, depois passou um braço pelo pescoço de Vitória. — E por que você vai ler um romance, Vivi? Por acaso está apaixonada?

— Ah, cala boca — disse ela, sorrindo bobamente, enquanto afastava o braço dele.

Vitória olhou nos meus olhos. Aquele foi nosso primeiro olhar de cúmplices.

Rafael, passou o resto do recreio conosco. Andamos pela escola e em seguida fomos para o refeitório. Vitória e Rafael chamavam a atenção por onde andavam, algumas pessoas os cumprimentavam e outras os olhavam pelo canto do olho. O que era de se esperar. Os dois eram sem dúvidas o casal mais bonito da escola, mesmo que não fossem bem um casal. Vitória ficava diferente perto dele, ficava mais sorridente do que o normal. E ele olhava fixamente nos olhos dela. Era óbvio que os dois possuíam uma forte conexão. Tanto que eu me senti segurando uma vela em vários momentos.

Quando chegamos na sala depois do recreio, Vitória estava radiante e eu sabia porquê.

— O que foi? — perguntou ela, reparando o modo que eu a olhava.

— Nada — disse ainda sorrindo.

— Fala — insistiu ela.

— Eu gostei do intervalo hoje, o Rafael é legal e vocês estão perdendo tempo sendo só amigos. Está na cara que vocês seriam um casal perfeito.

Vitória ficou radiante.

— Concordo plenamente com você. Mas não depende só de mim. Aquele bobalhão tem que perceber o que você percebeu.

— Por que você não fala para ele?

— Não é bem assim. O dia que você se apaixonar vai entender.

Assenti, e pelo silêncio de Vitória, percebi que o assunto morreria ali.

No dia seguinte, acordei cedo como sempre para ir para a escola. Minha irmãzinha sempre animada pela manhã de um modo que eu realmente invejava. Minha mãe sempre é positiva e eu sempre sonolenta.

Marta deixou Amanda na casa da nossa tia avó, e depois rumou para o centro da cidade. Cheguei na escola, minha mãe estacionou o Opala um pouco afastado da fachada da escola.

— Tchau, Filha — disse Marta.

— Tchau.

Fechei a porta e minha mãe deu a partida.

Eu não contava que aquela manhã fosse tão fria, enquanto andava até a escola. Um vento forte e congelante soprava meus cabelos e congelava meu rosto. Lamentei por não ter vestido mais casacos ou ter colocado um cachecol. Mas pelo menos não estava de saia como no primeiro dia de aula e jamais voltaria a usá-la. A calça do uniforme era muito mais prática e a maioria das alunas usava.

Entrei na escola, subi as intermináveis escadarias, me sentei em um banco na frente da minha sala de aula e fiquei esperando Vitória aparecer.

Os minutos se passaram e passaram e nada de Vitória aparecer. “Talvez ela não venha hoje.” Pensei. E confirmei minhas suspeitas quando a professora de Português chegou, abriu a porta da sala e toda a turma entrou.

Dentro da sala, me sentei no mesmo lugar de sempre, só que dessa vez no lado da parede, pois sabia que aquela hora Vitória já não viria mais.

Olhei no celular, esperando alguma mensagem dela, explicando o motivo de sua ausência. Nada. E pensando bem, ela não me devia satisfação alguma. Vitória simplesmente faltou e eu tinha que perder aquele meu medo idiota de conversar com as pessoas estranhas ou tinha que aprender a conviver melhor com a estranha sensação de solidão em meio a uma multidão.

A professora fez a chamada e logo começou a passar matéria no quadro. O que aliviou minha tensão, pois assim teria o que fazer.

Estávamos todos distraídos copiando a matéria, quando a porta se abriu. Logo minhas atenções se destinaram à garota que entrou. Ela sorriu assim que viu a professora e a cumprimentou com um “Bom dia!” Todos olharam para ela, mas não por muito tempo, o que me fez pensar que ela não era uma novata como eu, estava confiante de mais para isso. Eu achava Vitória a garota mais bonita daquela escola, mas assim que vi aquela menina, isso mudou.

Ela não tinha a beleza como a de uma super modelo, ou uma atriz de Hollywood, mas ela tinha algo único no seu modo de andar. Como seus cabelos lisos e castanhos claros se movimentavam a cada passo, como a luz parecia destacar a sua pele clara e como seu perfume parecia vir diretamente em minhas narinas.

E lá estava eu, novamente encarando uma pessoa, que por sinal estava se aproximando de mais. Foi quando notei que só havia um lugar vago em toda a sala, que por coincidência, era ao meu lado.

— Oi — disse ela, assim que se sentou ao meu lado.

Por um segundo evitei olhar, de alguma forma ela me pegou de surpresa.

— Oi — respondi, finalmente olhando em seus olhos.

Que por sinal, me deixaram hipnotizada. Eram os olhos mais lindos que já vi, talvez posso estar exagerando. Mas qualquer um concordaria se visse aquele par de esmeraldas brilhantes, envoltas por um rosto angelical que emanava o perfume de rosas brancas, que trazia cores para qualquer manhã cinza e fria de outono como aquela.

— Você é nova, não é? Eu nunca te vi por aqui — disse ela, arrumando seus materiais pela mesa.

— Sim — respondi rapidamente, desviando meu olhar para o quadro.

— E como você se chama? — Ela sorriu.

— Paloma.

— Então, Paloma. Desculpe o interrogatório, mas eu sou muito curiosa. De onde você veio?

Sorri sem jeito.

— Da capital.

— Hum, eu já visitei a capital algumas vezes e foi bem legal. Mas morar, eu sempre morei aqui — disse ela.

— Cheguei a pouco tempo — comecei a falar, mesmo não encarando aqueles olhos verdes. — E estou gostando mais do que imaginei. Principalmente da escola.

— Que legal! — disse ela. — E a propósito meu nome é Ketlyn, mas pode me chamar de Kety, ok?

— Ok, Kety. — Sorri.

— Você está entendendo a matéria?

— Mais ou menos, na minha antiga escola acho que estávamos mais atrasados.

— Tudo bem, eu ajudo você.

E realmente Kety passou o resto da aula me explicando como se fazia cada atividade, o que me admirou e receber toda aquela atenção.

Quando o sinal tocou para o recreio. Kety se juntou com algumas amigas e eu não tive coragem de ir atrás, pois pensei que seria estranho, já que não conhecia aquelas garotas. Então, peguei meu celular e mandei novamente uma mensagem para Vitória. Que nem estava online e nem me respondeu, o que me deixou um pouco preocupada. Mas talvez ela só estivesse dormindo naquela manhã gelada. E eu, cheia de paranóias por nada.

Fui para o refeitório, que felizmente era um lugar mais quente e peguei um prato de sopa que estavam servindo. Me sentei em uma mesa que não tinha quase ninguém e comecei a comer em silêncio.

— Oi, Paloma. — Ouvi uma voz masculina me chamando à frente.

Quando desviei o olhar do meu prato de sopa. Vi Rafael sentado na minha frente. Sorrindo.

— Oi, Rafael. Tudo bem?

— Sim... — disse ele, tremendo de frio. — Você viu a Vitória?

Gargalhei, ele sempre me perguntava a mesma coisa.

— Ela não veio hoje. Mandei mensagem, mas até agora ela não me respondeu.

— Típico da Vivi — disse ele, ainda tremendo.

— Você não trouxe um casaco? — perguntei.

— Não, Saí correndo de casa. Eu admiro não ter vindo de chinelos!

Gargalhei e ele também.

— Por que não come um pouco de sopa? Ajuda a esquentar — sugeri.

— Não sou porco para comer lavagem. — Ele sorriu, ainda tremendo.

— Então, tudo bem. — Dei de ombros e continuei a tomar minha sopa.

— Depois que você terminar aí, não quer ir para a biblioteca? Lá tem um sofá quentinho.

— Pode ser — respondi.

Terminei minha sopa rapidamente, bebi um pouco de água e fomos para a biblioteca.

Nos sentamos no sofá e Rafael se cobriu com uma manta que servia como capa para o sofá. Me sentei e me acomodei entre as almofadas.

— Então, me fale sobre você — disse Rafael.

— Ah, eu não tenho nada de emocionante, sou apenas uma menina normal. Tenho dezesseis anos, estou no primeiro ano e provavelmente tudo que tenho para falar sobre mim, Vitória já deve ter contado.

— Ela me disse que vocês são melhores amigas, que você mora no mesmo bairro que ela, em uma casa que foi uma herança de uma tia falecida, que você gosta de livros e que não fala se não falarem antes com você.

— Sem dúvida, um resumo perfeito — admiti.

Rafael deu de ombros.

— Agora é a sua vez — falei.

— Do quê?

— Falar sobre você.

— Bem. — Fez uma pausa e sorriu. — Como você já sabe eu me chamo Rafael. Tenho dezessete anos, estou no segundo ano e moro em uma fazenda com meus pais e dois irmãos. Eu cuido da roça e dos animais, o que requer muito esforço. Por isso eu tenho esse porte másculo maravilhoso — disse sorrindo convencido.

— Ok, entendi. — Sorri.

Rafael sorriu e se cobriu melhor com a manta.

— Você é legal — disse ele. — Vitória sempre soube escolher bem suas amizades.

— Ela gosta muito de você.

— Eu sei — disse simplesmente.

— Você não entendeu, ela gosta mesmo de você — afirmei de um modo que ele entendesse o que eu estava tentando dizer.

— Eu também gosto muito dela.

O que Rafael tinha de bonito tinha de dormento. Bati a palma da mão na testa e ele sorriu como uma criança.

Eu entendi o que Vitória tinha que passar.

— Vou dar uma olhada nos livros — falei.

— Vai lá — disse Rafael, pegando as almofadas e se acomodando no sofá com elas.

Sai andando e olhando para as estantes de livros. Peguei um exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes. Eu já havia ouvido falar deste livro tantas vezes em tantos filmes. Que decidi dar uma chance para ele.

— Gosta de romances?

Ouvi alguém dizer atrás de mim. Surpresa, me virei e dei de cara com Kety. Ela sorria e olhava nos meus olhos. Por alguns segundos me esqueci como era respirar. Até que finalmente consegui falar.

— Sim — respondi nervosa. — São meus livros favoritos.

Kety sorriu e olhou para a capa do livro.

— O Morro dos Ventos Uivantes — disse pensativa. — Já li e confesso que me deu muita raiva, se trata de um amor impedido.

— Como assim?

— Os protagonistas são impedidos de ficarem juntos, ué! — gargalhou. — Tudo por causa da sociedade e um pouco de ganância também.

— É um bom livro? — perguntei.

— É um clássico, é meio óbvio que é bom. Eu particularmente gostei bastante.

— Então também vou ler — disse sorrindo e olhando para o livro. Principalmente para ter um motivo para não olhar nos olhos dela.

— Tenho certeza que vai gostar muito. E quando terminar podemos falar sobre ele. O que acha?

— Por mim tudo bem.

— Está bem, eu vou cobrar em — disse sorrindo e se retirou.

Fiquei olhando enquanto ela se unia aos seus amigos, dois garotos e uma garota de cabelos platinados, que não eram da nossa turma. Kety me olhava enquanto conversava com elas. E eu para parar de sentir o que aquele olhar me fazia sentir, me dirigi até a mesa da bibliotecária e retirei o livro.

Voltei para o sofá e me sentei ao lado de Rafael.

— O que você vai ler agora? — perguntou ele.

Levantei o livro e mostrei a capa.

— Ah tá, pensei que fosse a Bíblia. Olha a grossura disso. Como você tem paciência?

— É a força do hábito — respondi. — Você deveria tentar.

— Não — disse indiferente. — Tenho mais o que fazer.

Dei de ombros e comecei a ler. Só desviei os olhos do livro quando ouvi novamente a voz de Kety. Ela estava olhando as estantes de livros na minha frente e suas amigas a acompanhavam.

Fiquei olhando, por um bom tempo, Kety estava distraída e nem percebeu.

— Você conhece a Kety? — perguntou Rafael, me dando um susto.

— Conheci hoje, ela é minha colega — respondi.

— Ela é lésbica, sabia? — resmungou.

— O quê? — indaguei.

— Você sabe, sapata, lésbica, gosta de garotas. Eu queria ficar com ela uma vez e saber o que ela me disse?

— O que ela disse?

— Que da fruta que eu gosto ela come até o caroço — disse indignado.

Não pude conter uma gargalhada alta que fez com que todos olhassem para mim. E mesmo assim, não consegui parar de rir.

— Para de rir, bobalhona. Não teve graça — resmungou Rafael.

— Teve sim — afirmei.

— Está bem. Foi meio engraçado, mas foi um fora cruel. Eu fiquei bem magoado aquela semana.

— Coitadinho — disse, acariciando os cabelos dele, que eram mais macios que os meus.

Voltei a olhar para frente. Kety me olhava, só que dessa vez não era como antes. Era como se ela pensasse que eu tinha algo com o Rafael. Eu sentia que deveria dizer que éramos apenas amigos, mas por outro lado, nós duas não tínhamos intimidade para eu chegar explicando minha vida.

Quando o intervalo acabou e eu voltei para a sala de aula, Kety ainda estava sentada ao meu lado. Só que diferente do começo da aula, ela não falava comigo, sequer me olhava, era como se eu tivesse feito algo de errado para ela. Mesmo não tendo feito nada.

Quando cheguei em casa, almocei pensando no desprezo dela, e a tarde toda também. Eu sentia que deveria falar com ela e deixar tudo claro, mas por que eu faria isso? Nós mal nos conhecíamos e se ela teve algum tipo de ciúmes de mim ou mesmo do Rafael durante aquele momento. Aquilo não era problema meu. Se Kety não quisesse ser minha amiga, eu não poderia fazer nada. Na verdade eu só queria entender algo. O por que do olhar dela ter mexido tanto comigo? Era como se eu já tivesse visto aqueles olhos verdes em algum lugar antes, só que eu não sabia explicar de onde.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!