Casamento De Negócios
~ SUH ON ~
Do alto de minha janela despontam as magníficas cores de mais um dia que se vai, o balançar das folhas de cada árvore que rodeia a Praça Batista Campos, me presenteia com sua paisagem. Pessoas conversando enquanto outras trocam olhares de cumplicidade, e o clima ameno depois de uma hora de chuva. É algo que realmente me fascina e da mesma forma me prende nesta cidade. É como se aqui sempre fora o meu lugar, onde senti sabores que meu paladar ainda vai lembrar, fiz amizades que enraizaram no coração e onde vivi emoções que só aqui, eu poderei sentir a mesma intensidade.
Depois que minha mãe se foi nada foi fácil de aguentar e ter que seguir rumo a um caminho a qual eu gostaria de descobrir com ela. Deixarei para trás não apenas lembranças de um passado, mas sim uma vida que construí sem ao menos ter o direito de escolha entre ir ou ficar.
– Vamos nos atrasar. – disse meu pai com as últimas malas já na porta.
– Ora senhor Hoyung, ainda temos muito tempo até embarcarmos. – falei e sem ao menos um olhar apaziguador, ele saiu deixando-me apenas com o vazio e a dor de ter que partir.
Meu pai sempre foi um homem amoroso, mas desde que minha mãe faleceu se fechou para todos os sentimentos bons que haviam dentro dele. Me sinto como uma intrusa dentro de minha própria casa, isto é algo sufocante demais para alguém da minha idade. Não é fácil ter que lidar com certas situações da vida com apenas 20 anos, sem ter seu porto seguro, sem os conselhos da pessoa que mais te amava. Sinto que meu mundo acabou naquele dia fatídico.
– Já chega Suany, temos que ir! – seu tom autoritário me trouxe de volta.
Fechei as janelas do quarto me despedindo do lugar, pois esta pode ser a última vez em que posso contemplá-lo; meu voo está previsto para as 20:00h e meu pai com sua demasiada pontualidade diz ser necessário estar antes das seis no aeroporto.
Meus pais se conheceram na Coréia do Sul quando minha mãe fazia intercâmbio, nesse período eles começaram a namorar, e depois de três anos decidiram começar a vida em Belém a cidade natal de mamãe, que está localizada ao Norte do Brasil. O fato de eles terem decidido o Brasil foi simples; o déficit de alimentos saudáveis, o que gerou uma grande oportunidade de negócio ao meu pai. Lembro de como éramos uma família feliz, amorosa e unida e é por esse motivo que não consigo compreender tamanho afastamento de sua parte, é como se um muro invisível tivesse sido posto entre nós; onde pairam remorsos, raiva, culpa e mágoa.
Mas a minha maior tristeza é sentir que sou um fardo em sua vida, quantas vezes eu pensei em sair de casa e livrá-lo do trabalho, mas por aqui os negócios não andam favoráveis e com a renda que consigo ganhar de meu pequeno empreendimento, não daria para custear um aluguel. E com certeza eu não pediria para que ele me ajudasse financeiramente, pois ao contrário do meu, os negócios que ele possui na Coréia geram um bom rendimento. E era com esse saldo que ele nos mantinha confortavelmente, a nós nunca faltou nada, muito pelo contrário estudei nos melhores colégios, cursei quatro semestres de administração, mas logo descobri que não era a profissão que eu queria e foi com sua ajuda que empreendi no ramo de artesanato.
Meus pensamentos divagavam em silêncio enquanto meu corpo se movimentava no automático; e foi assim que chegamos no aeroporto. Parte de meus amigos estavam nos esperando e no mesmo instante lágrimas percorreram meu rosto, abraços vieram me confortar enquanto meu pai adentrou no salão apenas com um aceno aos demais.
– Não consigo aceitar isso. – disse Mariana, minha melhor amiga com os olhos vermelhos de tanto se lamentar.
– Nem eu, você sabe que se tivesse escolha eu jamais sairia daqui! – abracei todos sentindo uma aperto imenso em meu coração – Amo todos vocês de verdade, e espero que não esqueçam de mim. – com a voz embargada não consegui falar mais nada.
– Trouxemos um presentinho pra você – Diego estendeu um embrulho enorme e quando eu já ia abrir, todos disseram:
– Não! – e assustada comecei a rir.
– Por que não? – perguntei.
– Porque é para abrir só quando estiveres no teu quarto, lá do outro lado do mundo. – se apressou em dizer Fábio.
– Tudo bem! – só o fato de ter algo a mais que eu pudesse me apegar na lembrança de meus amigos já era reconfortante – Bom, vocês vão me esperar embarcar?
– Vamos sim. – minha melhor amiga tratou de entrelaçar nossos braços e juntos entramos no aeroporto.
Não foi fácil ter que entrar naquele avião, ainda no corredor transparente pude ver meus amigos juntos mandando beijos e acenos, a cada passo era como se eu estivesse me matando por dentro. No último degrau me dei conta que deixei para trás uma história e eu daria ou faria qualquer coisa para não ter que estar passando por isso, mas hoje o meu destino não está em minhas mãos.
O cansaço emocional me fez adormecer; quando despertei faltavam apenas meia hora até chegarmos a nossa primeira conexão. Meu pai estava absorto em seus pensamentos e nem ao menos com a pouca distância em que estávamos ele foi capaz de ceder a uma conversa. Pensei que ainda seríamos capazes de resgatar aquela relação de amor fraternal, mas a cada dia que passa me sinto mais distante deste sentimento.
Já no segundo voo, tentei me aproximar, no entanto, meu orgulho foi resistente e meu sexto sentindo me indica que isso é apenas para me proteger de uma decepção maior. Mas qual seria essa decepção? Não creio ser maior do que a que eu já passei nos últimos meses.
Enquanto vejo nuvens por entre a janela, imagino ter um fio invisível que me leva até mamãe. Busco em minhas memórias alguma pista do que possa ter levado meu pai a ser este homem frio; só que a cada tentativa as lembranças se embaralham ainda mais. Se ela pudesse me mostrar o que aconteceu exatamente naquela última conversa entre eles. Talvez eu pudesse me defender ou argumentar algo.
Minha mãe era uma mulher de muita autenticidade e carisma, se fosse à outra época eu diria que ela era uma verdadeira dama da sociedade. Uma pessoa solícita e que doava seu tempo para os outros, esquecendo-se de seus próprios problemas para ajudar aqueles que mais precisavam. Mesmo depois que a doença acometera à uma cama de hospital ela não deixou de ser alegre, de ter esperança de que tudo iria dar certo. Da mesma forma em que eu acreditava e sentia isso. Foram seis meses de tratamento entre altas e recaídas e isso era demais mortificante.
Então foi em uma dessas recaídas, durante a noite chuvosa que voltamos ao hospital. Desta vez ela não veria mais a luz do novo dia. Assim que foi constatada a gravidade da situação ela pediu para falar a sós com papai e quando foi minha vez eu só pude guardar sua última frase.
– Eu te amo além da vida meu amor. – e com uma lágrima seus olhos foram cerrados para a vida eterna.
Junto de seu leito eu chorei, sofri no mais profundo silêncio da alma, mas sempre sentindo sua presença a me consolar.
Na volta para casa meu pai já era outro, até então eu acreditei ser reação à perda, mas nos dias que seguiram ele continuava apático a tudo. Encontrei conforto nos amigos que vinham nos visitar e prestar seu apoio e solidariedade. Meus amigos foram parte essencial para que eu não afundasse em meu próprio mundo como fizera meu pai.
Uma voz no autofalante anunciava nossa chegada. A primeira vez que saio do Brasil e sem expectativas de volta. Agora tenho que encarar a realidade. As mãos ao meu lado me guiaram de forma silenciosa e discreta até o carro que nos esperava, no caminho haviam muitos prédios e casas luxuosas, já era um pouco mais das cinco da tarde e o céu estava esplendidamente pincelado por raios amarelos na imensidão do azul e branco, as buzinas constantes dos carros ao redor, denotavam o quanto a rotina ali era de pico constante. Aproximadamente uma hora depois chegamos ao destino. Com o celular na mão enviei um status em minha rede social com a foto de minha nova casa.
– Não se preocupe com as malas. – disse meu pai – Venha conhecer seu quarto. – não foi agradável ouvir que ele queria logo mostrar meus aposentos ao invés do ambiente geral.
– Tudo bem! – foi o que custei a responder, enquanto em minha mente eu dava milhões de respostas diferentes aquela grosseria implícita.
Subimos dois lances de escada e lá estava meu quarto, super equipado com frigobar, micro-ondas, televisor, som, mesa de escritório e muito mais para qualquer necessidade.
– Como pode ver aqui não vai lhe faltar nada. – sua frieza estava indo longe demais e eu precisava desabafar.
– Obrigada por se preocupar com meu bem estar papai – falei ironicamente, fato que ele ignorou e desceu me deixando ali no vazio de tudo.
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Atualizado até capítulo 90
Comments
Oziane Amaral
ela estava na melhor cidade do Brasil...minha querida Belém do Para,.cidade do açaí.tacaca.e das mangueiras ♥️😍autora vc e daqui do Pára.
2022-09-30
2
Fausta Fonseca
amei de primeira, acho que o pai se distanciou por um único motivo ele não vai ser pai dela, por isso a última conversa com a mãe dela.
2022-05-15
4
Gleisiele Saldanha
autor vc e maravilhosa posta mais por favor
2022-04-29
3