Capítulo 15

NOS FUNDOS DO HOSPITAL, Kim falava com Jung no telefone.

KIM — Serviço feito, chefe.

No outro lado da linha, Jung estava dentro da saleta penumbrosa. Tinha dinheiro em espécie, cartucho, arma, tudo amontoado em cima. Era o seu escritório.

JUNG — Ótimo. Sai daí antes que te peguem. Se arriscou demais.

No carro, Kim girou a chave na ignição e deu partida.

KIM — Não muito. Consegui disfarçar bem. A moça que medicava o canalha faltou justo hoje. Dei sorte.

Jung se levantou, sentando-se na quina da mesa.

JUNG — Vem pra cá. A gente precisa resolver outra parada.

Dobrando a primeira esquina, Kim olhou pelo retrovisor pra saber se alguém seguia seu carro.

KIM — Beleza. Tô indo aí.

...*** ...

A EQUIPE DO HOSPITAL TENTOU reanimar Manfred durante trinta minutos, sem sucesso. O enfermeiro afastou os equipamentos, olhando para o relógio.

ENFERMEIRO — Hora do óbito: dez e trinta e cinco.

A enfermeira loiraça, que Manfred tanto gostava, irrompeu na sala. O nome dela é Tina.

TINA — Eu tenho certeza que a medicação estava certa. Impossível ter uma overdose com a quantidade prescrita.

O enfermeiro olhou para Tina.

ENFERMEIRO — Pois alguém errou na dosagem do medicamento.

TINA — Pois não fui eu.

O enfermeiro suspirou.

ENFERMEIRO — Vamos descobrir quem foi, Tina. Não se preocupe.

...*** ...

SIMON PEDALAVA RÁPIDO, porque o céu ficou nublado e a ameaça de chuva era iminente. Como não trabalhava mais no drive thru, fazia delivery em outro restaurante de Trevor — que servia almoço a partir das onze até às quinze horas da tarde.

Seu celular começou a vibrar no bolso. Ignorou. Seja o que for, mas poderia atender só depois.

Chegou no endereço de entrega. Assim que apertou a campainha, começou a chover. Ele olhou em volta.

SIMON — Merda.

Um homem corpulento abriu a porta, recebeu o almoço e pagou a entrega. E ainda deu uma gorjeta, agradecendo.

SIMON — Eu que agradeço. Bom apetite.

Antes que Simon pudesse voltar para a bicicleta, o celular vibrou de novo. Fez muxoxo ao tirá-lo do bolso, mas viu que era Amélie.

SIMON — Alô, tia? Aconteceu alguma coisa?

No outro lado da linha, a voz de Amélie era um pouco trêmula. Como quem tentava se controlar.

AMÉLIE — Simon, meu filho. Eu não queria te dar essa notícia, não…

Simon franziu a testa, preocupado.

SIMON — O que foi, tia…?

Amélie soltou o ar, dizendo:

AMÉLIE — Seu pai morreu.

Simon ficou sem reação.

...*** ...

IVAN FRANZIU A TESTA com a informação que Heinrich trouxe.

IVAN — Morreu?

HEINRICH — Acabei de saber. Faz um tempo, já.

IVAN — Mas como?

HEINRICH — Overdose de uma medicação intravenosa.

Ivan assentiu com a cabeça.

IVAN — Isso tem cara de vingança. Alguém foi pago pra sabotar o medicamento dele. E deu nisso aí.

HEINRICH — Pois é.

Houve um momento de silêncio. Ivan fica pensativo.

HEINRICH — Com Manfred morto, qual vai ser o próximo passo?

IVAN — Hum… A dívida dele vai direto pro rapaz, né? É ele quem mora no casarão…

HEINRICH — Vai cobrar mesmo? Agora?

Ivan deu de ombros.

IVAN — Agora não. Deixa o rapaz se recuperar do baque primeiro… Depois vem outro, não vai demorar muito. Aliás, não vou demorar muito.

Heinrich ergueu as sobrancelhas.

HEINRICH — Que jeito ruim de viver a vida, né…

IVAN — Pois é. Um jeito bem miserável. Mas…

HEINRICH — Mas…?

IVAN — Vou ter uma prosa com esse garoto um dia. Fazer uma oferta.

Heinrich franziu a testa.

HEINRICH — Que oferta?

IVAN — Deixa pra lá.

...*** ...

SOZINHO NO SEU GABINETE, Ivan estava com as pernas repousadas em cima da mesa e a cabeça recostada no apoio da cadeira. Se deixando levar pelos devaneios, sua mente começou a desenhar Simon.

Simon não fazia ideia do quanto Ivan estava à frente. Ele sabia do seu nome, onde morava… porque sabia quem era seu pai e, claro, o quanto ele devia. Lembrou-se do dia em que deu carona pro rapaz, quando olhou o casarão pela primeira vez.

Aquele lugar seria dele, claro. Tinha que ser, porque fazia parte do plano de ter Simon só pra ele. O rapaz tinha que ficar na merda, a ponto de se afundar, para o recorrer como a última opção.

Ivan pensava agora no quanto queria que isso desse certo. Tinha que dar. Sempre conseguiu tudo o que quis. O mundo, para ele, está na palma das próprias mãos. Ivan e controle são sinônimos. O mafioso, visto como semideus, era movido a desafios.

E o seu desafio de agora é ter o filho do canalha devedor, que já está morto, aos seus pés.

Levantou-se, servindo um copo de rum.

...*** ...

AMÉLIE OBSERVAVA KARL DORMINDO, parada na soleira da porta do quarto que ela tinha feito para ele. Pela primeira vez, ela não sabia o que falar para o garoto sobre a tragédia que muda pra sempre a vida de alguém com pouca idade.

O menino já não tinha mais a mãe. Amélie não tinha mais notícias da família materna dele. Nem da de Simon. Até hoje ela se pergunta como os dois meninos não se perderam por aí, com tanto desajuste.

Ela acredita que, pelo fato de Simon ser gay, o mundo do pai não era tão atraente a ponto dele se perder. Simon canalizou toda a frustração que sentia em muito trabalho e vontade de mudar a vida para sempre, o mais longe possível da realidade que Manfred levou até o fim da vida.

Realidade essa que o matou, aliás.

Agora só resta cuidar de Karl. Essa tarefa se dividia entre ela e Simon. Amélie agradeceu por ser a única parente viva que mantém proximidade com os dois meninos, prestando todo o suporte necessário. Também tinha Margot, a melhor amiga de Simon desde o ensino médio.

Ela pegou um terço e foi até a cozinha, rezar baixinho pela alma de Manfred. Por mais que ele não merecesse, ela não se sentia confortável na posição de julgar o irmão que se foi.

AMÉLIE — Pai Nosso que estás no céu. Santificado seja o vosso nome. Seu reino venha, e sua vontade seja feita, assim na terra como no céu. Nos dê, no dia de hoje, o pão nosso de cada dia. E perdoa as nossas dívidas, assim como temos perdoado nossos devedores. Não nos guie em tentação, e nos livre de todo o mal… Amém.

Ela fez o sinal da cruz. De olhos fechados, completou:

AMÉLIE — Que o Senhor me dê forças, saúde e longevidade para cuidar dos meus meninos… E que a passagem de Manfred para o plano superior seja tranquila. Assim seja.

...*** ...

SIMON FEZ MAIS TRÊS ENTREGAS consecutivas após ter recebido a notícia da tragédia. Assim que saiu do último cliente, decidiu encerrar o dia e ir ao hospital. Pedalava rápido, debaixo de chuva. Estava encharcado.

Mas a sua cabeça estava longe. Manfred morreu. Seu pai. Será que Karl está sabendo? Como ele vai lidar com isso? Simon já fazia o papel de Manfred, que sumia e aparecia do nada. Agora que ele não está mais aqui… O fardo seria maior? Sim. Seria.

Desde que recebeu a notícia, tudo se dissolveu para Simon. Pela primeira vez na vida, não tinha mais a noção do futuro. Do que faria nos próximos dias. A realidade mudou. Os próximos dias eram como folhas em branco, esperando manuscritos. Simon não tinha ideia do que esboçar.

O que lhe trouxe de volta à realidade foi o pneu da bicicleta ter afundado no buraco, no meio do asfalto.

Simon foi arremessado com o impacto.

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Comments

Sofi ♥️

Sofi ♥️

Eu rir, desculpa kskskskks

2024-05-26

3

Anilda Alves da Cruz

Anilda Alves da Cruz

lá vêm o salvador

2024-05-15

1

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