O SEMIDEUS

O SEMIDEUS

Capítulo 1

MANFRED COMEMORAVA O sucesso do seu cassino clandestino. A casa lotada, muitas mesas espalhadas e gente jogando — apostando alto, do jeito que ele previa.

MANFRED — Isso aqui tá um máximo!

Ele vestia um terno preto risca de giz e usava uma gravata borboleta. Do seu lado, Fritz — seu sócio — olhava em volta. Deu batidinhas no ombro do amigo.

FRITZ — Você mandou bem, hein. Só tem gente aqui com muito dinheiro vivo na carteira.

Apontou discretamente para uma mesa. Manfred seguiu o olhar dele.

FRITZ — Olha só aquele aqui apostando um bolo de nota de cem…

MANFRED — Ouvi dizer que ele é médico e ganha muito bem. Se duvidar, sei o valor exato.

FRITZ — Quanto?

MANFRED — Quarenta mil paus.

Fritz deu uma risadinha.

FRITZ — Tá brincando…

MANFRED — Eu tenho minhas fontes confiáveis.

Eles foram direto ao open bar, servindo-se de rum. Manfred investiu pesado no cassino de luxo.

FRITZ — Falando sério, agora. Posso te perguntar uma coisa?

MANFRED — Pergunte.

FRITZ — Onde você conseguiu essa gente toda?

Manfred bebeu um gole de rum com pedras de gelo.

MANFRED — Heiko. Ele me deu uma lista seleta de pessoas com muito dinheiro e foi indicando… Aí o resto você sabe.

Fritz olha para os lados. E cochicha:

FRITZ — O agiota que você tá devendo até hoje?

MANFRED — Ele mesmo. Não esquenta com isso, não. Heiko sabe esperar e eu vou pagar ele com juros…

FRITZ — E o que você tá esperando pra pagar esse homem logo? Ele é perigoso.

Manfred deu de ombros.

MANFRED — Que nada… Ele nem sabe a existência desse cassino. Quem mandou o endereço pra cada um aqui fui eu.

FRITZ — Que diferença faz? Ele pode entrar em contato com um desses aqui e pedir o endereço do cassino.

MANFRED — Você acha que ele ia querer vir até aqui e me cobrar?

Fritz bebeu um gole de rum.

FRITZ — Ele é capaz de coisa pior. Só digo isso. Faz um mês que você deve a ele.

MANFRED — A dívida que eu tenho com Heiko não se compara com a do Ivan.

Fritz olhou fixo para o amigo.

FRITZ — Ivan Lafayette?

Manfred apenas assentiu com a cabeça.

FRITZ — Você é doido mesmo, sabia?

Manfred deu palmadinhas no ombro dele.

MANFRED — Calma, meu amigo. Tá tudo sob controle.

...*** ...

DO LADO DE FORA, Heiko andava discretamente na calçada. Ele observou que, para entrar no cassino clandestino, é preciso atravessar um caminho sinuoso de ladrilhos e se identificar para o segurança na porta.

Notou que o enorme casarão é muito discreto e facilmente acima de qualquer suspeita. Nem a polícia, fazendo ronda habitual, desconfiaria. A não ser que…

Ele discou um número no telefone. Esperou meio minuto.

HEIKO — Gostaria de fazer uma denúncia anônima.

Ele seguiu até o próprio carro. Girou a chave na ignição. Desligou o telefone, dando uma última olhada no lugar. Partiu, devagar.

HEIKO — Agora vamos ver quem se fode mais.

Heiko não era o tipo de homem que perdoava. Muito menos uma dívida atrasada, cujo devedor faturava cinco vezes mais e o enrolava de propósito.

...*** ...

O SEGURANÇA COCHICHOU discretamente no ouvido de Manfred. Ele apenas assentiu com a cabeça. Fritz se aproximou.

FRITZ — O que tá pegando?

MANFRED — Parece que ele viu uma movimentação estranha na rua.

FRITZ — Quer que eu vá lá fora pra dar uma olhada?

MANFRED — Pode ir. Só pra ter certeza de que tá tudo sob controle.

Fritz cochichou de novo:

FRITZ — Você tem certeza que não tem perigo algum? Sabe do que tô falando.

Era sobre Heiko e a dívida que só aumentava.

MANFRED — Sei, sei. Amanhã eu resolvo isso logo.

FRITZ — Era pra ter resolvido faz tempo. Enfim.

Fritz saiu.

Manfred bebeu o último gole de rum.

...*** ...

HEIKO SEGUIA PELA AUTOESTRADA. Seu celular tocou.

HEIKO — Fala, Kim. Acabei de ferrar com o canalha que não me pagou o que é meu.

Kim é o seu comparsa. Do outro lado da linha, ele saiu de uma viela. Lá tinha uma boca de fumo bem perigosa.

KIM — E aí, a polícia vem mesmo?

HEIKO — Disseram que sim. Cassino clandestino, né. Nem pode.

KIM — Fez bem.

HEIKO — E ai? O que é que tá pegando?

Kim contou que o “usuário” não tinha dinheiro para pagar naquele momento.

HEIKO — Problema dele. Vou ter que acabar com outro filho da puta?

KIM — Vai ser o jeito.

HEIKO — Me espera aí num bar perto. Já já chego aí.

Heiko desligou. E viu um furgão da polícia passando pela outra via, rumo ao bairro do cassino. E deu um sorriso, satisfeito.

...*** ...

MANFRED OBSERVOU, DE LONGE, que Fritz recebeu mais três homens de terno. Um deles tinha um anel peculiar no dedo mindinho. Parece um anel de quem tinha bastante poder.

Os três homens se acomodaram numa mesa vazia. Começaram a jogar.

Manfred esperou Fritz se aproximar.

MANFRED — Quem são eles?

FRITZ — O cassino tá fazendo sucesso “na praça”. Eles vieram por indicação de clientes.

Manfred deu um sorriso presunçoso.

MANFRED — Ótimo. Quanto mais faturamento, melhor pra nós.

Fritz deu uma risadinha.

FRITZ — Não vi nada de esquisito lá fora.

MANFRED — Alarme falso, então.

...*** ...

SIMON PEDALAVA DEPRESSA. Já era meia-noite. Ele tinha acabado de fazer a última entrega. Queria chegar a tempo no estabelecimento, que fecha daqui a meia hora. Se não chegasse, correria o risco de não receber a diária na hora — só pela manhã, e se o responsável pelo pagamento tivesse.

Estava sem dinheiro e os cento e vinte reais já era garantia de que ele conseguiria colocar o café da manhã, almoço e jantar na mesa.

Pedalava desde às 17h30. Perdeu as contas de quantas vezes cortou entre os carros e até mesmo quase sofreu um acidente por conta da imprudência dos motoristas. Entretanto, Simon estava calejado com essa realidade: durante o dia, trabalhava no drive thru como atendente; durante o final da tarde até a madrugada, trabalhava numa pizzaria como entregador.

Como o trânsito estava mais tranquilo agora, embora perigoso, ele conseguiu chegar na pizzaria a tempo.

Trevor, que era como se fosse o gerente do local, abriu um sorriso cordial. Honestamente, ele gostava de Simon. Entregou-lhe um envelope:

TREVOR — Sua diária.

Simon sorriu de volta.

SIMON — Obrigado. Esse dinheiro vai ser a minha salvação.

TREVOR — Aconteceu alguma coisa?

SIMON — Não, não… Nada demais. Sabe como é final de mês. Fiquei praticamente sem nada.

Trevor assentiu com a cabeça. Ele sabia da realidade de Simon e o quanto o rapaz trabalhava para conseguir sobreviver.

Ele olhou para os lados e não tinha ninguém. Só eles dois. Trevor enfiou a mão no bolso.

TREVOR — Me dê a sua mão.

Trevor pegou a mão de Simon. Após colocar uma célula dobrada, fechou a palma da mão dele.

Simon abriu discretamente e viu uma nota de cem. Sentiu os olhos arderem um pouco.

SIMON — Cara, não sei o que dizer.

TREVOR — Só aceite e não conta pra ninguém. Você merece. Merecia mais, porém só consigo ajudar no que posso.

Simon deu um abraço nele, com tapinha nas costas. Trevor retribuiu.

SIMON — Amanhã eu venho de novo. Mesmo horário.

TREVOR — Beleza, então. Ah… Peraí.

Trevor pegou um pacote. Dentro dele tinha fatias de pizza sobrando. E pegou uma garrafinha pequena de coca-cola.

TREVOR — Leva. Eu não vi você comendo hoje. Deve estar com fome.

SIMON — Valeu mesmo.

Eles trocam mais um aperto de mão. Simon nota que os olhos verdes de Trevor estão mais flamejantes.

TREVOR — Preciso fechar aqui. Vá pra casa.

Simon deu um último aceno e saiu de bicicleta.

...***...

O CASSINO CONTINUA a todo vapor. Manfred e Fritz conversavam com alguns frequentadores que elogiaram o local. O que eles não notaram é que os três homens, que entraram por último, olhavam entre si. Parece que decidiam o momento certo de entrar em ação.

Um deles acenou com a cabeça discretamente. Meio seguindo depois, o cara levantou-se sacando uma arma junto com os outros dois.

HOMEM — Polícia! Parado todo mundo. Parado todo mundo! Mão na cabeça!

De repente, o barulho das viaturas tomou conta. E um exército de policiais entrou no local.

Manfred olhou para o lado e viu que Fritz sumiu.

MANFRED — Filho da mãe!

Um policial acabou rendendo-o.

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Comments

🌟OüTıß🌟

🌟OüTıß🌟

O Simon com vestido de noiva:Eu não tenho tanta certeza disso não,pain'👁👄👁💅

2024-10-09

0

Keu Sorella

Keu Sorella

Hai que saudades eu estava de vc Jhonatan, passando aqui vi essa sua história comecei agora e já estou gostando.
❤️ Parabéns ❤️!!!!!
Autor maravilhoso....👏👏👏👏👏

2024-06-29

3

Erica Diniz

Erica Diniz

Obrigada Jonathan, por ter retornando com esta história.

2024-05-06

5

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