Capítulo 14

MANFRED PUXOU O AR DEVAGAR, soltando da mesma forma em seguida.

SIMON — É melhor não fazer muito esforço.

MANFRED — Eu tô de boa. Só preciso te passar o caminho certo.

SIMON — Beleza. Começa aí.

Manfred explicou como ele vai até o local — fica num determinado quilômetro assim que ele pegar a autoestrada; é uma chácara abandonada, mas que está trancada.

MANFRED — Fritz tem a chave do lugar. Peça a ele. Se ele perguntar, fala que fui eu que mandei. Se quiser contar com ele, pode. Ele é um dos poucos amigos que restou, e que eu confio.

Simon falou baixinho, pensativo:

SIMON — Eu sei.

MANFRED — Você entendeu o que eu disse?

SIMON — Sim, entendi tudo.

MANFRED — Se algo ruim acontecer, vai nesse lugar.

Simon não sabia como reagir: se falaria pra Manfred que nada aconteceria ou se perguntaria pra ele o que pode acontecer de ruim, se a cirurgia foi um sucesso.

SIMON — É melhor eu deixar você descansar.

Quando ele fez menção de sair, o homem segurou Simon pelo pulso.

MANFRED — Cuide bem de Karl. A todo custo. Faça o que for preciso pra se manter cuidando dele.

SIMON — Eu já faço isso há bastante tempo. Gasto energia, tempo, e saúde… Ocupando o papel que deveria ser seu.

Manfred soltou o ar.

MANFRED — Espero que um dia você me desculpe.

SIMON — Só o tempo vai dizer.

MANFRED — Melhor você ir.

Simon assentiu com a cabeça. E foi embora.

...*** ...

AMÉLIE E KARL ESTAVAM do lado de fora do hospital, esperando um táxi.

KARL — Cadê Simon?

AMÉLIE — Seu irmão vai ficar por aqui, de olho no seu pai.

Houve um momento de silêncio.

KARL — Tia.

AMÉLIE — Diga, meu amor.

KARL — Meu pai vai ficar bem?

Amélie soltou o ar devagar, antes de responder. E ficou na mesma altura que ele ao se agachar.

AMÉLIE — Seu pai vai ficar bem sim, tá? Ele tá melhorando devagar, mas tá tudo indo bem. Não se preocupe.

KARL — Ele me disse uma coisa estranha.

AMÉLIE — Que coisa?

KARL — Obedecer meu irmão, porque ele vai cuidar de mim.

Amélie ficou pensativa. E assentiu com a cabeça.

KARL — Seu irmão já está cuidando de você, não está? Eu também tô. Sou sua tia, né?

Ela abriu um sorriso rápido. E desejou acabar com a raça do próprio irmão, por ter soltado um pressentimento de que algo ruim aconteceria para uma criança sensível como Karl.

AMÉLIE — Sempre vou cuidar de você, tá? Eu, seu irmão…

KARL — Margot.

AMÉLIE — Você gosta da Margot?

KARL — Sim. Ela me leva pro parque, me deixa brincar muito. Faz bolo pra mim…

Amélie passou a mão na camiseta de desenho animado do menino, como quem fazia um carinho maternal.

AMÉLIE — Nosso carro chegou. Vamos pra casa?

KARL — Vamos. Tô com fome.

AMÉLIE — Chegar em casa eu vou preparar um lanchinho.

KARL — Tá bom.

...*** ...

IVAN CONTOU PARA HEINRICH sobre o que aconteceu entre ele e Simon. Estavam no fumódromo, cada um com seu charuto.

HEINRICH — E você mentiu o nome.

IVAN — Mentir é uma palavra muito forte. Eu omiti. É isso.

HEINRICH — Mas por que mesmo?

Ivan deu de ombros.

IVAN — Sei lá. Saiu “Carlo” ao invés de Ivan.

Heinrich balançou a cabeça, rindo.

HEINRICH — Você vai deixar o rapaz em choque quando ele souber quem realmente é “Carlo”.

IVAN — Pois é.

HEINRICH — Pretende contar a verdade quando?

IVAN — Qual verdade, exatamente?

HEINRICH — A do casarão. O pai dele entregou o casarão como garantia, perdeu todo o dinheiro… e agora vai ter que pagar.

IVAN — Vamos com calma. Deixa o garoto viver a vida normalmente…

HEINRICH — Quer pegar desprevenido?

Ivan deu um trago no charuto, soltando uma fumaça densa pelo nariz.

IVAN — Sempre é bom. Gera desespero. E o desespero faz com que uma pessoa consiga as coisas mais rápido.

HEINRICH — Muito bem articulado da sua parte.

Quem soltou a fumaça densa dessa vez foi Heinrich.

IVAN — Colocar desespero em alguém faz com que a gente consiga o que quer de um jeito mais rápido. Nada melhor do que ver uma pessoa se virando, por exemplo, pra não morrer…

HEINRICH — Que nem o Manfred.

IVAN — Eu não pretendo dar cabo em Manfred. Ele é bem insignificante até nisso. Só vou tomar o casarão, que ainda vale uma fortuna. Só fazer uma reforma, que vai voltar a valer o preço.

HEINRICH — E você quer fazer o quê com Simon?

Ivan olhou para o nada, enigmático.

IVAN — Coisa minha.

...*** ...

SIMON CHEGOU NA PIZZARIA de Trevor, para iniciar mais um turno de Delivery.

TREVOR — Fiquei sabendo do seu pai. Como ele tá?

SIMON — Tá se recuperando. Saiu da UTI hoje, foi transferido pro quarto, e precisa de muito repouso no momento.

Houve um momento de silêncio.

TREVOR — Tomara que ele fique bem.

SIMON — Pois é. Não por mim, mas pelo Karl.

TREVOR — Seu irmão deve sentir muita falta dele né.

SIMON — Ele foi visitar hoje. Depois de um bom tempo sem ver o pai. É muito irresponsável da parte de Manfred…

Trevor apenas assente com a cabeça, demonstrando compreensão.

TREVOR — Você tem certeza que tá bem pra trabalhar hoje? Se quiser… te dou uma folga por hoje.

SIMON — Relaxa, Trev. Preciso da diária. Sério.

TREVOR — Se é assim… Tudo bem. E a sua bicicleta, cadê?

SIMON — Furtaram, sabia?

TREVOR — Tem problema, não. Tenho uma de reserva aqui.

SIMON — Sério?

Trevor foi na pequena garagem ao lado e voltou com uma bicicleta tão melhor do que a de Simon.

TREVOR — Você pode levar pra casa. Só tomar cuidado mesmo.

SIMON — Poxa, valeu mesmo. Pode deixar que eu vou tomar cuidado.

TREVOR — Já tem aqui umas entregas pra fazer.

Simon esfregou a palma das mãos uma na outra.

SIMON — Manda ver…

...*** ...

...TRÊS DIAS DEPOIS ...

MANFRED ESTAVA PRESTES DE abrir os olhos para tomar uma nova medicação intravenosa. Ele sentiu que a enfermeira se aproximou, preparando a medicação. Disse para si mesmo que só abriria os olhos se ela o chamasse. A mulher era bonita demais; prometeu a si mesmo que, se conseguisse sair vivo deste hospital, iria procurar por ela.

Era o tipo de mulher que fazia qualquer homem querer tomar rumo na vida. Depois de quase morrer, era o que Manfred queria. E vai ser com essa enfermeira loiraça que sempre o medicava na veia durante as manhãs.

Sentiu a medicação passando pelas veias. Ele abriu um meio sorriso para surpreendê-la e dar um bom dia. Mas assim que abriu os olhos…

Seu sorriso sumiu.

Reconheceu Kim, o comparsa de Heiko. O homem tinha abaixado a máscara, exibindo um sorriso diabólico.

KIM — Bom dia, sr. Manfred. Espero que esteja bem. Logo logo seu café da manhã será servido…

O homem colocou a máscara de volta. Manfred já não tinha mais forças para falar. Só observou o comparsa saindo tranquilamente com a bandeja de medicação, enquanto os batimentos cardíacos desaceleravam.

Meio minuto depois o frequencímetro exibiu a linha reta, junto com o beep contínuo.

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Comments

Tania Maria Rufino

Tania Maria Rufino

O caçula não merecia isso 😞

2024-07-28

0

Tania Maria Rufino

Tania Maria Rufino

Poxa 😕. O caçula não merecia isso.

2024-07-28

0

Anilda Alves da Cruz

Anilda Alves da Cruz

achando que era a loira /Sob/

2024-05-14

3

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