SIMON, AMÉLIE E KARL tomavam o café da manhã na pequena mesa próxima à cozinha. Karl terminou primeiro.
KARL — Posso brincar no tablet, tia?
Amélie olha rapidamente para Simon, que balança com a cabeça uma vez de forma positiva.
AMÉLIE — Pode, meu amor.
SIMON — Primeiro você precisa escovar os dentes. Depois, o tablet.
AMÉLIE — Quer que a tia ajude?
Karl se levantou, respondendo com aquela presunção infantil bem engraçada:
KARL — Não, tia. Eu sei fazer sozinho.
Amélie abriu um sorriso.
AMÉLIE — Então tá bom.
O menino saiu. Amélie esperou ouvir o barulho da porta do banheiro se abrindo.
AMÉLIE — Ele tem perguntado muito sobre o seu pai?
Simon bebe mais um gole de café.
SIMON — Ultimamente sim. Quase todos os dias, sabe…
Amélie assente com a cabeça, como quem demonstra compreensão.
AMÉLIE — Deve ser difícil ficar omitindo pra ele. Ainda mais uma criança, que é mais complicado de lidar com essas ausências do próprio pai.
SIMON — Pois é.
AMÉLIE — Ele me perguntou também.
SIMON — Foi mesmo?
AMÉLIE — Foi.
Ela se serviu com mais uma xícara de café. E bebericou antes de continuar.
AMÉLIE — Ele reclamou do fato de você não ter mais notícias dele. Daquele jeito, de criança. Engraçado, mas achei triste.
Simon deu um sorriso triste.
SIMON — Você viu, né.
AMÉLIE — Uma hora ele vai ter que saber da verdade. Mas não precisa ser agora.
SIMON — Penso a mesma coisa. Ainda não encontrei as “palavras certas” pra começar esse assunto com ele.
Amélie pegou na mão de Simon, com ternura. Simon lembrou-se da mãe, que morreu há anos.
AMÉLIE — Uma hora elas chegam. Você vai sentir o momento certo de sentar com ele e falar sobre.
Simon colocou a mão por cima da mão dela.
SIMON — Tomara, tia.
Simon olhou de relance e viu Karl brincando no tablet, sentado no sofá, concentrado.
Até que seu celular toca. Franziu a testa ao ver um número não salvo, que não conhecia.
SIMON — Alô?
DESC — Alô, Simon?
SIMON — É ele. Quem é?
DESC — É Fritz. Amigo do Manfred, seu pai.
Simon franziu a testa. Lembrou-se do homem vagamente.
SIMON — Fritz? Aconteceu alguma coisa?
FRITZ — Aconteceu. Foi com seu pai.
SIMON — O que houve?
FRITZ — Ele foi baleado e está na UTI. Eu tô aqui no hospital…
Simon não conseguia ouvir mais nada, de tão perplexo.
...*** ...
NOVE E MEIA DA MANHÃ. Ivan abriu os olhos, de cara para o teto do quarto. Ele solta o ar devagar, se espreguiçando com uma elegância natural. Até que ele se senta na beira da cama. O homem é um lord. Aura de semideus, todo poderoso. Mesmo tendo acabado de acordar, estava impecável.
Pegou um controle na mesinha de cabeceira e, selecionando alguns comandos, permitiu que um pouco de claridade entrasse no quarto. Levantou-se, seguindo em direção ao banheiro suntuoso. Parecia ter o mesmo tamanho do quarto de tão espaçoso que é. E viu que a sua bacia de porcelana com água e vários cubos de gelo estava pronta.
Ivan fez uma imersão facial na bacia, sentindo a água gelada em cada terminação nervosa. Era um ritual sagrado, rotineiro. Diário. Greta tinha que deixar tudo pronto faltando cinco minutos para ele acordar. Ele ergueu o rosto de volta, olhou para o espelho já satisfeito. Pegou a toalha de rosto, limpa, dando leves batidinhas para retirar o excesso.
GRETA — Posso servir o café da manhã, senhor?
Greta falou de longe.
IVAN — Sim, por favor.
GRETA — Ok. Licença.
Os passos de Greta ficaram distantes. Antes mesmo dele tirar o pijama para tomar banho, Heinrich apareceu na soleira da porta. Ivan o olhou de relance.
IVAN — Heinrich. Quase me vê pelado, agora.
HEIRICH — Me desculpe. Mas acho que gostaria de saber logo a respeito de uma coisa.
Ivan se virou de frente pra ele.
IVAN — Que coisa?
HEINRICH — Acabei de saber que Manfred foi baleado. Levou três tiros.
...***...
SIMON ENTROU A PASSOS RÁPIDOS no hospital. Assim que entrou na sala de espera, deu de cara com Fritz. Lembrou-se dele instantaneamente.
FRITZ — Simon?
Simon soltou o ar.
SIMON — Sim, sou eu.
Eles trocaram um aperto de mão firme e rápido.
SIMON — O que aconteceu com meu pai?
Fritz enfiou as duas mãos nos bolsos da calça. Parecia sem jeito para explicar, mas Simon estava ali esperando.
FRITZ — Manfred disse que ia dar uma saída. Logo assim que ele saiu… Ouvi três disparos. Quando fui olhar o que aconteceu, ele estava lá: estatelado no chão, inconsciente.
Simon não esboçou nenhuma reação. Fritz continuou a história, até que Simon decidiu se sentar no sofá ali próximo. O pai não tinha jeito mesmo. Se metia em confusão a troco de nada, nem fazia ideia que podia pagar com a vida.
SIMON — O estado dele.
FRITZ — Delicado. Ele tá passando por uma cirurgia agora para estancar o sangramento interno após retirar as balas.
Simon suspirou. Como ele contaria para Karl sobre o pai?
Fritz sentou-se ao lado de Simon. Tocou-lhe no ombro.
FRITZ — Sinto muito, de verdade.
SIMON — Pelo quê?
FRITZ — Por ter um pai canalha que não se importa nenhum pouco com o que resta no mundo: os dois filhos.
Simon lançou um olhar enigmático para o nada.
SIMON — Só tenho pena do meu irmão mais novo, que sente a falta. Eu não sinto mais. E você não precisa sentir muito.
Fritz tirou a mão, devagar.
FRITZ — Tudo bem. Desculpe.
Simon o olhou.
SIMON — Relaxa. Não é nada pessoal.
Fritz deu um sorriso meio fraco, mas foi o suficiente para ressaltar os pés de galinha ao redor dos olhos. Simon lembrou-se dos olhos verdes penetrantes que o homem tinha. Lembrou-se de tê-lo conhecido no início da adolescência. É um velho amigo do pai. Lembrou-se de ter, uma vez, ficado atraído com aquele par de olhos chamativos. Tudo isso sustentando o olhar.
FRITZ — Você precisa de alguma coisa?
A pergunta dele o fez tirar dos devaneios. Simon balançou a cabeça de leve.
SIMON — Não. Não, obrigado. Por enquanto não vou precisar de nada.
...*** ...
JÁ SE PASSARAM QUATRO HORAS desde que Simon saiu apressado da casa de Amélie, rumo ao hospital. Ela sabia. Simon tinha que contar. A tia precisava saber.
Amélie lavava as louças do almoço, apreensiva. Karl aproximou-se com o tablet na mão. Ela procurou não transparecer pro menino.
KARL — Tia, cadê meu irmão?
AMÉLIE — Seu irmão? Ele teve que sair para resolver um probleminha, mas volta já já.
KARL — Ah. Tá bom.
Karl voltou para o sofá. Amélie suspirou, um pouco aliviada pela pergunta do garoto não ter sido difícil de responder e porque conseguiu esconder a verdade.
Ela secou as mãos no pano de prato, pegando o celular em cima da bancada. Ligou para Simon, olhando de relance se Karl estava quieto jogando. Foi até o quintal, falar baixinho:
AMÉLIE — Alô? Simon? Alguma notícia?
...*** ...
SIMON CONTOU TUDO para Amélie, recostado no sofá da sala de espera.
SIMON — Ele acabou de sair da cirurgia e agora tá na UTI. O estado dele ainda é delicado. Ainda entre a vida e a morte.
AMÉLIE — Meu Deus…
SIMON — Karl desconfiou de alguma coisa?
AMÉLIE — Perguntou pra onde você foi e eu inventei uma desculpa que ele acreditou. Tá lá na sala, brincando. Você almoçou?
SIMON — Ainda não. Mas daqui a pouco vou ver o que tem na cantina deste hospital.
AMÉLIE — Pois coma alguma coisa, tá bom?
SIMON — Pode deixar, tia.
AMÉLIE — Preciso desligar.
SIMON — Tá bom. Beijo.
AMÉLIE — Beijo.
Ele colocou o celular do lado, no sofá. Momentos depois, Fritz chega com uma marmita de isopor com garfo e faca. Simon sentou-se no sofá, curioso.
FRITZ — A caminho daqui encontrei um restaurante que faz comida caseira e escolhi uma macarronada.
Simon pegou a marmita, com meio sorriso.
SIMON — Obrigado. De verdade.
FRITZ — Você tava precisando.
SIMON — Honestamente falando… Sim, bastante.
FRITZ — Então aproveita aí. Bom apetite.
Ele fez menção de sair dali ao se virar, mas
SIMON — Posso te fazer uma pergunta?
Fritz sorriu.
FRITZ — Pode, claro.
Simon cruzou as mãos, firme.
SIMON — O que meu pai fez para merecer tomar esse tiro?
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Sofi ♥️
Você já gostou do seu amigo Fritz??? Tô pasma...
2024-05-26
3
Sofi ♥️
Fritz você é gay??? Será ?Eu tô passada😦
2024-05-26
2
Anilda Alves da Cruz
quem procura acha /Shy/
2024-05-14
2