Capítulo 20: Jogo Perverso.

Meu estômago começou a revirar conforme Ivan desabafava sobre sua vida. Resistir à piedade era um desafio crescente. Enquanto ele falava sobre sua avó, suas mãos se uniam em busca de conforto, revelando a fragilidade por trás de sua expressão serena.

— Minha avó é como uma segunda mãe para mim, Samira. Você entende, minha mãe nos deixou cedo demais. Desde então, ela tem sido nosso porto seguro, cuidando tanto de mim quanto da minha irmã. Mas então, essa doença horrível veio e a deixou assim. Hoje, ela nem nos reconhece.

— Você tem irmã? Eu não sabia. Achei que fosse filho único.

— Muitas pessoas pensam assim, Samira. É que meu pai é bem reservado quanto à sua vida pessoal e não fala de nós para ninguém. Diz que é para nos manter seguros, já que é dono de tantas coisas. Teme que algo nos aconteça, mas eu acho bobeira, sabe? Quanto à minha irmã, ela está na França hoje, terminando seu PhD.

Interessante. Era uma informação relevante para se manter em mente. Ivan não era filho único de Manoel. Em algum lugar do mundo, existia outro ponto fraco do grande mafioso Rodríguez, que ele protegia com afinco. Essa descoberta me deixou satisfeita.

Um sorriso surgiu em meu rosto, e Ivan me questionou.

— Por que está sorrindo, Serena?

— Eu sorrindo? Ah, só imaginando como sua avó foi maravilhosa por você e sua irmã. Eu nunca tive uma mãe e nem uma sombra de uma, Ivan. Então, eu fico feliz por vocês terem recebido esse amor que eu nunca tive. Mas vocês merecem, de verdade.

Meus olhos desviaram-se por um momento, lembrando-me das sombras do passado, antes de voltar a encontrar os de Ivan, agora preenchidos com uma mistura de compaixão e curiosidade.

Um sorriso suave iluminou o rosto de Ivan, e ele colocou gentilmente uma mão sobre a minha, transmitindo conforto e compreensão.

— Samira, sinto muito por você não ter tido esse amor maternal em sua vida. Mas saiba que você parece ser uma pessoa incrível, e tenho certeza de que merece todo o amor e carinho do mundo. Se precisar de alguém para conversar ou simplesmente para estar ao seu lado, estou aqui para você.

Suas palavras ecoaram calorosamente em meu coração, como se estivessem tentando adentrá-lo. Era como se, naquele momento, Ivan fosse um verdadeiro príncipe, emanando gentileza e compaixão.

Mas eu não podia me deixar enganar pelo sentimento de acolhimento, e retirei bruscamente minha mão da dele.

— Eu nunca gostei quando as pessoas sentem pena de mim por isso, Ivan. Odeio ser rotulada como a órfã e sentir as pessoas me tratarem como um ser especial. Eu não sou.

Ivan, percebendo minha reação, baixa levemente a cabeça e diz com sinceridade:

— Desculpe, Samira. Não foi minha intenção fazer você se sentir assim. Eu só queria mostrar que estou aqui para você, de qualquer forma que precisar.

Ao ouvir suas palavras genuínas, minha expressão suaviza e eu suspiro, fingindo reconhecer sua boa intenção.

— Tudo bem, Ivan. Eu entendo. Por favor, continue.

Isso, continue compartilhando sua vida, Ivan. Continue expondo seus segredos, e eu vou recolhê-los para meu próprio benefício. E quando você menos esperar, estarei com a faca em seu pescoço.

— Bom, voltando ao assunto da minha avó, ela ficou muito doente, e até hoje não entendemos direito o que é. Meu pai não tem muito tempo, minha irmã não dá mais notícias, então fiquei responsável por ela. Contratei alguém para fazer companhia, e lá está ela até hoje. É frustrante, sabia, Samira? Ver alguém que você ama um dia ao seu lado e, no outro, presa em uma cama, incapaz até de me reconhecer. É horrível. Mas quando penso na ideia de perdê-la...

Ivan balançou a cabeça, evitando aquele pensamento, e um arrepio percorreu todo o meu corpo.

— Não gosto nem de imaginar isso. Se acontecesse, acho que todo o meu mundo desabaria.

Desviei meu olhar para o chão, absorvendo as suas palavras. Era hora dele começar a se preparar, pois o destino de sua avó estava traçado. Era só preciso de uma simples ligação. Apenas um retorno do meu contato.

E então, sem mais avó para Ivan.

Voltei minha atenção para ele, e uma lágrima começou a se formar em seus olhos. Não, Ivan. Não sinta.

Eu precisava manter a frieza, afinal, era parte do meu trabalho.

— Infelizmente, a morte faz parte de nossas vidas. O luto é necessário, pois é assim que o ciclo se renova. Mas você não pode sofrer antecipadamente por algo que ainda não aconteceu — eu disse, e por um momento, houve uma pausa entre nós.

O que eu estava falando? Estava indo contra meu propósito! Não deveria consolá-lo, mas sim alimentar sua ansiedade e medo da vida. Essas palavras só tirariam o peso de seus ombros, e esse não era meu trabalho. Eu precisava destruir, machucar e torturar, não confortar e fazer ele se sentir melhor!

Com um esforço consciente, mudei minha postura, recuando para um semblante mais neutro, enquanto as palavras que acabara de dizer ecoavam em minha mente. Eu não podia permitir que meu instinto humano interferisse em meus objetivos sombrios. A verdade era que a dor de Ivan, seu sofrimento, era exatamente o que eu precisava para manter o controle sobre ele. Então, com um sorriso sutilmente calculado, voltei a focar em Ivan, pronto para continuar manipulando suas emoções em meu benefício.

Com um olhar calculista, deixei escapar as palavras com um tom mais ácido:

— Às vezes, Ivan, é melhor não se apegar tanto às ilusões de felicidade. A vida pode ser uma série de decepções, e é melhor estar preparado para os golpes que ela nos reserva.

Percebendo a expressão de desconforto de Ivan, eu continuei, pressionando ainda mais:

— Afinal, ilusões só levam a desilusões, não é mesmo? É melhor encarar a realidade de uma vez por todas e se preparar para o pior.

Surpreendentemente, Ivan pareceu ponderar minhas palavras por um momento antes de responder:

— Você tem razão, Samira. Às vezes, precisamos ser realistas e enfrentar os desafios de frente. Obrigado por me lembrar disso.

Ele sorriu para mim, e então, seu rosto se iluminou como o próprio sol. Era algo tão belo, tão bonito de se ver, que por um momento, eu me vi presa em sua aura radiante.

— Obrigada por estar aqui, nesse momento. Por me ouvir e me ajudar a abrir os olhos. E além de tudo: por ter paciência com Clara. Isso significa muito para mim.

Seu agradecimento ecoou em meus ouvidos, aquecendo meu coração momentaneamente antes que a frieza de minha missão se impusesse novamente. Eu retribuí seu sorriso com um leve aceno de cabeça, escondendo habilmente qualquer traço de dúvida ou remorso.

Não agradeça, Ivan. Você vai se arrepender desse ato. Lembre-se disso.

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