Eu me concentrei na tela diante de mim, os últimos traços de tinta dando vida ao homem de terno preto que dominava a paisagem. Seus olhos, fixos no céu estrelado, pareciam refletir uma mistura de contemplação e mistério. Cada pincelada era cuidadosamente aplicada, buscando capturar a essência da cena que se desenrolava em minha mente.
Minha sacada oferecia uma visão privilegiada do céu noturno, estendendo-se além das plantas e da espreguiçadeira. Era um refúgio tranquilo em meio à agitação da cidade, onde eu podia me permitir um momento de paz e contemplação. Nos raros momentos de folga, encontrava conforto na companhia de um bom livro, deixando-me envolver pela serenidade da noite enquanto as páginas viravam.
O prédio que abrigava minha sacada não era extravagante, mas tampouco era humilde. Era o equilíbrio perfeito entre discrição e conforto, algo que se adequava perfeitamente à minha vida. Como assassina, era essencial passar despercebida, e esse ambiente discreto proporcionava exatamente isso. Enquanto meu trabalho me colocava no centro da violência e do caos, aqui eu encontrava uma fuga, um refúgio onde podia desfrutar dos pequenos prazeres da vida sem chamar atenção indesejada.
Não era apenas a vista que me atraía para essa sacada; era a sensação de estar um pouco mais próxima da natureza, mesmo no coração da cidade. Era como se, por alguns momentos, eu pudesse escapar das amarras da realidade e me perder na imensidão do universo. Talvez fosse isso que me impulsionava a capturar a beleza das estrelas em minhas pinturas, uma tentativa de eternizar a sensação de paz que encontrava nas noites estreladas.
Enquanto dava os últimos retoques na pintura, senti-me grata por este pequeno santuário que me oferecia um vislumbre de serenidade em um mundo tão turbulento. A vida podia ser dura e implacável, mas aqui, na quietude da minha sacada, encontrava um refúgio que tanto necessitava.
No entanto, ao observar mais atentamente, percebi que estava tudo estranhamente silencioso. O silêncio pairava no ar de forma quase palpável, incomum para aquela hora da noite. Uma sensação de inquietude começou a se insinuar dentro de mim, como se algo estivesse prestes a acontecer. Após anos de experiência como assassina, você desenvolve um sexto sentido aguçado para detectar perigos iminentes.
Além desse sexto sentido, meu olfato também se tornou mais sensível ao longo do tempo. Parecia que o cheiro do suor e do sangue impregnavam minha pele, amplificando minha capacidade de detectar odores sutis. E naquele momento, um aroma masculino, intenso e inconfundível, invadiu minhas narinas, interrompendo a quietude da noite. Era um perfume caro, com notas de madeira e musk, uma fragrância que instantaneamente me colocava em alerta, pois sabia que não era uma coincidência. Era a presença de alguém, alguém que não deveria estar ali.
— Pode sair das sombras, Will. Você criou uma mania detestável de aparecer sem ser convidado — murmurei, desviando brevemente o olhar da tela onde meus pincéis dançavam com a tinta, como se estivessem ensaiando uma coreografia meticulosa.
— Você é muito difícil de observar — Will respondeu, emergindo das sombras com uma leveza que parecia desafiar as leis da física, um sorriso dançando em seus lábios ao encontrar minha presença na sala.
— Tente não usar esse perfume horrível da próxima vez — acrescentei, minha voz tingida com uma ironia que mal conseguia esconder o leve tremor de excitação e tensão que sua chegada inesperada trouxera consigo.
— Gostou? Foi mamãe que me deu.
— Sua mãe tem um péssimo gosto, assim como Alex tem para decisões. Mas me diga, o que você está fazendo aqui?
— Ah, é justamente sobre o pai que gostaria de falar. Ele... Ele não está bem.
— Ah, não me diga!
— Sua atitude foi completamente desnecessária, Samira. Você não precisava machucar o pai daquele jeito — Will disse, sua voz carregada de reprovação enquanto fitava a irmã com uma expressão de desapontamento.
Eu ergui as sobrancelhas, um sorriso irônico brincando em seus lábios. — Você sabe tão bem quanto eu que faz parte do meu trabalho. Alex estava se metendo em algo muito perigoso. Ele tentou roubar um poderoso chefe mafioso. Se eu não tivesse intervindo, ele poderia ter sido morto em vez de apenas ferido.
Will balançou a cabeça, incapaz de aceitar a justificativa de Samira. — Isso não justifica você deixar o pai com esse ferimento no rosto. Ele já passou por muita coisa, não precisava disso também.
Dei de ombros, minha expressão permanecendo imperturbável. — Se Alex soubesse se manter longe de problemas, isso não teria acontecido. Ele sempre foi ganancioso.
— Ele sempre teve as melhores intenções, sempre fez o melhor que podia pela gente.
Me enrijeci, e olhou indignada para o irmão.
— Claro, William, colocar uma arma na mão de uma criança de dezesseis anos é realmente o melhor. Olhe, você não me estresse, porque já estou ficando irritada.
William franziu a testa, sentindo a raiva pulsar dentro de si enquanto eu proferia minhas palavras cortantes. Antes que pudesse conter sua fúria, ele explodiu:
— Você não tem o direito de falar assim do pai! Ele fez o que pôde para nos proteger, e você sabe disso. E o que você fez? Você atacou o próprio pai com uma faca! Como ousa julgar o pai quando você mesma é culpada por parte do caos em que estamos?
— Como ousa você falar assim comigo? Will, você não tem noção do pai que tem. Provavelmente porque sua mãe veio te buscar da Irlanda, quando descobriu que Alex ia começar a fazer você vender drogas. Merda, por que é tão cego?
Eu soltei um suspiro exasperado, impaciente com a ingenuidade de William.
— William, pare com essa ingenuidade! Você precisa acordar para a realidade. Nosso pai não é o herói que você acredita. Ele está mergulhado em sujeira e violência, e você continua defendendo-o cegamente. Abra os olhos de uma vez por todas!
— É você que precisa acordar para realidade e deixar de ser ingrata. Você só é quem é hoje por causa dele. Olhe, Samira, se você fizer isso de novo, você vai se ver comigo.
William sentiu a ira borbulhando dentro de si, seus punhos se cerrando com força.
— Pois não tenho medo de um ladrãozinho como você, que não disfarça nem como chega. Pois se precisar, eu faço isso de novo e de novo, até Alex aprender. E se você entrar no meio, vai sofrer junto com ele as consequências. Você não me conhece, Will. Enquanto estava na Irlanda com sua mamãe, eu comia rato. Então, não brinque comigo.
William sentiu uma onda de raiva crescer dentro dele diante das minhas palavras cruéis. Seus olhos faíscaram com intensidade enquanto ele retrucava com voz firme e carregada de indignação.
— Como você ousa falar assim comigo, Samira? Você pode estar a trabalho, mas isso não lhe dá o direito de ameaçar a própria família! Eu posso não conhecer todos os seus demônios, mas não vou permitir que você os projete em mim. Nós somos irmãos, deveríamos estar juntos nisso, não nos atacando. Entenda de uma vez por todas, se você cruzar essa linha novamente, não haverá mais piedade da minha parte.
Os meus músculos tensionaram-se diante do desafio de William, mas ela não recuou. Sua voz soou gelada e cortante:
— Eu já disse que não tenho medo de você. Se quiser realmente problemas, diga ao SEU pai para se aprumar e parar de ficar tentando enganar os outros. Agora, saia do meu apartamento, e pare de ficar arrombando minha porta! Se não vou decepar sua mão!
Ergui o queixo com determinação, suas palavras cortando como lâminas afiadas.
— Saia do meu apartamento, Will. Você não tem mais nada para fazer aqui. Se não quiser enfrentar as consequências, é melhor ir embora agora mesmo.
William sentiu uma mistura de raiva e decepção, mas sabia que não havia como argumentar com a minha determinação. Com um último olhar cheio de ressentimento, ele virou as costas e saiu do apartamento, a porta batendo com força atrás dele.
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Atualizado até capítulo 35
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