Encarando a porta diante de mim, inspirei profundamente antes de tentar bater. Uma inexplicável sensação de peso parecia repousar sobre minha mão, como se algo invisível me impedisse de avançar.
O toque insistente do meu telefone interrompeu meu momento de hesitação, revelando uma enxurrada de mensagens de Clara. Revirei os olhos com frustração. Nem nos fins de semana eu conseguia paz. Decidi deixar as mensagens sem resposta e, reunindo coragem, finalmente bati na madeira.
A porta cedeu facilmente, revelando um interior envolto em uma densa nuvem de poeira, iluminado apenas pela fraca luz de um abajur. Percebi então que estava entreaberta, como se tivesse sido deixada propositalmente assim. Ninguém respondeu ao meu chamado, aumentando ainda mais a estranheza da situação.
Olhei ao redor, vasculhando o ambiente em busca de um rosto familiar. Foi então que um som agudo perfurou o ar, fazendo-me girar rapidamente.
Diante de mim, Will segurava uma pistola, seus olhos cravados nos meus. Seus braços estavam rigidamente esticados, o queixo erguido em determinação.
Um sorriso irônico desenhou-se em meus lábios diante da surrealidade da situação. Meu próprio irmão apontando uma arma para mim, uma cena que parecia saída de um filme de máfia. Mas Will não correspondeu ao meu sorriso, sua expressão sombria e séria.
Fixei meus olhos nos dele, o desafiando.
— Vai, Will, mostre que você é homem o suficiente. Atire.
Uma única gota de suor percorreu a testa de Will, mas ele permaneceu imóvel, o silêncio pesando entre nós como uma promessa sombria.
Então, o dedo do meu irmão ficou tenso, pressionando o gatilho. Um som estridente ecoou pelo ar, e tudo o que pude ouvir foi o click da arma. Estava sem munição.
Will explodiu em risadas, e eu me juntei a ele com um sorriso cínico.
— Está gostando da arma, Samira? Encontrei-a enquanto mexia nas coisas do pai. Achei interessante. Engraçado como as coisas do nosso velho sempre têm surpresas, não é?
Will lançou a arma em minhas mãos, e eu a peguei com agilidade. Revirei a pistola entre os dedos, notando a estrela desenhada com esmalte. Um arrepio percorreu minha espinha quando a realidade se materializou diante de mim. Aquela pistola era minha. Alex me presenteou com ela no meu aniversário de dezesseis anos, e foi com essa arma que pus fim à vida do agiota que ameaçava nossa família.
— Espera, esta arma é minha. O que Alex está fazendo com ela? — minha voz soou estranhamente rouca, minha mente girando com o peso das lembranças.
Will deu de ombros, seu olhar desviando-se do meu.
— Parece que você deixou para trás durante suas mudanças malucas, e o pai acabou pegando. No final das contas, você acabou abandonando suas origens. Está tão diferente que mal consigo te reconhecer.
— Não seja ridículo. Eu sou a mesma pessoa de sempre — insisti, minha voz vacilante.
Will me encarou com frieza.
— É mesmo? Então me explique por que você cravou uma faca no rosto de nosso pai. Você tem uma memória seletiva, Samira?
— Minha memória é ótima, Will. Você é que é cego demais para ver a verdade. Nosso pai mexeu com meu cliente, e negócios são negócios. Alex cutucou um ninho de vespas, infelizmente.
Will balançou a cabeça com descrença.
— Isso é o que você diz para se convencer.
Uma voz rouca ecoou do fundo do apartamento, acompanhada de passos se aproximando.
— Will, seu idiota. Quem está aí? Por que não me chamou? Eu dormi demais.
O homem parou na porta ao nos ver, seu rosto endurecendo ao me reconhecer. Alex estava com um curativo onde o ferimento se encontrava, sua pele pálida destacando seus olhos azuis, os mesmos olhos que muitos acreditavam ser a evidência de nosso parentesco biológico.
— Ora, se não é verdade o que dizem! Um bom filho à casa torna. O que está fazendo aqui, sua viborazinha? Veio terminar o serviço? — Alex disse em um tom irônico, mas não conseguiu esconder o ressentimento em sua voz.
— Não, Alex, vim aqui para te ver. Como está o meu salafrário favorito?
— O que você acha? — ele perguntou, ainda mais irônico.
— Você parece ótimo. Sempre tão firme como uma rocha — respondi, tentando desviar a tensão.
Uma risada escapou dos lábios de Alex, enquanto ele lançava um olhar divertido para Will, exibindo seus dentes amarelados.
— Olha só isso, Will. Parece que nem foi comigo que ela cresceu. A qualquer momento, ela pode sacar uma arma contra nós dois.
Will apenas balançou a cabeça em negação, optando por permanecer em silêncio.
— Você é como uma rosa do deserto, Samira. Tão bonita por fora, mas seus espinhos são afiados o suficiente para ferir até a mão mais cuidadosa. Apenas tome cuidado com o caminho que seus espinhos seguirão, pois é um trajeto doloroso e você pode acabar provando do próprio veneno.
— Poupe-me dos seus sermões, Alex. Você é a última pessoa que pode me aconselhar sobre escolhas ruins. Sabia muito bem o preço de tentar enganar um chefe da máfia e, mesmo assim, fez o que fez. Aquela cicatriz foi apenas um aviso, pois ele preferiria arrancar sua garganta.
— Tá, tá, tá, Samira! Já entendi que, como uma boa moça, você quis me proteger. Se é isso que você pensa, tudo bem. O que um pai não pode perdoar, não é mesmo? Mas enfim, entre. Will fez café.
Enquanto recebia a xícara de café de Alex, me acomodei no sofá velho, sentindo a nuvem de poeira levantar ao meu redor. Quase instantaneamente, comecei a tossir, lutando para respirar enquanto a poeira invadia meus pulmões. Com um suspiro forçado, tentei me acalmar, ignorando a irritação em minha garganta enquanto tentava focar na conversa com meu pai.
Tomei um gole do líquido escuro que Alex e Will chamavam de café, e fiz uma careta.
— É incrível como você nunca soube fazer café, Will.
— E é incrível como nunca nada está bom para você, Samira. — Will se sentou ao meu lado, e pude sentir o odor do seu perfume barato. Ele percebeu minha careta e soltou uma risada seca.
— Alex, por que você permite que a mãe de Will passe esses perfumes horríveis nele?
— Sei lá, Samira. Eu quero é distância daquela mulher controladora. Não posso nem imaginar vê-la na minha frente que meus nervos ficam sensíveis.
Will e eu não pudemos deixar de rir. A situação dos pais dele era uma verdadeira novela. Alex, o vigarista de coração mole, e Mary, uma mulher ciumenta que insistia em controlar tudo ao seu redor. Apesar de se amarem, o relacionamento deles era como uma montanha-russa, cheio de altos e baixos. Mesmo após o término, a dinâmica entre eles persistia. Alex negava veementemente, mas todos sabiam que de tempos em tempos, lá estava Mary, firme e forte, na sua vida e, às vezes, até na sua cama.
— Mas mudando de assunto, o que te traz aqui? Está cada vez mais difícil te encontrar, e quando acontece, significa mau presságio. O que foi dessa vez? — perguntou Alex, mexendo a xícara de café com uma expressão séria no rosto.
Essa era a pergunta que eu estava esperando há muito tempo. Me ajeitei no sofá, sentindo a textura áspera do tecido sob meus dedos, e olhei fixo para Alex. Seus olhos, cheios de curiosidade, examinavam cada traço do meu rosto, enquanto sua expressão permanecia imperturbável, como se tentasse decifrar meus pensamentos antes mesmo de eu abrir a boca.
— Alex, eu preciso de alguém capaz de desarmar câmeras remotamente. Preciso realizar um trabalho sujo no hospital — disse, olhando diretamente para ele, com uma expressão séria.
Will protestou imediatamente, os olhos arregalados denunciando sua preocupação:
— Isso é uma loucura, Samira! Até mesmo os criminosos têm seus limites. Você não pode se arriscar assim, ainda mais em um hospital cheio de pessoas doentes precisando de cuidados.
Mas Alex o interrompeu com um gesto brusco:
— Cala a boca, Will. Deixe a garota falar.
— Quanto você está disposta a pagar pela informação e pelo serviço? — Alex perguntou, com um ar de interesse.
— É muito dinheiro — respondi, com uma mistura de determinação e ansiedade, enquanto sacava um bolo de notas do bolso interno do meu casaco. Com um gesto decidido, lancei-o na direção de Alex, vendo as notas se espalharem pelo ar antes de pousarem em suas mãos com um som abafado.
Alex pegou o dinheiro sorrindo e assentiu:
— Entendi. Eu conheço alguém que pode te ajudar com isso.
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Atualizado até capítulo 35
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