Capítulo 12: A Catalisadora.

Meus olhos se fixaram na recepcionista com interesse. Aos seus 35 anos, ela irradiava uma beleza serena, provavelmente já com uma família formada. Era difícil não imaginar envelhecer daquela maneira graciosa. Mas então o pensamento sombrio surgia: será que eu teria a chance de alcançar essa idade? Provavelmente não. Mais cedo ou mais tarde, o peso das minhas mortes inevitavelmente cairia sobre meus ombros.

Enquanto ela preenchia minha identificação, permiti-me um breve instante para admirar o ambiente do hospital. Era um local de refinamento, onde cada detalhe respirava conforto e elegância. Os corredores espaçosos exibiam obras de arte contemporânea, os móveis exibiam uma impecável sofisticação e a iluminação suave conferia uma aura acolhedora. Este não era apenas um hospital, era um refúgio para os privilegiados, onde a excelência médica se entrelaçava harmoniosamente com o luxo de um hotel cinco estrelas.

Diferente dos hospitais do meu bairro de infância, que eram extremamente pobres, com poucos profissionais e instalações precárias, em que provavelmente você adquiria mais doenças indo do que ficando em casa. Eles refletiam a realidade da vila, onde os recursos eram escassos e a saúde muitas vezes era negligenciada.

Uma vez, quando Alex quebrou o braço em meio a uma briga, decidimos levá-lo ao hospital diante da gravidade da situação. Foi uma tentativa única e arriscada, pois logo na primeira oportunidade a polícia apareceu, obrigando-nos a fugir às pressas pelos fundos do estabelecimento. Parece que, ao acessarem os dados de Alex, descobriram sua extensa ficha criminal. Bem, não era exatamente uma surpresa, não é mesmo? No entanto, Will e eu agimos de boa fé, mesmo que nossas decisões nem sempre fossem as mais ponderadas.

Sem acesso ao tratamento médico convencional, Alex foi deixado para se virar em casa. Mesmo se esforçando, as sequelas ainda são reais, aparecendo toda vez que ele tenta mexer o braço.

É engraçado como a gente se metia em encrenca sem nem perceber. Além de sermos pobres, ferrados e esquecidos, nem um plano de saúde decente a gente tinha. Sério, não faço ideia de como não morremos de tétano ou gripe até hoje.

A mulher sorriu e me entregou a identificação, junto com o número do quarto da avó de Ivan. Eu segurava uma sacola cheia de remédios e itens de cuidado pessoal da vó, e me encaminhei em direção ao elevador, com o objetivo de chegar ao quarto.

Enquanto eu caminhava desajeitadamente com aquela sacola enorme, as pessoas iam e vinham ao meu redor, ocupadas com suas próprias preocupações.

Cheguei ao quarto e deparei-me com a senhora deitada, presa em um estado vegetativo interminável. Ao seu lado, uma acompanhante vestida de branco, provavelmente uma funcionária, me recebeu de forma educada enquanto pegava os itens.

— Leve meus agradecimentos ao senhor Ivan, senhora Clara — disse a acompanhante.

Balancei a cabeça, um pouco nervosa.

— Não sou a senhora Clara. Sou uma funcionária assim como você, e vim aqui a pedido dela mesma. Meu nome é Samira.

Aquela mulher deveria estar completamente enganada ao pensar que eu poderia ser Clara, a noiva de Ivan. Minhas roupas desalinhadas e meu aspecto descuidado falavam por si só, mesmo que eu estivesse vestindo o uniforme da empresa de Ivan.

Meus cabelos, emaranhados e sem forma definida, caíam desordenadamente sobre os ombros. Eu já estive melhor, com certeza. Mas a carga de trabalho estava me matando, e eu não estava falando da missão de destruir Ivan. Era o trabalho normal da empresa, que consumia minhas energias e me deixava com aparência cansada e desleixada.

A mulher sorriu, sem graça.

— Ah, desculpe. É que fiquei tanto tempo nesse hospital que nem sei quem é quem. Só conheço o senhor Ivan, porque ele vem às vezes. Ah, e também a senhora Cristine. Mas de resto... E desculpe minha educação, meu nome é Aline.

Ela parecia genuinamente constrangida por ter cometido o equívoco.

— Muito prazer, Aline – sorri, apertando nossas mãos – Então quer dizer que Clara nunca veio visitar a avó do noivo? Há quanto tempo ela está internada? — perguntei, curiosa.

Minha pergunta pareceu pegá-la de surpresa, mas ela respondeu com um semblante pensativo:

— Clara? Não, ela nunca apareceu por aqui. A senhora está internada há cerca de três meses, se não me engano. A família do senhor Ivan tem sido muito solícita, mas é raro ver alguém além dele e da senhora Cristine por aqui.

Como poderia ficar surpresa? Clara era egoísta o suficiente para não pensar em mais ninguém além dela mesma. Dedicar um tempo para a avó de Ivan seria um ato bastante surpreendente da sua natureza. Era óbvio que ela nunca iria pisar os pés ali.

Me aproximei da mulher deitada na cama, e ali estava seu nome na placa de identificação, que sinalizava o nome de "Helena Rodríguez". Helena percebeu minha aproximação e conseguiu abrir apenas um dos olhos. Havia uma cânula nasal delicadamente colocada em suas narinas, fornecendo oxigênio para ajudar na sua respiração. Seus traços pareciam pálidos e frágeis sob a luz hospitalar.

A funcionária se aproximou e sorriu para Helena, pegando em suas mãos.

— Oi, vó. Está tudo bem. Esta é uma amiga nossa que veio lhe fazer companhia. Eu sei que você gostaria muito de ver seu filho, mas infelizmente ainda não é ele. Mas não se preocupe, estou aqui com você e tenho certeza de que ele virá logo.

— O filho dela é o pai de Ivan, certo? — perguntei, buscando confirmar.

— Isso mesmo. A vó só teve um filho, o Manuel. Mas ele é muito ocupado e não pode estar sempre presente. No entanto, é ele quem assume as despesas do hospital, junto com o filho. Apesar disso, o filho dele, o Ivan, é quem está sempre por perto, mais atento e carinhoso com a vó.

Sorri com a menção de Manuel ser muito ocupado. Claro que ele estava ocupado. Era um poderoso chefe da máfia, um verdadeiro espinho no pé do meu chefe, constantemente atrapalhando seus planos e negócios. Era curioso como parecia que ninguém tinha ideia disso, como se ele fosse apenas um homem de negócios respeitável aos olhos do público, enquanto nos bastidores comandava um império obscuro e perigoso.

Meus olhos percorreram a medicação que fluía pela veia de Helena. Um dos medicamentos gotejava, e pude discernir a letra do médico no rótulo, indicando que morfina estava sendo gradualmente administrada em suas veias. O líquido translúcido serpenteava pela tubulação, formando gotículas cintilantes à medida que descia em direção ao corpo de Helena. Cada gota parecia carregar um alívio fugaz, mas também carregava o peso da consciência de que era apenas um paliativo temporário para o sofrimento daquela mulher.

Observei a dança das gotas de morfina e imaginei a letalidade daquele líquido. Era capaz de retirar a dor na medida certa, mas se aplicado de forma errada, poderia ceifar a vida de alguém. Mortal, mas ao mesmo tempo, um aliado indispensável na luta contra o sofrimento. Era como uma faca afiada, capaz de curar ou ferir, dependendo de quem a segurava e como era utilizada. Uma substância poderosa, que exigia o máximo cuidado e responsabilidade de quem a manipulava.

Uma ideia maliciosa passou por minha mente, e não pude evitar um sorriso de canto. Olhei para a vó, que descansava inocentemente. Ela não fazia ideia dos pensamentos obscuros que eu guardava dentro de mim, tão ocultos quanto as sombras da noite.

E por falar em noite, eu poderia considerar fazer uma visita nesse horário. Uma visita tão silenciosa e letal quanto o líquido que escorria pela tubulação. Talvez eu pudesse dar um empurrãozinho no caminhar das coisas, e a vó poderia nunca mais sentir dor.

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