Minha mãe soluçava sem parar, abraçando uma foto minha enquanto meu pai descia as escadas escuras que levavam ao quartinho da bagunça.
— Eu tenho certeza de que deixei lanternas aqui — ele falou na penumbra. — Mulher, se acalme, ela vai poder nos visitar sempre que quiser.
— Eu sei, mas eu vou perder o casamento deles — ela gritou de raiva e se desfez em lágrimas mais uma vez.
— Ela não tem mesmo como ir? — eu me aproximei um pouco de Christophe, que balançou a cabeça.
— Humanos não podem entrar em Sombria. — Ele me explicou. — É injusto, eu sei, mas eles nunca conseguem passar pelas duas árvores.
— Que belo, né? Vocês perambulam pelas nossas terras e nós não podemos conhecer o lado de vocês.
— Você é a única que pode e ninguém sabia o porquê, até descobrirmos que sua alma foi parar no corpo errado na primeira linhagem e por isso pode fazer essa travessia. A propósito, foi assim que eu te conheci no passado. Uma humana curiosa atravessou as árvores e eu fui impedir, mas me apaixonei.
— Deixa eu ver se acerto. Foi logo na primeira vez que me viu? — Eu perguntei, brincando com ele.
— Foi sim. — Ele admitiu. — Você era a coisa mais linda que eu já tinha visto em toda minha vida. Me encantou na hora.
— E você me deu um susto. — Eu falei, rindo. — Surgiu do nada, com aqueles olhos castanhos brilhantes e aquelas presas. Você parecia um monstro.
— Mas não lhe machuquei. — Christophe riu também, porém, logo ficou sério. — Espera. Como você sabe disso?
— Do que? Do susto que você me deu? — repeti e percebi no mesmo instante o que ele queria dizer. Eu levei a mão à boca, assustada. — Como eu lembro disso?
— Acho que está recuperando essas memórias — ele sorriu.
— Achei! — Uma luz amarela surgiu de dentro do quartinho da bagunça e meu pai apareceu logo atrás, segurando duas lanternas velhas. — Não disse que tinha lanternas? Vamos lá?
Minha mãe tinha ido chorar na cozinha, mas ao ouvir meu pai comemorar, ela voltou correndo até nós e me abraçou o mais forte que podia, como se fosse a última vez. Ela estava com os olhos vermelhos e o nariz escorrendo, mas tentava sorrir.
Eu dei de ombros e soltei um suspiro. Ela já tinha repetido aquilo depois do feriado de natal, quando eu tive que voltar para casa. Se eu não cortasse o assunto, ela me seguraria por mais uma hora, como da última vez.
— Chega, mulher. — Meu pai segurou a mamãe, que me abraçava com força, e tentou afastá-la de mim. Era a mesma cena do natal.
— Mãe, lembra dos lobos gigantes invisíveis que me perseguem? — Eu a lembrei. — Você não quer que eles arrasem a fazenda, quer?
— Claro que não, filha. Mas eu também não quero que você vá embora. — Ela disse, soluçando. — Você é a minha única bebê.
— Aí, mãe, eu não vou sumir. Eu só vou me casar. — Tentei consolá-la e me arrepiei com as minhas próprias palavras.
Após a confusão, agarrei minha mochila e prestei atenção nas orientações do meu pai. Ele me mandou montar nas costas de Christophe, que se transformaria em lobo, e me encolher o máximo possível. Era a forma mais rápida e segura de atravessarmos o túnel. Pois havia mais passagens no meio do caminho que ligavam diversas partes e as criaturas invisíveis poderiam estar perambulando por lá.
Com um suspiro, segui o grandalhão escada abaixo, depois de abraçar longamente os três familiares que deixava para trás.
O subsolo da casa era imenso e abrigava toda a bagunça da família. Antes, aquele era o piso térreo, mas um acidente na fazenda fez a casa afundar e ficar enterrada até a metade.
Meu avô era um brasileiro tranquilo e adaptável. Ele simplesmente levou seus pertences para o segundo andar e reconstruiu sua casa lá, usando o subsolo como um depósito gigante. Ele não se preocupava com a possibilidade da casa afundar mais, o que era assustador.
Com a lanterna, procurei pela antiga porta de entrada, onde começava o túnel, segundo meu pai. Ao encontrá-la, fiquei aliviada por não ter muita tralha no caminho.
— Posso te fazer uma pergunta? — Iluminei o rosto do grandalhão com a lanterna e ele fez que sim.
— Você sente seus ossos quebrando, sua pele rasgando e seus órgãos mudando quando vira lobo?
— Que curiosidade mais doida. Eu, hein. Só coça um pouco — ele disse e me beijou de surpresa. — Pensou que eu ia deixar passar, né?
Dei um bufido, abracei os braços e mantive a lanterna apontada para ele, esperando pela sua transformação.
— Vamos logo.
— Não olhe, é horrível. Abra a porta e confira se o túnel está lá. — Ele mandou e eu bufei de novo.
Caminhei em direção à porta, tentando ignorar o som dos ossos se quebrando e da pele se rasgando atrás de mim. Só pelo som eu já tinha desistido de assistir o processo de transformação. Pareceu assustador demais.
Abri a porta devagar e o vento me desarrumou os cabelos. Olhei para o túnel escuro e úmido, mas não vi o fim dele, mesmo com a lanterna.
O lobo branco enorme se juntou a mim, depois de se transformar, e eu iluminei o seu rosto. Ele piscou os olhos azuis e inclinou a cabeça, me convidando a montar nas suas costas.
Assim o fiz, subindo nas suas costas peludas e me agarrando ao seu pelo. Ele se levantou, soltou um grunhido como se me perguntasse algo e eu afirmei com a cabeça quando ele olhou em minha direção.
Christophe disparou pelo túnel, como uma flecha branca na escuridão, e eu me equilibrei nas suas costas, segurando a lanterna com força. O seu calor e o seu ritmo acalmavam-me, como uma canção de ninar, e eu confiava na sua direção, como um guia fiel. Ele conhecia o caminho, já que viera por ali até mim, enfrentando perigos e obstáculos. Eu só precisava ficar calada, como o meu pai me mandara, para não chamar a atenção de qualquer coisa que perambulasse por aqueles túneis.
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Atualizado até capítulo 91
Comments
Rosaria TagoYokota
essa passagem e meio que temerosa como os outros o acharam sairam de onde
2025-03-06
0
Cristine Souza
😂😂😂😂😂 sinistro
2024-11-15
0
Vânia Vieira
"os três familiares que deixava para trás"?! Não seriam dois: o pai e a mãe?
2024-10-17
0