Morrígan se encontrava imersa em um silêncio profundo sempre que sua mãe se afastava da cela escura. Era como se o mundo ao redor desacelerasse e o tempo se tornasse uma entidade distante. A pesada porta de madeira, ao se fechar, parecia soterrar não apenas a luz, mas também qualquer vestígio de movimento e vida. E assim, ela se via mergulhada na vastidão da solidão, abraçando-a como um manto familiar enquanto se entregava à quietude do ambiente.
Apesar de uma cama estar disponível ali, intocada e macia, Morrígan preferia deixá-la desfeita. Em vez disso, optava por espalhar os livros trazidos por sua mãe sobre o leito vazio.
Ao fim de cada tarde, Morgause emergia das sombras, trazendo consigo não apenas uma profusão de comida para saciar a fome de sua filha, mas também novos volumes de livros.
Embora a comida trouxesse algum alívio para sua fome, Morrígan ansiava mesmo pela presença reconfortante de sua mãe. Nos últimos tempos, Morgause havia se tornado mais gentil com a filha, dedicando-se a afagar-lhe os cabelos e a sussurrar palavras de conforto, prometendo que tudo ficaria bem. Ela não hesitava em compartilhar notícias sobre Gaelen, garantindo que ele estava se recuperando cada vez mais.
No entanto, ao ouvir o nome do amigo, ela não podia evitar sentir um aperto no peito, um peso de culpa que parecia crescer a cada menção. As palavras penetrantes da rainha Lyssandra ecoavam em sua mente, alimentando seus temores e incertezas. Ela começou a acreditar que tudo era sua culpa.
Antes da mãe partir, Morrígan se aconchegava nos braços dela, deixando as lágrimas de tristeza fluírem em sua presença reconfortante. Morgause, por mais que desejasse, sabia que não podia fazer mais do que acalmar a filha e desejar fervorosamente que Morrígan pudesse escapar daquele lugar tão logo quanto ela própria desejava.
Quando a mãe partia, deixando-a entregue à solidão, Morrígan recorria aos livros na tentativa de distrair sua mente inquieta. No entanto, as palavras escritas nas páginas pareciam resvalar em sua mente como água em uma superfície oleosa. Frustrada, ela fechava os volumes com um suspiro resignado.
Entre os livros, um deles havia capturado sua atenção de forma peculiar. Intitulado "Chamado para Magia", o livro apresentava ilustrações vibrantes de um conto de fadas. O que mais cativava Morrígan eram as imagens, especialmente quando se deparava com a figura da bruxa má. Ela costumava imaginar que a velha era a rainha. Num gesto de desabafo silencioso, ela apontava o dedo para a representação da vilã e murmurava entre os suspiros das paredes vazias:
— Que você pereça, sua ordinária.
Morrígan permitia-se soltar os piores xingamentos para a rainha, sabendo que suas palavras encontravam eco apenas nos confins silenciosos de sua prisão. Bem, quase ninguém, pois por vezes a sombra surgia, observando silenciosamente.
— Está olhando o quê? — desafiava Morrígan, encarando a figura sombria.
A sombra sorria, revelando-se um eco de sua própria rebeldia.
— Nada! Apenas me divirto te observando. E concordo plenamente sobre a rainha.
Morrígan ergueu o queixo em desafio, seus olhos brilhando com uma mistura de desdém e curiosidade.
— Então, você também acha que ela é uma vaca? — provocou, buscando uma cumplicidade improvável na escuridão.
A sombra assentiu com entusiasmo, suas feições etéreas contorcendo-se em divertimento.
— Absolutamente. Uma vaca arrogante e cruel, que merece muito mais do que palavras afiadas lançadas em sua direção.
Morrígan abaixou os olhos, uma sombra de preocupação atravessando seu rosto.
— Se eu me opor abertamente, se disser algo contra ela, minha mãe pode pagar um preço ainda mais alto. Eu não posso arriscar isso.
A sombra se aproximou, sua presença sinistra pairando sobre Morrígan.
— Quem falou sobre uma simples troca de palavras, criança? A rainha merece um sofrimento que vá além do que simples palavras podem infligir.
Os olhos de Morrígan se ergueram para encontrar os da sombra, uma centelha de curiosidade e apreensão brilhando neles.
— O que você quer dizer? - perguntou ela, sua voz vacilante com uma mistura de medo e fascínio.
A sombra pairou mais perto, envolvendo Morrígan em um abraço de escuridão e promessa.
— Palavras são apenas o começo, Morrígan. A verdadeira dor vem da ação. Imagine, por exemplo, se algo acontecesse àqueles que Lyssandra mais ama. Um reino sem a proteção de sua família... um golpe direto em seu coração. Ela sentiria o mesmo desespero que infligiu aos outros. O mesmo desespero que você sente agora.
Morrígan engoliu em seco, compreendendo a implicação sombria das palavras da sombra. Uma sensação de desconforto a envolveu, mas também uma pontada de vingança que ardia dentro dela há muito tempo.
— Mas isso é... é perigoso. E cruel.
A sombra riu, um som frio e sem emoção.
— A crueldade é o que ela merece, Morrígan. Ela escolheu seu destino quando decidiu pisar nos mais fracos. Agora, cabe a nós decidir o dela.
— Não posso ser uma pessoa ruim. Isso decepcionaria minha mãe.
A sombra se aproximou mais, sua voz sussurrando com uma malícia gélida.
— Seria uma pena, Morrígan, se sua devoção à sua mãe a impedisse de alcançar seu verdadeiro potencial. Às vezes, para proteger aqueles que amamos, precisamos nos erguer contra as injustiças, mesmo que isso nos force a abraçar nossa escuridão interior.
Morrígan piscou, a mente lutando para compreender as palavras sombrias da figura etérea diante dela.
— Mas... eu não quero me tornar como ela. Eu não quero magoar ninguém.
— Então lamento te dizer: Morrígan, você é uma fraca.
A menina arregalou os olhos, uma raiva súbita fervendo em seu sangue.
— Eu não sou fraca! — gritou.
A sombra recuou um passo, sua presença espectral parecendo se alimentar da fúria de Morrígan.
— Então prove isso. Prove-me que não é fraca. Prove-me que você é capaz de enfrentar seus medos e lutar pela justiça. Venha-me encontrar, Morrígan. Estou à sua espera.
Morrígan assistiu, tremendo de emoção e incerteza, enquanto a sombra recuava, dissolvendo-se na escuridão da cela. Sua presença espectral deixou um arrepio pelo ar, como um eco persistente da conversa que acabara de ocorrer.
— E onde você está? Me diga! — exigiu Morrígan, sua voz ecoando com uma mistura de determinação e ansiedade.
— Na hora certa, você saberá — respondeu a sombra, sua voz sussurrante ecoando ao redor dela.
E então, num piscar de olhos, a sombra se desvaneceu completamente, deixando Morrígan sozinha na escuridão opressiva da cela.
Após aquele dia, a sombra misteriosa nunca mais voltou a visitar Morrígan. O tempo se arrastou lentamente na cela escura, cada dia parecendo uma eternidade enquanto ela aguardava seu destino incerto. Então, finalmente, chegou o momento em que os guardas vieram buscá-la.
— Seu castigo chegou ao fim, minha princesa. Venha, pois vosso rei decidiu mostrar misericórdia sobre ti. Você está livre — anunciou o guarda com uma voz solene, enquanto estendia a mão para ajudar Morrígan a se levantar.
Morrígan se levantou com uma mistura de alívio e apreensão, suas pernas trêmulas após tanto tempo de confinamento. Ela lançou um último olhar para a cela que fora sua prisão por tanto tempo, sentindo um misto de gratidão e ansiedade por tudo o que estava por vir. Com um suspiro silencioso, ela seguiu os guardas em direção à liberdade, sem saber ao certo o que o futuro reservava.
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Atualizado até capítulo 27
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