Beatrice

Entramos de mãos dadas no salão de festas, que fica dentro da

passagem secreta. É muito maior do que imaginei e luxuoso. O espaço

amplo é iluminado com lustres caríssimos.

Em um primeiro instante, mantenho-me firme e parada, envergonhada

com tantas pessoas. É como um salão de festas que vemos nos filmes de

princesas. As damas estão acompanhadas de seus cavalheiros e há uma

concentração de danças no meio.

“Che bella cosa, na jurnata ‘e sole.

N’aria serena doppo na tempesta.

Pe’ ll’aria fresca pare già na festa.

Che bella cosa, na jurnata ‘e sole...”

O belo som do violino de toda a orquestra sinfônica é arrepiante, assim

como a maneira como é conduzido cada toque. Tudo está perfeitamente no

ritmo. O som é doce aos meus ouvidos e a voz poderosa do cantor também é

arrepiante. O sole mio é uma dessas músicas que tocam a alma e aquecem o

coração.

Lembro-me do meu pai e das tardes em nossa casa, com o rádio ligado,

a lareira acesa e mamãe sentada sobre o tapete vermelho, brincando comigo,

enquanto papai terminava o seu charuto. Essa é uma das lembranças mais

presentes na minha memória, e essa música faz eu sentir saudade disso.

— Che bella cosa, na jurnata ‘e sole... — cantarolo baixinho e fecho

os olhos brevemente.

Vem-me à memória a lembrança do meu pai dançando essa música

comigo. Ele precisava se curvar para dançarmos, inclinar a sua coluna para

ficarmos próximos. Minhas risadas eram altas e podiam ser ouvidas por toda

a casa onde vivíamos. As empregadas que passavam pelos corredores riam

do meu jeito engraçado. Minha mãe dizia que meu pai era capaz de fazer qualquer coisa por mim, até mesmo segurar a minha boneca enquanto eu

aplicava “vacina” nela porque ela estava “dodói”. Coisa de criança. Disso,

eu me lembro vagamente.

— Tudo bem, querida? Não chore. — Abro os olhos. Massino está

secando a lágrima solitária que escorreu pela minha bochecha, com o seu

lenço de seda macio. — Está assim por algo que eu disse?

— Não, é que essa música me lembra o meu pai — comento

vagamente. — Costumávamos dançá-la. Depois que ele se foi, sempre me

vejo escutando essa canção em meu fone de ouvidos, principalmente na data

do seu aniversário.

— Se eu soubesse, não teria permitido que tocassem essa música.

Posso pedir que parem agora mesmo.

Ele está pronto para dar a ordem, porém intervenho ao segurar por cima

da sua mão que está unida à minha.

— Não precisa. Eu me emocionei, mas foi uma boa lembrança. Essa

canção é uma das minhas favoritas da minha língua materna. Sou como uma

boa italiana que sabe apreciar uma boa música. Permita que ela toque.

— Como quiser.

Suspiro ao sentir a palma da sua mão tocar em minha face. Ele faz isso

em público, só que não é permitido. Mesmo que eu já fosse sua mulher, ele

não poderia demonstrar afeto diante das pessoas.

— Não quero que chore mais. Mostre um lindo sorriso nesse rosto de

angelo e me conceda uma dança.

— Uma dança? Na frente de todo mundo? — Olho em volta e percebo

que o meio do salão está vazio esperando por nós dois.

— Sim, querida.

Por algum motivo, sorrio por ele ter me chamado de querida. Acredito

que seja pelo nervosismo.

— Eu não sei como fazer isso. — Demonstro toda a minha insegurança

enquanto caminhamos de mãos dadas até o centro do salão.

— Você já dançou com o seu pai.

— Sim, mas eu era uma menina. Não me recordo mais dos passos. Se

eu cair, te envergonharei.

Minha preocupação é a vergonha de eu cair diante de todos.

— Confie em mim, e eu não te deixarei cair — ele diz, galanteador.

Quando sua mão toca na minha cintura, puxando o meu corpo para

junto do seu, arfo alto. Meu olhar está fixo nos olhos negros dele, que me

encaram com uma certa seriedade e, ao mesmo tempo, com deslumbre. Isso

me faz perder o ar.

Nossas mãos se unem mais uma vez para a dança.

Desde que cheguei, não cumprimentei ninguém. Pensei que passaria

pelo Conselho, em uma reunião privada na qual eu seria analisada por cada

um deles para ser aprovada como noiva de Massino. Mas não foi assim. Eu

não estava esperando um baile como este.

— Ouça o ritmo da música e permita que o seu quadril acompanhe o

meu. Juntos vamos fazer um bom trabalho.

Respiro fundo, nervosa. Não gosto de plateia. Nunca gostei.

Para a minha surpresa e espanto, ainda não pisei no pé dele. A música é

bela e todos estão prestando atenção em nós dois. Somos o centro das

atenções. Massino se sai muito bem, como se tivesse nascido para isso. Ele

não se importa com os olhares das pessoas.

— Todos estão olhando. — Ruborizo.

— Você está perfeita. E mesmo que pise no meu pé, ninguém irá

perceber, pois todos estão muito curiosos e admirados com a sua beleza.

— Minha beleza? Certamente, estão comentando como a filha do

Bianchi está acima do peso. — Não estou frustrada, mas já imagino o que as

pessoas podem estar falando. — As senhoras devem estar dizendo: “Veja só,

ela não se parece com a mãe”. Já os senhores devem estar falando qualquer

coisa que eu não faço a menor ideia do que seja.

— Sabe o que os homens estão pensando? Gostaria de saber?

— Acho que sim, mesmo que seja desagradável. Eu já estou

acostumada a ouvir certas coisas ofensivas.

O olhar sério de Deméter não é de quem está contente com o que

acabei de dizer.

— Os malditos filhos da puta estão admirados com suas belas curvas e

a desejando. O que me faz sentir tanto ódio, que estou me controlando para

não pegar a arma da minha cintura e sair atirando em todo mundo que ousar

olhar para a minha linda futura esposa.

Arregalo os olhos, assustada. Massino demonstrou estar incomodado

em relação ao que supôs sem provas concretas. Percebo que ele pretende se

afastar e cumprir com o que disse.

Minha mão, que está em volta do seu pescoço, rapidamente envolve

sua cintura larga. Ele é alto e grande em todos os sentidos. Até parece um

gigante.

— Não. Por favor, não mate ninguém. Não no nosso noivado. Sem

sangue — imploro ao afundar a cabeça sobre o seu peito.

Seu silêncio ensurdecedor para os meus ouvidos me deixa mais nervosa

que o habitual, mas ao menos sei que ele não sairá como um bruto matando

as pessoas, pois estou abraçada ao seu corpo agora, já que a dança está mais lenta. Pelo que compreendo, está tocando uma melodia mais romântica para

casais apaixonados. Neste momento, mais pessoas se juntam na pista de

dança.

— Me dê um motivo plausível para eu não enfiar uma bala nas cabeças

desses imbecis que se atrevem a olhar com desejo para a minha mulher.

Oh, céus! Quando ele disse que sou sua mulher, toda a minha espinha

dorsal se arrepiou. Como ele consegue me proporcionar esse misto de novas

coisas boas e, ao mesmo tempo, torturantes? O poder da rouquidão da sua

voz me apavora.

— Eles são seus amigos.

— Esse não é um motivo que me impediria de matá-los.

— Como pode ter certeza de que eles pensam assim?

— Sei quando um homem está desejando o que é meu. — A obsessão

em sua voz chega a ser doentia.

Ele me deseja tanto, que isso se torna algo insano. Realmente, Deméter

me deseja ardentemente.

— Eles podem desejar, mas você sabe que nenhum deles poderá me ter.

— Falei qualquer coisa para conseguir impedir um derramamento de sangue.

— Me tornarei sua noiva nessa noite e serei sua esposa no sábado. Isso eles

não poderiam mudar. Vamos continuar dançando.

— Claro — concorda.

— Eu confesso que esperava algo diferente para esta noite — tento

distrai-lo de seus pensamentos. — Pensei que o Conselho me aguardaria,

pronto para me apedrejar.

— Não pensou que eu a jogaria para os leões, não é?

— Pensei sim. Quando me disse que nos casaríamos no sábado,

acreditei que o Conselho queria me ver ou algo assim. Eu esperava que eles

fossem me analisar e depois pensar se me aprovariam ou não.

— O Conselho é apenas algo representativo. Eles não podem me dizer

o que fazer. Como o próprio nome já diz, eles aconselham. Eu sigo isso se

quiser.

— Eles estão a favor do nosso casamento?

— Eu sou o chefe, o Don. Ninguém ousa ir contra as minhas decisões,

nem mesmo o meu avô.

O Don Massino encerra a dança, segura em minha mão e me guia até o

seu avô, que está mais no canto do salão, conversando com mais dois

senhores e suas prováveis esposas. Uma delas tem idade para ser filha de um

deles.

— Massino, falávamos de você é de sua bela noiva. Meus parabéns.

Deméter cumprimenta os senhores com um aperto de mão.

O avô dele me olha com satisfação. Está sério, como eu me lembrava,

porém parece procurar algum defeito em mim.

— Muito bela a noiva de seu neto — diz o homem que tem a esposa

com idade para ser sua filha. — Parabéns, Don.

Deméter apenas assente com um sorriso modesto. Em momento algum,

ele soltou a minha mão.

— É muito bonita, senhorita — diz a mulher mais velha. — Fabrizio

logo será bisavô.

— Sim, conto com isso. Espero que, no sábado, o meu neto já deixe sua

esposa prenha. — Estou horrorizada com o teor da conversa. — Ela é saudável e a grossura das pernas dela lhe dará força para segurar muitas gestações.

É como se eles não se importassem com a minha presença.

Literalmente, estou enojada com esse assunto e muito insatisfeita por estar

sendo obrigada a escutar isso.

— A sua mãe, senhorita... Ela não está presente? — a mulher pergunta.

— Não a vi. Você não deve se lembrar de mim, mas eu costumava a

frequentar a casa de seu pai quando você era uma criança. Sua mãe e eu

somos velhas amigas.

Não sei o que responder a respeito da minha mãe. Viva, eu sei que ela

está, porém não sei suas condições. Mantenho-me em silêncio e espero que o

meu noivo responda por mim. Mas ele não faz isso.

— Mamãe se sente indisposta — comento vagamente.

A mulher assente, percebendo que eu não quero falar mais sobre o

assunto.

Até pensei em causar um barraco aqui perante todos, hoje mais cedo,

mas além de enfurecer o avô e o neto, eu correria o risco de me lastimar por

toda a minha vida devido à consequência que isso me traria. Como Massino

me prometeu que eu verei minha mãe caso me comporte, decido fazer o que

ele me pediu: agir como uma noiva entusiasmada para o casamento. Se bem

que todos sabem que eu fugi no passado e ninguém é tolo para achar que eu

decidi reaparecer depois de anos.

— Está na hora de trocar as alianças, meu neto — Fabrizio se

pronuncia de uma maneira arrogante. — Despose essa ragazza e a engravide

o quanto antes.

Apenas nós três escutamos isso. Os dois casais se afastaram um pouco

para o momento da troca de alianças.

— Credo, senhor. Fala como se minha única função fosse gerar bebês.

— Não me contive.

O velho ajeita o nó da sua gravata, para ao finalizar e chega o mais

perto que pode de nós dois. Ele me fuzila com os olhos ao declarar, com

fúria:

— Realmente essa é a sua única função: garantir que o nome do meu

neto continue por meio de filhos homens.

— Isso é ridículo. O que acontecerá se eu não tiver nenhum filho

homem? — pergunto, aterrorizada.

— Um filho homem, garota. Meu neto não tem tempo para filhas.

Atreva-se a dar à luz uma menina, e eu juro que me livro dela.

Revoltada, estufo o peito. Como ele pôde falar algo tão bárbaro? Sei

que não me casei com Deméter ainda, só que isso será inevitável, assim

como o sexo entre nós dois. Eu morreria se alguém levasse uma filha minha

somente por ela ser mulher.

— Avô, chega! — Deméter pede com educação.

— Isso é terrível. Vocês são terríveis. — Estou em choque com o que

acabei de ouvir.

Estou em um estado caótico, completamente fora de mim. Eu nunca

tinha ficado tão abalada com a pronúncia de alguém, como estou agora

diante do que ouvi do avô do meu noivo.

A troca de alianças é na presença de todos. Deméter coloca a aliança

em meu dedo, e eu coloco a dele no seu.

Mesmo estando ciente das minhas ações, minha cabeça está aérea. Eles

são terríveis e sem coração. Há uma pedra no lugar do órgão.

— Viva os noivos! — as pessoas gritam repetidas vezes.

Esse casamento será um inferno. Não poderei esquecer nunca o que

Fabrizio prometeu. Sei que não terei mais nenhum minuto de paz de agora

em diante, pois estou presa ao Don da máfia por toda a minha vida. Sábado será o dia da minha destruição, a data que ficará marcada para sempre como

um dos dias mais infelizes da minha vida.

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Comments

Maria Fatima Custodio

Maria Fatima Custodio

ainda bem que é só uma história

2024-07-17

0

Gigliolla Maria

Gigliolla Maria

se o velho cumprir a ameaça ele mata se for mulher .oh velho nojento

2024-05-14

0

Maria Aparecida Monteiro Firmino Cida

Maria Aparecida Monteiro Firmino Cida

se realmente ela tiver filha mulher que vai acontecer

2023-12-07

7

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