Beatrice

O gemido doloroso escapa da minha boca, trazendo de volta um sopro

de ar para os meus pulmões. Estive inconsciente mais uma vez?

Eu estou faminta e o meu estômago embrulha. Há um oco dentro de

mim. Também necessito beber água. Tenho sede, fome e muita dor de

cabeça.

A minha visão está embaçada, no entanto sei que há alguém ao meu

lado. Sinto o peso da pessoa sobre a cama, que parece estar de saída. Em um

movimento rápido, agarro o braço forte coberto pelo tecido da camisa.

— Mamãe! — Foi tudo o que consegui pronunciar, entregando-me às

lágrimas.

Meu coração apertado chega a sufocar. Como ela está?

Onde estou? A maciez em que me encontro não é da cela em que eu

estava presa, a cela suja e imunda para a qual Deméter me mandou.

Sem muitas forças, minha mão desliza sobre o braço forte. Meu braço

desce de encontro ao colchão, porém não cai de vez sobre a maciez, pois

uma mão grande me segura firme. Com o calor do seu contato, sinto como se

tivesse acabado de levar um choque.

— Hum... — Fecho os olhos brevemente, apertando-os com força, em

uma tentativa inútil de melhorar a minha visão.

A voz feminina que ouço ao meu lado direito não é da minha mãe, no

entanto é a voz mais sutil que escutei nas últimas horas, desde que fui

aprisionada.

— Senhorita, desperte. Isso, criança. — Abro os olhos, sonolenta. —

Cuidado para não tirar o soro do seu braço — refere-se ao soro em meu

braço esquerdo.

Somente agora consigo sentir a agulha em minha pele. Estou em um

hospital? Por que estou sendo medicada?

A masmorra e aquela cela imunda me lembravam exatamente algo

antigo, assombroso e tenebroso. Não quero nunca mais voltar para aquele

lugar.

— Por favor, não me deixe voltar para aquele lugar nunca mais. Aquela

masmorra era terrível e tinha um cheiro podre lá... Camundongos... —

Começo a respirar com dificuldade, nervosa e apavorada. Lágrimas inundam

minha face. — Os homens... Eles vão me violentar. Por favor, me ajuda.

Ao meu lado direito, estou segurando firme em uma mão, que eu diria

ser de um homem, pelo tamanho e pela força que ela faz agora contra a

minha. É como se algo que eu disse, tivesse chateado a pessoa. No mesmo

instante em que a pessoa percebe que está apertando a minha mão na sua,

posso sentir uma espécie de carinho, como se isso fosse amenizar o aperto

que acabei de receber.

Minha visão, aos poucos, está voltando a ficar mais clara.

— Ninguém a colocará em nenhuma masmorra, ragazza. — No mesmo

momento em que ouço a voz rouca, com um timbre feroz e grave, sinto

calafrios percorrerem o meu corpo.

Deméter Massino está segurando a minha mão. Ele acabou de me falar

palavras de segurança, entretanto não estou me sentindo tão segura em

relação ao que foi dito. Acabo me exaltando um pouco, revirando-me sobre a

cama. A mulher tenta me acalmar, pois teme que eu acabe tirando o soro do

meu braço.

— Senhorita, acalme-se.

— Não quero esse homem me tocando. Tira ele daqui, por favor. —

Solto sua mão, com temor. Sinto asco do seu toque. Bastou eu saber que era

ele, para a ânsia me dominar.

— Tranquila, angelo — sua voz sai mais grossa do que eu poderia

esperar. — Precisa descansar. Alimente-se bem, e depois conversaremos,

ragazza.

Depois conversaremos? Quando ele vai me matar? Por que está me

tratando bem, se pretende me matar depois? A bipolaridade presente em

Deméter é algo a ser estudado. Quando estávamos no Brasil, ele me disse

que queria me matar e que eu morreria assim que chegasse à Sicília. Ele me

aprisionou em uma cela, para depois me colocar sob os cuidados de uma

enfermeira? Consigo ver, com clareza, que a mulher que está cuidando de

mim é uma enfermeira.

— Descansar? Por quê? Deméter Massino, seu filho da puta, por que

não me mata logo?

Ouvi o som da sua respiração se alterar quando ofendi a sua mãe. Não

costumo fazer isso, no entanto ele me faz perder a compostura.

— Bella (Linda), não ouse insultar a minha madre, ou serei obrigado a

ser indelicado com você. — Ele segura a minha mão novamente, mas desta

vez não tenho força para rejeitar o seu contato. É como se ele tivesse me

paralisado. — Te deixarei sob os cuidados dela. Quando estiver melhor,

voltarei para conversarmos.

— Eu juro que não te entendo, Deméter. Por que está cuidando de mim,

se pretende me matar?

Ele não me responde e sai do recinto, deixando-me sob os cuidados de

Vânia, a enfermeira. A doce e gentil Vânia me explica que trabalha para

Deméter há 15 anos e que sempre é encarregada de cuidar de pessoas que ele lhe incube, ou seja, somente seus aliados.

Contudo, eu sou uma traidora. Por que ele está cuidando de mim?

— Vânia, eu sou uma traidora. Por que ele está cuidando de mim?

Certamente, tem algo maior por trás de tudo. Deméter não faria nada

disso se não tivesse um motivo relevante. Até o ar que ele respira é

calculado, assim como os passos que dá. Nada nunca é por acaso, sempre há

alguma coisa por trás, uma razão que o faça tomar tal decisão, pois como

minha mãe sempre me disse, eles nunca dão um passo à frente sem antes

terem tudo planejado. Todavia, não consigo imaginar o que seja agora. Temo

o que possa ser. Consigo pensar em tantas coisas e, ao mesmo tempo, em

quase nada.

— Tente descansar, querida. — Vânia me dá mais uma colherada da

sopa, que está deliciosa.

— Vânia, você não sabe nada mesmo sobre a minha mãe? — insisto

mais uma vez.

Mas é claro que se ela for realmente leal e fiel ao chefe, como

demonstra ser, não irá me dizer nada. Mesmo que saiba de alguma coisa,

jamais irá trair a confiança do seu chefe.

— Senhorita, eu não sei de nada.

— Me dói muito não saber nada a respeito da minha mãe. Eles a

querem morta. A família do meu pai fará qualquer coisa para torturá-la.

Sabe, Vânia... Eu também sou enfermeira, e não aceito fácil a desistência de

nenhum paciente, mas, no meu caso, eu não quero mais lutar. — Respiro

fundo. — Por que devo me alimentar bem e aceitar esse soro no meu

organismo, se sei que irei morrer? Se não for hoje, poderá ser amanhã ou

depois. Eu não quero mais lutar.

Não quero mais lutar, já que tudo seria em vão.

Quando ela se retira do quarto, deixando-me sozinha nesta completa

imensidão silenciosa, livro-me do soro em meu braço, jogando-o para longe.

Sinto-me bem melhor após ter tomado toda a sopa de legumes.

Não entendo por que estou sendo bem cuidada. Tudo isso é somente

para me iludir, para que eu pense que ficarei bem. Aquela famosa animação

antecipada. Logo em seguida a morte chegará.

Ou o ceifador me deixará viver?

Óbvio que não. Ele me odeia e tem sede de vingança.

Se ao menos eu soubesse notícias da minha mãe... A aflição toma conta

do meu coraçãozinho a cada segundo que passa, minuto e hora.

Como imaginei, a porta está trancada. Sou um passarinho enjaulado em

uma jaula de ouro. Não nego que este quarto é muito confortável e que estou

bem acomodada. Eu poderia dormir por horas nesta cama macia, no entanto

não posso baixar a guarda. A qualquer momento, meu inimigo pode entrar

por aquela porta e me atacar.

Essa é a impressão que tenho todas as vezes que vejo Deméter

Massino: que ele quer me atacar e me devorar como um animal feroz. Sinto

que ele quer rasgar a minha carne e me destroçar. Aqueles olhos negros

sempre estão cobertos de seriedade, rancor e ódio.

Eu jamais me imaginaria casada com aquele homem rude, frio, egoísta

e sem coração.

Já Ricardo não passava de um traidor, um crápula, um idiota, que

muitas vezes agia de uma maneira arrogante. Agora percebo que eu estava

aceitando muitas coisas que deveria ter descartado. Por exemplo, não foi

justo ele me barrar de ir à inauguração da nossa loja.

O que ele deve estar pensando de mim? Que eu fugi? Que fui morta? O

que todos estão pensando do meu desaparecimento? Será que podem acionar

a polícia? Ou apenas se darão por satisfeitos com a ideia de eu ter ido

embora sem me despedir?

Tália deve saber que eu jamais iria embora sem lhe dar adeus. E,

certamente, ela não sabe que o seu irmão me traía. Ela me contaria se

soubesse. Confio plenamente na minha melhor amiga, que sei que nunca

mais verei.

Quem deve estar feliz é a mãe de Ricardo. Agora ela poderá jogar

Tatiana nos braços do seu filho, como sempre desejou. Ela é a mulher bonita,

ideal e perfeita para o “bebê” dela, enquanto eu era apenas uma gorda que

precisava perder peso. Aquela mulher fazia da minha vida um inferno.

Contudo, ainda assim, acredito que isso seria melhor do que estar presa,

sob o domínio do Don Massino, um mafioso arrogante do tempo das

cavernas, que só pensa em se vingar de mim e da minha mãe.

Ricardo me esquecerá fácil e não fará nenhum esforço para isso. Um

homem que trai sua companheira não a ama e não a respeita. Endureci o meu

coração para aquele cafajeste que me enganou por tanto tempo e tantas

vezes. Como se não fosse o suficiente o que houve, alguém deixou sobre a

poltrona relatórios e pastas que contêm fotos e vídeos das traições de

Ricardo, dele beijando outras mulheres na rua, sem nenhum tipo de remorso

ou medo de que alguém o visse. Também há fotos dele transando com uma

mulher em nossa loja, na mesa que eu escolhi para o seu escritório.

Estou chorando neste momento; não de amor, e sim de ódio.

Como fui tão cega? Como me deixei ser enganada por todo aquele

tempo? Minha cabeça está pesada de tantos chifres. Se ele não me amava,

por que se casaria comigo? Nenhuma mulher merece ser desrespeitada dessa

forma, julgada como eu fui por conta do meu peso e humilhada pela família

dele.

“Você precisa perder peso.”

“Ninguém te amará sendo gorda dessa maneira.”

Palavras ditas pelo seu tio.

“Ricardo te deixará se continuar gorda assim.”

Isso me fez seguir uma dieta na época, e eu eliminei quase cinco quilos.

Por causa dos outros, eu me deixei ficar triste, cabisbaixa e com

vergonha de sair de casa. Eu me sentia feia, gorda, desajeitada e achava que

nenhuma roupa me caía bem.

Era isso que os meus pensamentos diziam: “Não saia de casa. As

pessoas vão rir de você.”

Só Deus sabe quão terrível foi.

Por um lado, há apenas um ponto positivo em Deméter: ele não me

olha com asco e não me vê como uma gorda feia, pelo contrário, elogia-me e

diz que sou bonita, que minhas curvas são atraentes. A sua linguagem

corporal me mostra o quanto ele gosta do que vê. Apesar de me odiar, ele é

um devasso, e os devassos são loucos por um rabo de saia.

Ele me vê dessa maneira. Há chamas em seus olhos, em seu olhar de

predador. Todas as vezes que ele me olha, eu me sinto despida. Se isso não é

desejo, não sei o que é, porque uma mulher sabe quando um homem a olha

diferente, mesmo que esse homem a odeie e seja um mafioso perigoso.

Por mais que eu tente entender o porquê de ele não ter me matado, não

consigo imaginar algo que não pareça estúpido. Se ele quisesse me violentar,

já teria feito isso. Teria me entregado aos seus soldados. O que me deixa

muito apavorada, principalmente depois que ouvi um deles dizer que me

violentaria.

Quando estive com seu avô mais cedo, senti tanto medo, que pensei

que fosse morrer. Minha tática para o convencer a não matar a mim nem a

minha mãe não funcionou. Ele não concederá o meu desejo por eu ter sido a

noiva do seu neto. Vi, em seus olhos, que ele seria capaz de me matar.

Acredito que prefiro ser morta por Deméter a ser morta pelo avô cruel

dele.

Estou pensativa, imaginando mil coisas, quando ele retorna, e desta vez

sem tanta fúria no olhar. Posso afirmar que ele está mais pacífico e que me

analisa como se eu fosse uma carga ou um ser a ser estudado, quando, na

verdade, é ele quem precisa ser estudado e exterminado. Vermes como ele

merecem sofrer, não pessoas como eu, que odeiam esse mundo cruel.

— Ragazza, retornei, como eu disse. Espero que esteja bem. O que irei

lhe dizer será breve, e quero que preste muita atenção.

Coloco-me de pé e fico distante dele o máximo que posso, indo para o

outro lado da cama. Vi um sorriso divertido brotar em seus lábios. Foi tão

rápido, que não sei se imaginei devido ao cansaço que sinto.

— O que quer? Pode falar. — Cruzo os braços.

— Você será a minha esposa. Nos casaremos no sábado.

Arregalo os olhos. O que acabei de ouvir não pode ser verdade. Meu mundo desmoronou. Engulo em seco. Eu me tornar a sua esposa? Devo ter

ouvido mal. Paraliso. Agora me falta voz para falar, porque o terror, mais

uma vez, toma conta de mim.

Não posso me tornar sua esposa. Fugi dele por tanto tempo para evitar

isso. Só posso estar vivendo um pesadelo, e desejo acordar dele agora.

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Comments

Cida Mendes

Cida Mendes

Ela e chata e burra,o cara gosta de ver o medo nós olhos dela mais nunca machucou ela ou fez algo ruim pra ela ,e ela acha melhor morrer do que casar com ele e mesmo desconfiando do ex noivo queria casar com aquele extronso achando que ele mudaria e seria feliz com ele

2025-01-08

1

Amore

Amore

Beatrice cai na real vc prefere morrer do que casar cm i Massoni, 😍😍😍😂😂😂😂

2024-04-27

0

Maria Helena Macedo e Silva

Maria Helena Macedo e Silva

casar com ele é considerado um pesadelo uma tortura já pra ele é um prazer e uma forma de tortura-la ...
vc foi a maior das minhas desventuras quê vive até hoje nas minhas loucuras...

2024-03-08

0

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