Enquanto Kiran se perdia em suas lembranças, Munihir continuava observando o solariano em silêncio, como se mergulhasse na história refletida em seus olhos. Ele compreendia profundamente o peso das memórias e a dor da perda que o ruivo carregava consigo. Embora fosse um estranho em Solaria, entendia que momentos como aquele requeriam empatia.
Com serenidade, o lunar se aproximou de Kiran e pousou uma mão reconfortante em seu ombro.
— Sinto muito pela destruição do campanário — disse.
O príncipe solariano encontrou o olhar do lunar. A presença tranquila e compassiva de Munihir começou a dissipar a raiva e a frustração que o consumiam.
— Este lugar costumava me trazer conforto e propósito. Agora, resta apenas a memória — expressou.
Munihir assentiu, demonstrando que estava genuinamente ouvindo.
— Compreendo a dificuldade que você está enfrentando. Perder algo significativo é doloroso. Mas lembre-se de que as memórias e a importância que esse lugar teve em sua vida ainda estão vivas dentro de você. Nenhum ato de destruição pode apagá-las.
As palavras do lunar ecoaram na mente de Kiran, enquanto a tristeza continuava a se misturar ao turbilhão de sentimentos que o dominavam. Logo ele bufou de frustração, sentindo o peso de suas palavras enquanto elas pairavam no ar. Ele olhou para Munihir, seu inimigo e, ao mesmo tempo, alguém que parecia compreender mais do que ele imaginava.
— Fácil para você dizer. Você não sabe o que é perder tudo o que ama. Não entende o fardo de ser o guardião e ter seu posto ameaçado. Desde que nos encontramos, só tenho enfrentado problemas por sua causa. E você não devia ter deixado seu castelo de faz de conta e procurado a morte...
As últimas palavras do ruivo se perderam no silêncio, enquanto o lunar permanecia calmo.
— Eu não sou motivado pelo medo de perder minha vida. Minha motivação vem de algo maior, de um propósito que transcende a mim mesmo — respondeu.
A resposta dele só aumentou a frustração do guardião.
— Um propósito maior? — riu amargamente. — Você ousou dizer ao conselho que tinha pena de nós. E agora me pergunto, o que levaria um lunar a ter pena de seu inimigo?
Um sorriso suave se formou nos lábios de Munihir.
— Na verdade, meu sol, acredito que todos nós temos um papel a desempenhar nessa vastidão do universo. E o meu papel é zelar pelo meu povo. Vidas dependem de mim, assim como eu dependo delas.
kiran olhou para Munihir, confuso e intrigado ao mesmo tempo.
— Eu não entendo onde você quer chegar com isso.
O homem lunar caminhou em direção aos destroços do campanário, tocando suavemente sua estrutura no chão.
— O que estou tentando dizer é que o seu propósito como guardião vai além desses simples pedaços de concreto — disse com um olhar distante. — Muito antes deste campanário ser erguido, outros guardiões, tanto antigos quanto futuros, carregaram o mesmo propósito.
As palavras de Munihir ecoaram mais uma vez na mente de Kiran, mesmo que viessem de seu inimigo.
— Uma estrutura intacta não conta a história completa. Ela não revela tudo o que aconteceu aqui. Às vezes, é necessário que algo se desfaça para que a verdadeira história seja revelada — concluiu.
— Você está sugerindo que a destruição do campanário foi algo bom? — Kiran perguntou, carregado de raiva.
Munihir fechou os olhos por um momento, como se buscasse as palavras adequadas.
— Esse campanário guarda grandes momentos, e agora, diante de sua ruína, guardará ainda mais — disse ele. — E neste exato momento, esse lugar está sussurrando a história de um garotinho que sonhava em alcançar os grandes guardiões de seu tempo. Mas ele temia a noite e buscava refúgio no campanário, onde ela não poderia o atingir.
Kiran ficou perplexo. Aquela era sua própria história de vida. Como Munihir poderia saber tanto sobre ele?
— Como você... — começou a perguntar, mas o lunar o interrompeu.
O solariano ouviu atentamente as palavras de Munihir, que pareciam ecoar dentro dele. A história contada despertou memórias profundas e nostálgicas em Kiran, evocando os momentos em que ele se sentia perdido e sozinho, buscando refúgio.
No entanto, também se sentia perdido, inundado por uma mistura de incerteza, raiva e frustração diante daquela revelação. Quem era Munhir, afinal?
— Quem é você? — questionou.
O lunar soltou um leve sorriso.
— Eu já mencionei antes que me dedico ao estudo da história daqueles que foram esquecidos.
Nesse momento, aquela menção de Munihr ecoou na mente do ruivo, reavivando a lembrança do que ele havia compartilhado durante sua estadia na Cidade Lunar. Munhir falava sobre pesquisar a história dos mortos que caíram no esquecimento.
Um sentimento de desespero tomou conta dele. Seria possível que estivesse realmente morto? Seria que toda a confusão enfrentada diante do conselho era um mero devaneio? Seria que tudo o que ele havia vivido até então não passava de uma ilusão?
— Eu não estou morto! — constatou Kiran.
Munhir soltou uma risada franca.
— É claro que não está. Não me refiro a quem você é agora, mas sim à sua vida passada, quando você se tornou um deus que é agora. — esclareceu.
O príncipe o encarou, atônito.
— Qual é dessa expressão, meu sol? Você sabe muito bem quem você é e quem será em outras reencarnações. Assim como eu sei quem eu sou.
Munhir piscou para Kiran, com um sorriso brincalhão, e colocou um dedo sobre os lábios, como se pedisse segredo e continuou com seu passeio por Solaria.
— "Como assim eu sei quem eu sou?" — Kiran o seguiu apressadamente. — Explique isso direito! Quem é você?!
...
Em meio às ruas movimentadas de Solaria, a jovem mulher se destacava com suas vestes vibrantes, revelando que não pertencia àquela cidade. Com uma bolsa de couro pendurada em seu ombro e um buquê de girassóis em mãos, seguia determinada em direção ao cemitério local.
Entre as lápides, ela caminhava com uma mistura de reverência e saudade, até encontrar um local especial reservado apenas para os grandiosos guardiões que ali repousavam. Diante da lápide em homenagem a um certo herói que havia vivido ali, a jovem mulher se ajoelhou, tocando suavemente o lugar e os nomes gravados na pedra fria. Com carinho, depositou as flores sobre o mármore e, com um sorriso triste, sussurrou:
— Eu vim te ver, meu amor.
A brisa suave parecia acariciar o rosto da mulher, como se o próprio guardião estivesse presente, ouvindo suas palavras. Ela sentia a conexão profunda que os unia, transcendendo as barreiras da vida e da morte.
Enquanto permanecia ali, a jovem compartilhava seus pensamentos, suas memórias e seus anseios com o guardião que ali encontrava-se eternizado. Relembrando os momentos de alegria que compartilharam, as histórias e os desafios enfrentados juntos.
Com os olhos marejados, a mulher acariciou a superfície da lápide, como se pudesse sentir a presença do amado guardião. Ela sabia que sua vida não era a mesma sem ele, mas encontrava consolo em suas memórias.
— Obrigada por me ouvir. Prometo voltar em breve.
Ela permaneceu ali por mais alguns momentos, mergulhada em suas lembranças e sentimentos. E, então, com uma última olhada na lápide, se levantou lentamente e deixou o cemitério renovada.
...
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Atualizado até capítulo 182
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