Daisy Kim: No Corredor Da Fama

Daisy Kim: No Corredor Da Fama

My Time

Segunda, às 09 horas da manhã. 

Aeroporto de Seul. 

Suspirei, olhando a pista de decolagem através da janela do avião. Estava lotada de pessoas, dentre elas, os paparazzis com suas câmeras profissionais e os fãs gritando, celular na mão, pronto para capturar qualquer movimento meu.

Os anos em que morei nos EUA foram gratificantes, senão os melhores de todos os tempos. Se não fosse pelo patriotismo ㅡ em outras palavras, fanatismo ㅡ idiota que possuem, podia até ter esquecido que nasci aqui, na Coreia do Sul. Não demorei para me adaptar aos lugares e nem à língua nativa, talvez apenas com os cidadãos. As primeiras semanas foram estranhas, não conhecia literalmente ninguém e não era tão extrovertida como sou hoje.

Aos sábados, saía sozinha pelas ruas de Nova Iorque e procurava alguma cafeteria legal que me tirasse do tédio que é ser nova no país. Acabei virando cliente da Starbucks, o segundo melhor café que já tomei em toda a minha vida. Sempre escolhia a mesa perto da fresta devido à claridade e à brisa leve das manhãs ensolaradas. Carregava na bolsa o MP3 azul bebê, fone de ouvido branco e um livro novo a cada um mês, às vezes romance, outras terror.  Lógico que deixei de fazer muitas coisas depois da fama. Entretanto, valeu a pena.

Quando viajei pela primeira vez, vinha na classe econômica, bastante desconfortável pelos roncos dos passageiros ou pelos gritos das crianças pequenas. Eu era uma pessoa normal, assim como elas. O dinheiro que ganhei nos doramas em que atuei, nas músicas que cantei ou nas passarelas em que desfilei foi o suficiente para que a minha empresa comprasse um jatinho particular. A iluminação é boa, com direito a banco de couro branco, mesinha cheia de comida e o silêncio necessário. Ao lado, os funcionários comem, dormem ou conversam baixinho sobre os últimos shows que fizemos.

ㅡ Prepare-se para a decolagemㅡ A Staff, de blusa preta, calça jeans e tênis Adidas, avisa brevemente e uso um aceno de cabeça para mostrar que entendi o recado.

Ajeito as minhas roupas, coloco a bolsa no ombro e respiro fundo. Deveria estar acostumada com os flashes e tudo mais. Porém, a verdade é que você nunca se acostuma.

3, 2, 1

Levanto para pegar a bagagem, acima da poltrona do avião, e sigo em direção à saída. O barulho dos saltos batendo contra o chão manifestam a minha chegada, diminuindo a distância entre os olhares daqueles que me esperam ansiosamente. Resisto à vontade de encolher os ombros diante do ar gelado que arrepia a pele e decido arrumar a postura para me mostrar imponente, escondendo qualquer resquício do medo de entrar naquela multidão. Os seguranças seguem na frente e os staffs atrás, ambos se certificando que ninguém vai tocar em mim.

É difícil manter um sorriso no rosto quando não se consegue nem respirar normalmente. Antigamente, agarraria a roupa de quem quer que estivesse por perto e evitaria contato visual, tanto com os fotógrafos quanto com os fãs. O maior desejo agora continua sendo entrar no carro e ir para casa, tudo o mais rápido possível. Contudo, levanto a mão para acenar e sorrio em frente às câmeras, permitindo que apenas a melhor versão de mim apareça nas fotos.

ㅡ Daisy, olhe pra direita! ㅡ Um grito se destaca no meio de tantos outros. O homem, de vestimentas pretas, tinha uma câmera em mãos e um crachá no peito pendurado no pescoço.

ㅡ Aaaah, é a Daisy! ㅡ Uma voz feminina aparece logo em seguida, e noto ser da coreana de cabelos azuis, com um moletom cinza cobrindo parte do jeans azul-claro que usavaㅡ Meu Deus, ela está me olhando! ㅡ Deixo um riso pequeno escapar de meus lábios ao ouvir os berros da menina afobada.ㅡ Daisy Kim sorriu pra mim! ㅡ A animação da platéia quase estoura os tímpanos de meus ouvidos.

ㅡ Daisy, eu te amo! ㅡ Disse a ruiva, com óculos redondos enfeitando a face delicada e maquiada. Seu estilo me lembra o da Hermione, da saga de Harry Potter. No cartaz que segura, as palavras I love u se destacam por meio da combinação exótica das cores.

ㅡ Obrigada! ㅡ Agradeço a um dos staffs que abriu a porta do automóvel, e entrei, apressada para sair de todo aquele barulho.

Demoro para me acalmar, esfregando a destra na esquerda para espantar o frio enquanto suspiro de alívio, dando graças a Deus que posso finalmente respirar agora. No rádio, toca uma música que desconheço, mas que facilmente me cativa pela voz suave e pelo refrão viciante.

E sim você sabe, 

*sim você sabe

Oh, eu não posso te ligar*

*Eu não posso te tocar

Ai, não posso*

*Deixe-me saber

Posso algum dia *

*encontrar meu tempo?

Sim, vou encontrar o meu tempo*

Vou encontrar o meu tempo.

Uma lágrima cai, trazendo à tona lembranças de um passado distante demais para que possa ser recordado perfeitamente bem.

Questionamentos que tentei ignorar, ao longo de todos esses anos, aparecem de novo, conforme escuto a letra, e a frase meu tempo martela em minha mente.

Quando fui para o exterior, achei que, finalmente, iria ter a vida que eu queria. Todavia, acho que me perdi mais ainda. Não, não sinto arrependimentos do que fiz. Tenho tudo o que sonhei e muitas outras coisas que nem imaginava conseguir conquistar: Carros grandes, jóias caras, reconhecimento mundial, bilhões de dólares na minha conta bancária, um rosto bonito e um corpo dentro dos padrões de beleza. O que poderia pedir, além disso?

Pela janela da van, assisto um casal tomando sorvete de baunilha e chocolate. Parecem felizes, aproveitando os momentos de diversão que o namoro traz. A cena clichê conseguiu arrancar um pequeno sorriso meu, que durou poucos segundos, pois lembrei que essa é a única coisa que não posso ter. Não desconheço o sentimento. Na verdade, durante a adolescência, comecei a namorar com o meu único e melhor amigo.

Seus olhos jabuticaba, os dentinhos de coelhinho e seu amor por leite de banana foram responsáveis pelos muitos sorrisos que deixei escapar quando estávamos juntos. Recordo que, aos sábados à noite, sentávamos no sofá da sala e víamos os filmes da Marvel. Ele me abraçava e beijava a minha bochecha, às vezes como desculpa para roubar a minha pipoca. Não acredito que eu sempre caía nessa. Essas lembranças vagas conseguem, novamente, me fazer rir.

É engraçado lembrar de como o garoto morria de medo das garotas de nossa turma e precisava pedir ajuda pra mim. E, não tenho a mínima ideia de como acabamos namorando. Ficamos próximos durante um trabalho em dupla, onde a minha tarefa era irritá-lo para que perdesse a timidez e pudéssemos decidir o tema logo, com ambos opinando sobre. Considerei a missão um sucesso, levando em conta que o bairro inteiro ouviu os gritos dele. No final, somente desculpas saíam de sua boca, e o rubor em suas bochechas tornava a vergonha nítida para quem quer que o olhasse. Ri tanto de sua reação que caí da cama, sentindo a barriga doer das infinitas risadas. Demorou alguns segundos para que o coreano se deixasse levar também, mas foi maravilhoso escutá-lo rindo livremente, sem aquele jeitinho tímido.

O maldito ou abençoado toque do celular me tira dos devaneios românticos, e faço uma careta antes de atender à ligação de meu chefe.

ㅡ Daisy? ㅡ Escuto-o me chamar, sua voz grave passando calma.

ㅡ A própriaㅡ Digo, forçando um tom divertido e escutando uma gargalhada exagerada.

ㅡ Venha para a empresa, temos que conversar ㅡ Imagino-o sentado na poltrona de couro marrom, o controle da TV apoiado na barriga e um canal ridículo indo ao ar.

ㅡ Sim, senhorㅡ Concordo, estufando o peito pela raiva que sinto em abaixar a cabeça para um velho sujo.

ㅡ Está vestindo aquele vestido que lhe dei? ㅡ A pergunta veio cheia de segundas intenções, o que não é novidade.

A roupa em que se referia foi para uma apresentação, escolhida a dedo pelo presidente da empresa da Fave Entertainment. O tecido de veludo vermelho deixava meus braços e minhas pernas expostas de tão curto que era. Além de justo na cintura,  tinha um decote nada discreto nos seios. Se não fosse vulgar, seria até bonito.

ㅡ Não, estamos no invernoㅡ Respondo e recebo um murmúrio de insatisfação por parte do homem.

O moletom verde aquece minha pele, mas não o coloquei só porque queria me esquentar, e sim, para evitar olhares ou toques desnecessários do CEO. Com certeza, não sou a única a reclamar de sua mão boba. A calça jeans de pantalona também cumpre a sua função e é totalmente confortável.

ㅡ Tem razão.ㅡ A imagem de um homem de cabelos grisalhos resmungando se forma em minha mente e tento segurar o riso diante da cena hilária que é vê-lo decepcionado.

A Staff para de conversar com o motorista e dirige o olhar a minha pessoa. Os olhos azuis refletindo a luz do Sol. Sua pele bronzeada se destaca em meio aos fios loiros e esvoaçantes, devido ao vento que entra pela janela. Noto a preocupação nas sobrancelhas franzidas e, com um gesto simples, dispenso a ajuda, logo sibilando um "tudo bem". Ela entende o recado. Segundos depois, suspira de alívio e volta a fazer o que estava fazendo: Batendo papo.

Enquanto isso, escuto Baek me chamando, o tom igual ao de uma criança impaciente.

ㅡ Daisy, está aí? ㅡ Indaga, pela milésima vez nesta manhã. Confirmo brevemente, lutando contra à vontade de desligar na cara desse idiota.  Infelizmente, não estou afim de pagar milhões de won por quebra de contratoㅡ Apresse-se, precisamos falar do seu novo álbumㅡ A voz séria mostra que não é um truque ou uma brincadeira, falaremos mesmo sobre o comeback.

Meus lábios se repuxam e um sorriso verdadeiro se forma.

ㅡ Estamos à caminho.ㅡ É somente o que digo, contendo a ansiedade que vibra em meu peito, tão alto quanto o volume da música Side to side, Ariana Grande.

A letra suja me arrepia da cabeça aos pés. Imagino cenas quentes acontecerem conforme as palavras de Ariana são cantadas, e mordo o lábio para conter a excitação, sentindo o gosto metálico do sangue invadir o meu paladar.

Não me relaciono com ninguém há anos. É pouco tempo, pouca privacidade para os muitos shows e paparazzis curiosos, prontos para divulgarem qualquer coisinha em relação a minha vida. Devo ser cautelosa, e não me refiro apenas aos romances.

Nos EUA, já ocorreu de sasaengs invadirem a casa em que eu morava várias noites seguidas, isso quando não são os haters. Tenho calafrios só de lembrar. Meus dedos vão de encontro com a gola alta da blusa branca ㅡ colocada por baixo do moletomㅡ subindo-a mais para o pescoço, como se o pano fosse capaz de proteger a área sensível.

Mesmo com muros altos cercando a casa, cercas elétricas, trava eletrônica e um alarme de invasão instalado, não era raro encontrar visitantes indesejados nela. Alguns mais amigáveis; outros, nem tanto. A verdade é que, depois de algum tempo, você se acostuma, e aquilo nem parece tão incômodo quanto parecia antes. Quando não acontece, fica estranho. Você procura em cada canto, buscando uma coisinha fora do lugar. Olha debaixo da cama, nos quartos, nos banheiros, até na geladeira e nos armários. As pessoas se tornam seu medo, e ele, a sua sombra. 

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Comments

Choi Ara

Choi Ara

Olá!! Muito obrigada por me acompanhar. Gostei de saber que o coração de vocês estão inquietos pra saber o que vai acontecer nos próximos capítulos.

2023-07-30

0

Alexo. ID

Alexo. ID

Não posso esperar pelo próximo! ⏰

2023-07-29

0

Rừng cây

Rừng cây

História arrebatadora! 💥

2023-07-29

0

Ver todos
Capítulos
1 My Time
2 Um roqueiro rude, mas muito quente
3 Meras mentiras de jovens otários
4 Lonely
5 Nomes nunca antes tão amargos e estranhos
6 O preço da fama
7 Nem tudo é a prova d'água
8 Happy Pills
9 Quem avisa, amigo é
10 Uma margarida que não floresceu
11 Mentiras solitárias que parecem suportáveis
12 Você está satisfeita?
13 I don’t wanna live forever
14 Nenhum castigo faz Daisy Kim implorar
15 Um caminho que nunca tem fim
16 Brincar com a loucura pode realmente enlouquecer alguém
17 Às vezes, um choque de realidade pode ajudar!
18 Parabéns, Daisy
19 O glamour é como uma máscara.
20 Coisas que as câmeras não podem capturar
21 Era apenas um jogo, mas ele se escondeu para sempre
22 Se quer tanto, implore
23 Velhos hábitos sempre falam mais alto
24 O que acontece quando se esquece: limites e dignidade?
25 Deve ter sido o vento
26 Parabéns, Daisy
27 Ela é uma bagunça em meio a tanto nada
28 Às vezes, até respirar dói.
29 De doces a risadas amargas
30 Pedidos sinceros e ligações inesperadas
31 Onze minutos para a solidão
32 Alguém para chamar o seu nome
33 Dez anos com palavras entaladas na garganta
34 Quinta. É quinta-feira ainda.
35 Ele vai sorrir.
36 Canção de Ninar
37 Cruel Demais
38 É muito tempo...
39 Parece estupidez...
40 Muitas Desculpas Para Um Dia Só
41 Stay Alive
42 Ainda
Capítulos

Atualizado até capítulo 42

1
My Time
2
Um roqueiro rude, mas muito quente
3
Meras mentiras de jovens otários
4
Lonely
5
Nomes nunca antes tão amargos e estranhos
6
O preço da fama
7
Nem tudo é a prova d'água
8
Happy Pills
9
Quem avisa, amigo é
10
Uma margarida que não floresceu
11
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12
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13
I don’t wanna live forever
14
Nenhum castigo faz Daisy Kim implorar
15
Um caminho que nunca tem fim
16
Brincar com a loucura pode realmente enlouquecer alguém
17
Às vezes, um choque de realidade pode ajudar!
18
Parabéns, Daisy
19
O glamour é como uma máscara.
20
Coisas que as câmeras não podem capturar
21
Era apenas um jogo, mas ele se escondeu para sempre
22
Se quer tanto, implore
23
Velhos hábitos sempre falam mais alto
24
O que acontece quando se esquece: limites e dignidade?
25
Deve ter sido o vento
26
Parabéns, Daisy
27
Ela é uma bagunça em meio a tanto nada
28
Às vezes, até respirar dói.
29
De doces a risadas amargas
30
Pedidos sinceros e ligações inesperadas
31
Onze minutos para a solidão
32
Alguém para chamar o seu nome
33
Dez anos com palavras entaladas na garganta
34
Quinta. É quinta-feira ainda.
35
Ele vai sorrir.
36
Canção de Ninar
37
Cruel Demais
38
É muito tempo...
39
Parece estupidez...
40
Muitas Desculpas Para Um Dia Só
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42
Ainda

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