Quem avisa, amigo é

ㅡ Sim, sim.ㅡ Falei, voltando a encarar JungKook. Noto um sorriso travesso decorar os seus lábios e, depois, uma risada nasal.

ㅡ Vejo que tem companhia.ㅡ Refere-se ao loiro com feições preocupadas, um pouco nervosas também.ㅡ A noite foi boa? ㅡ Provocou, arqueando a sobrancelha que possui um piercing prata.

ㅡ Seu…! ㅡ Christopher ameaça dar um passo à frente, o peito estufado e a raiva brilhando nas órbitas escuras. Contudo, através de um simples gesto, peço para que se acalme.

ㅡ Foi, a melhor noite de todas.ㅡ Sorrio, igualmente arrogante, esbarrando em seu ombro ao passar por ele e continuar o caminho, com Christopher Park me seguindo.

Se isto lhe afetou, Jeon não demonstra, diferente do cara explosivo que vi na sala do CEO. Agradeço que, apesar de ter vindo conosco, o silêncio predominou, o bastante para diminuir a minha enxaqueca. Mais adiante, Ji-soo sai da sala do presidente, bufando pelo cansaço e, após nos ver, apressa os passos. O salto alto faz um barulho irritante sempre que bate contra o chão, denunciando seu mau humor costumeiro, que estraga as minhas manhãs.

As expressões são as mesmas, irritada e de saco cheio de lidar com pessoas. Pergunto-me o porquê de escolher, justamente, a profissão manager, sendo que sua falta de paciência é óbvia para quem quer que seja. Provavelmente, o salário alto tenha sido o que mais lhe motivou e que a fez pensar que valeria a pena.

ㅡ Você nunca sorri, não?ㅡ Pergunto, antes que a coreana tivesse tempo para reclamar do meu atraso ou coisas do tipo.

ㅡ E, você nunca chega na hora certa, não?ㅡ Forçando um sorriso e apertando os olhos, Ji-soo devolve, não me surpreendendo com a sua típica grosseria.

ㅡ Houve uns contratempos hoje, mas eu tentei.ㅡ Digo, olhando disfarçadamente para JungKook, aquele que me ocupou com suas intrigas sobre o nosso passado.

Não acredito que depois de tantos anos, Jeon ainda lembra, claramente, do ocorrido, sendo que esquecer o término facilitaria a sua vida. Bobo. Já deveria imaginar que optaria pelo difícil, visto que sua maior diversão é ganhar um desafio.

ㅡ Não quero ouvir desculpas esfarrapadas.ㅡ Bufou.ㅡ Tomem cuidado, ele está mais irritado do que o normal.ㅡ Arrumei a postura, considerando o aviso e respondendo com um breve aceno.

ㅡ Não preciso que se preocupe.ㅡ Começo, vendo-a revirar os olhos.ㅡ Sei me virar.

ㅡ Não me preocupo contigo, e sim, com eles.ㅡ Apontou o queixo para os dois garotos atrás de mim, e ouço uma risada debochada de Jeon JungKook.

ㅡ Ótimo, que continue assim.ㅡ O meu rápido raciocínio consegue arrumar uma pequena resposta para a sua farpa, só não boa o suficiente.

Respiro fundo, adentrando a sala de Baek e encontrando-o sentado à mesa, de costas para a porta enquanto observava os diversos prédios da selva de concreto, a capital da Coreia do Sul, Seul. Por um segundo, tenho medo de me pronunciar e acabar em seu colo novamente, um remédio para acalmá-lo. Porém, pelo canto do olho, acompanho Chris e o astro do rock se sentarem em sofás diferentes, frente a frente.  Agradecendo o fato de não estar sozinha, caminho na direção do presidente e chamo,  docemente, seu nome para ganhar a sua atenção, somente ela.

ㅡ Daisy! ㅡ Girou a cadeira, encarando-me, e estremeço quando o homem sorri largo.ㅡ Chegou em uma boa hora, estou precisando de você.ㅡ Apesar de ter disfarçado o duplo sentido, usando um tom amigável, percebi suas intenções sem esforço nenhum, e, infelizmente, acho que não fui a única a perceber.

ㅡ Eu também, senhor.ㅡ Forço outro sorriso, pensando no quê responder em seguida.ㅡ O meu álbum não pode esperar, não é mesmo? ㅡ Mudo o foco da conversa, trazendo à tona a minha volta aos palcos.

ㅡ É,é.ㅡ Concorda, com um resmungo baixo e uma cara feia.ㅡTem razão.ㅡ Completa a frase.ㅡ Sente-se, minha querida.ㅡ Assenti,  me juntando ao Chris no estofado de couro preto, incapaz de me sentir confortável.

Baek, meio que, revelou a coisa da qual mais me envergonho e que anula todo o meu talento para cantar, além do meu esforço. Não é como se Christopher Park não soubesse disso, mas Jungkook não sabe, e prefiro que continue desse jeito.

O moreno costumava acompanhar os meus ensaios, apenas eu e ele na sala de treinamento. Via-me cantar, tocar piano e praticar as minhas coreografias favoritas, ou àquelas que me obrigavam a dançar. Dizia amar a minha voz, aos seus ouvidos, doce e sentimental. Ficava lá, sentado em um canto da parede, com o uniforme marcando o seu corpo, às vezes,  reclamando que precisava de um novo. As íris castanhas e brilhantes correndo dos pés à cabeça, vidrado em cada movimento meu. Não queria perder nada, como se sua namorada fosse uma estrela cadente, e ele, um astrônomo maravilhado.

ㅡ Então, suponho que entraram em um acordo.ㅡ As palavras de Baek revelam graça, com as mãos entrelaçadas em cima da barriga, e eu não demoro a perceber sobre o que se referia.

ㅡ Não.ㅡ Jeon JungKook responde primeiro, antes que qualquer sílaba seja pronunciada por mim. Contenho a raiva, esperando-o terminar.ㅡ Mas, se ela me pagar um boquete, 'tá tudo resolvido.ㅡ Zomba, o sorriso maldoso enfeitando os lábios.

De repente, sinto um ódio enorme e avassalador tomar conta do meu ser, apertando os dedos trêmulos contra a roupa vermelha que uso. Mal consigo controlar a respiração,  minhas batidas cardíacas aceleram ao passo que escuto a risada escandalosa do CEO invadir a sala. Ele acha engraçado, sequer se importa com o fato de Jeon estar me rebaixando à tal nível, e não poder desmenti-lo aumenta ainda mais a raiva.

Forço-me a respirar fundo, procurando manter os resquícios da pouca paciência que aprendi a ter enquanto encaro sua fala como uma brincadeira boba. Pelo canto do olho, vejo o Park sibilar um "tudo bem?" e, em resposta, assinto, determinada a continuar o assunto inicial.

ㅡ Mas, tem que fazer gostosinho.ㅡ Novamente, o garoto me interrompe, ganhando atenção e outros risos irritantes.

ㅡ E por quê eu faria isso? ㅡ Solto, estressada com a infantilidade do moleque.

ㅡ Ué, não é assim que você consegue tudo? ㅡ Gostaria de negar suas afirmações, gritar que está mentindo. Porém, a única mentirosa seria eu.

ㅡ Você não sabe o que diz.ㅡ Minto, tentando esconder o desconforto iminente, àquele que, raramente, perturba os meus dias.

ㅡ Mesmo? ㅡ O sarcasmo fica evidente, junto de suas malditas intenções de me depreciar, machucar.

Sei o que está fazendo, JungKook. Te machuquei, um dia e, agora, você quer fazer igual. Justo, talvez.ㅡ Penso, levemente, capaz de entendê-lo, até achando que mereço esse tipo de tratamento.ㅡ Mas, porra, foi há dez anos… Ten fuckin' years!

ㅡ E, você nem vale a pena.ㅡ Eu disfarço, fingindo que nada do que dissera me afetou.

O moreno ri, sorrindo em escárnio diante da provocação, seu olhar revezando entre a minha figura e a do produtor ao meu lado. O suor molha as minhas roupas, evidenciando o quão nervosa me encontro, e torço para que ele não diga o que acho que vá dizer.

ㅡ O Christopher vale? ㅡ Alfineta outra vez, comprovando as minhas expectativas.

ㅡ Chega, JungKook.ㅡ Meus cílios se demoram em minha pele, e conto de um à dez, buscando acalmar os nervos.

ㅡ Conta, Daisy.ㅡ Começa, fingindo inocência, como se fosse perguntar sobre as horas.ㅡ O que Christopher Park ofereceu para transformá-la em sua putinha exclusiva?ㅡ Escuto sua risada maldosa vir à tona, indicando que não terminou as ofensas.

ㅡ Chega, é sério!ㅡ Insisto, sentindo que perderei a calma daqui a pouco e engolindo a seco, com medo da próxima frase.

ㅡ Ah, tenho uma pergunta melhor.ㅡ Inclina-se para frente, os antebraços apoiados nas pernas e as mãos, entrelaçadas, entre elas.ㅡ Quantos caras você teve que dormir, só pra estar aqui hoje?

ㅡ Jeon JungKook! ㅡ Grito, subitamente, levantando do estofado e encarando o olhar de superioridade do garoto, que aparenta estar satisfeito com a bagunça feita.

Não percebo quando minha mão estala em seu rosto, agora vermelho e inclinado para o lado direito, devido à colisão. Vejo sua língua cutucar a parte interna da bochecha, uma prova do quão perplexo e furioso está. Todavia, não temo sua reação, muito pelo contrário, trato de endireitar a postura e levantar o queixo, momento algum, demonstrando arrependimento.

ㅡ Eu avisei.ㅡ Não fico para ver o desfecho, nem a expressão que fará perante o que falei, saindo, logo em seguida, a passos pesados, o mais depressa possível.

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