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Daisy Kim: No Corredor Da Fama

My Time

Segunda, às 09 horas da manhã. 

Aeroporto de Seul. 

Suspirei, olhando a pista de decolagem através da janela do avião. Estava lotada de pessoas, dentre elas, os paparazzis com suas câmeras profissionais e os fãs gritando, celular na mão, pronto para capturar qualquer movimento meu.

Os anos em que morei nos EUA foram gratificantes, senão os melhores de todos os tempos. Se não fosse pelo patriotismo ㅡ em outras palavras, fanatismo ㅡ idiota que possuem, podia até ter esquecido que nasci aqui, na Coreia do Sul. Não demorei para me adaptar aos lugares e nem à língua nativa, talvez apenas com os cidadãos. As primeiras semanas foram estranhas, não conhecia literalmente ninguém e não era tão extrovertida como sou hoje.

Aos sábados, saía sozinha pelas ruas de Nova Iorque e procurava alguma cafeteria legal que me tirasse do tédio que é ser nova no país. Acabei virando cliente da Starbucks, o segundo melhor café que já tomei em toda a minha vida. Sempre escolhia a mesa perto da fresta devido à claridade e à brisa leve das manhãs ensolaradas. Carregava na bolsa o MP3 azul bebê, fone de ouvido branco e um livro novo a cada um mês, às vezes romance, outras terror.  Lógico que deixei de fazer muitas coisas depois da fama. Entretanto, valeu a pena.

Quando viajei pela primeira vez, vinha na classe econômica, bastante desconfortável pelos roncos dos passageiros ou pelos gritos das crianças pequenas. Eu era uma pessoa normal, assim como elas. O dinheiro que ganhei nos doramas em que atuei, nas músicas que cantei ou nas passarelas em que desfilei foi o suficiente para que a minha empresa comprasse um jatinho particular. A iluminação é boa, com direito a banco de couro branco, mesinha cheia de comida e o silêncio necessário. Ao lado, os funcionários comem, dormem ou conversam baixinho sobre os últimos shows que fizemos.

ㅡ Prepare-se para a decolagemㅡ A Staff, de blusa preta, calça jeans e tênis Adidas, avisa brevemente e uso um aceno de cabeça para mostrar que entendi o recado.

Ajeito as minhas roupas, coloco a bolsa no ombro e respiro fundo. Deveria estar acostumada com os flashes e tudo mais. Porém, a verdade é que você nunca se acostuma.

3, 2, 1

Levanto para pegar a bagagem, acima da poltrona do avião, e sigo em direção à saída. O barulho dos saltos batendo contra o chão manifestam a minha chegada, diminuindo a distância entre os olhares daqueles que me esperam ansiosamente. Resisto à vontade de encolher os ombros diante do ar gelado que arrepia a pele e decido arrumar a postura para me mostrar imponente, escondendo qualquer resquício do medo de entrar naquela multidão. Os seguranças seguem na frente e os staffs atrás, ambos se certificando que ninguém vai tocar em mim.

É difícil manter um sorriso no rosto quando não se consegue nem respirar normalmente. Antigamente, agarraria a roupa de quem quer que estivesse por perto e evitaria contato visual, tanto com os fotógrafos quanto com os fãs. O maior desejo agora continua sendo entrar no carro e ir para casa, tudo o mais rápido possível. Contudo, levanto a mão para acenar e sorrio em frente às câmeras, permitindo que apenas a melhor versão de mim apareça nas fotos.

ㅡ Daisy, olhe pra direita! ㅡ Um grito se destaca no meio de tantos outros. O homem, de vestimentas pretas, tinha uma câmera em mãos e um crachá no peito pendurado no pescoço.

ㅡ Aaaah, é a Daisy! ㅡ Uma voz feminina aparece logo em seguida, e noto ser da coreana de cabelos azuis, com um moletom cinza cobrindo parte do jeans azul-claro que usavaㅡ Meu Deus, ela está me olhando! ㅡ Deixo um riso pequeno escapar de meus lábios ao ouvir os berros da menina afobada.ㅡ Daisy Kim sorriu pra mim! ㅡ A animação da platéia quase estoura os tímpanos de meus ouvidos.

ㅡ Daisy, eu te amo! ㅡ Disse a ruiva, com óculos redondos enfeitando a face delicada e maquiada. Seu estilo me lembra o da Hermione, da saga de Harry Potter. No cartaz que segura, as palavras I love u se destacam por meio da combinação exótica das cores.

ㅡ Obrigada! ㅡ Agradeço a um dos staffs que abriu a porta do automóvel, e entrei, apressada para sair de todo aquele barulho.

Demoro para me acalmar, esfregando a destra na esquerda para espantar o frio enquanto suspiro de alívio, dando graças a Deus que posso finalmente respirar agora. No rádio, toca uma música que desconheço, mas que facilmente me cativa pela voz suave e pelo refrão viciante.

E sim você sabe, 

*sim você sabe

Oh, eu não posso te ligar*

*Eu não posso te tocar

Ai, não posso*

*Deixe-me saber

Posso algum dia *

*encontrar meu tempo?

Sim, vou encontrar o meu tempo*

Vou encontrar o meu tempo.

Uma lágrima cai, trazendo à tona lembranças de um passado distante demais para que possa ser recordado perfeitamente bem.

Questionamentos que tentei ignorar, ao longo de todos esses anos, aparecem de novo, conforme escuto a letra, e a frase meu tempo martela em minha mente.

Quando fui para o exterior, achei que, finalmente, iria ter a vida que eu queria. Todavia, acho que me perdi mais ainda. Não, não sinto arrependimentos do que fiz. Tenho tudo o que sonhei e muitas outras coisas que nem imaginava conseguir conquistar: Carros grandes, jóias caras, reconhecimento mundial, bilhões de dólares na minha conta bancária, um rosto bonito e um corpo dentro dos padrões de beleza. O que poderia pedir, além disso?

Pela janela da van, assisto um casal tomando sorvete de baunilha e chocolate. Parecem felizes, aproveitando os momentos de diversão que o namoro traz. A cena clichê conseguiu arrancar um pequeno sorriso meu, que durou poucos segundos, pois lembrei que essa é a única coisa que não posso ter. Não desconheço o sentimento. Na verdade, durante a adolescência, comecei a namorar com o meu único e melhor amigo.

Seus olhos jabuticaba, os dentinhos de coelhinho e seu amor por leite de banana foram responsáveis pelos muitos sorrisos que deixei escapar quando estávamos juntos. Recordo que, aos sábados à noite, sentávamos no sofá da sala e víamos os filmes da Marvel. Ele me abraçava e beijava a minha bochecha, às vezes como desculpa para roubar a minha pipoca. Não acredito que eu sempre caía nessa. Essas lembranças vagas conseguem, novamente, me fazer rir.

É engraçado lembrar de como o garoto morria de medo das garotas de nossa turma e precisava pedir ajuda pra mim. E, não tenho a mínima ideia de como acabamos namorando. Ficamos próximos durante um trabalho em dupla, onde a minha tarefa era irritá-lo para que perdesse a timidez e pudéssemos decidir o tema logo, com ambos opinando sobre. Considerei a missão um sucesso, levando em conta que o bairro inteiro ouviu os gritos dele. No final, somente desculpas saíam de sua boca, e o rubor em suas bochechas tornava a vergonha nítida para quem quer que o olhasse. Ri tanto de sua reação que caí da cama, sentindo a barriga doer das infinitas risadas. Demorou alguns segundos para que o coreano se deixasse levar também, mas foi maravilhoso escutá-lo rindo livremente, sem aquele jeitinho tímido.

O maldito ou abençoado toque do celular me tira dos devaneios românticos, e faço uma careta antes de atender à ligação de meu chefe.

ㅡ Daisy? ㅡ Escuto-o me chamar, sua voz grave passando calma.

ㅡ A própriaㅡ Digo, forçando um tom divertido e escutando uma gargalhada exagerada.

ㅡ Venha para a empresa, temos que conversar ㅡ Imagino-o sentado na poltrona de couro marrom, o controle da TV apoiado na barriga e um canal ridículo indo ao ar.

ㅡ Sim, senhorㅡ Concordo, estufando o peito pela raiva que sinto em abaixar a cabeça para um velho sujo.

ㅡ Está vestindo aquele vestido que lhe dei? ㅡ A pergunta veio cheia de segundas intenções, o que não é novidade.

A roupa em que se referia foi para uma apresentação, escolhida a dedo pelo presidente da empresa da Fave Entertainment. O tecido de veludo vermelho deixava meus braços e minhas pernas expostas de tão curto que era. Além de justo na cintura,  tinha um decote nada discreto nos seios. Se não fosse vulgar, seria até bonito.

ㅡ Não, estamos no invernoㅡ Respondo e recebo um murmúrio de insatisfação por parte do homem.

O moletom verde aquece minha pele, mas não o coloquei só porque queria me esquentar, e sim, para evitar olhares ou toques desnecessários do CEO. Com certeza, não sou a única a reclamar de sua mão boba. A calça jeans de pantalona também cumpre a sua função e é totalmente confortável.

ㅡ Tem razão.ㅡ A imagem de um homem de cabelos grisalhos resmungando se forma em minha mente e tento segurar o riso diante da cena hilária que é vê-lo decepcionado.

A Staff para de conversar com o motorista e dirige o olhar a minha pessoa. Os olhos azuis refletindo a luz do Sol. Sua pele bronzeada se destaca em meio aos fios loiros e esvoaçantes, devido ao vento que entra pela janela. Noto a preocupação nas sobrancelhas franzidas e, com um gesto simples, dispenso a ajuda, logo sibilando um "tudo bem". Ela entende o recado. Segundos depois, suspira de alívio e volta a fazer o que estava fazendo: Batendo papo.

Enquanto isso, escuto Baek me chamando, o tom igual ao de uma criança impaciente.

ㅡ Daisy, está aí? ㅡ Indaga, pela milésima vez nesta manhã. Confirmo brevemente, lutando contra à vontade de desligar na cara desse idiota.  Infelizmente, não estou afim de pagar milhões de won por quebra de contratoㅡ Apresse-se, precisamos falar do seu novo álbumㅡ A voz séria mostra que não é um truque ou uma brincadeira, falaremos mesmo sobre o comeback.

Meus lábios se repuxam e um sorriso verdadeiro se forma.

ㅡ Estamos à caminho.ㅡ É somente o que digo, contendo a ansiedade que vibra em meu peito, tão alto quanto o volume da música Side to side, Ariana Grande.

A letra suja me arrepia da cabeça aos pés. Imagino cenas quentes acontecerem conforme as palavras de Ariana são cantadas, e mordo o lábio para conter a excitação, sentindo o gosto metálico do sangue invadir o meu paladar.

Não me relaciono com ninguém há anos. É pouco tempo, pouca privacidade para os muitos shows e paparazzis curiosos, prontos para divulgarem qualquer coisinha em relação a minha vida. Devo ser cautelosa, e não me refiro apenas aos romances.

Nos EUA, já ocorreu de sasaengs invadirem a casa em que eu morava várias noites seguidas, isso quando não são os haters. Tenho calafrios só de lembrar. Meus dedos vão de encontro com a gola alta da blusa branca ㅡ colocada por baixo do moletomㅡ subindo-a mais para o pescoço, como se o pano fosse capaz de proteger a área sensível.

Mesmo com muros altos cercando a casa, cercas elétricas, trava eletrônica e um alarme de invasão instalado, não era raro encontrar visitantes indesejados nela. Alguns mais amigáveis; outros, nem tanto. A verdade é que, depois de algum tempo, você se acostuma, e aquilo nem parece tão incômodo quanto parecia antes. Quando não acontece, fica estranho. Você procura em cada canto, buscando uma coisinha fora do lugar. Olha debaixo da cama, nos quartos, nos banheiros, até na geladeira e nos armários. As pessoas se tornam seu medo, e ele, a sua sombra. 

Um roqueiro rude, mas muito quente

Encosto a cabeça no banco de couro, levando os meus olhos caramelos às ruas movimentadas de Seul. Um suspiro escapou por minha boca assim que avistei o telefone público no mesmo lugar de doze anos atrás. Muita coisa mudou desde então. A cor vermelha, não mais vibrante como me recordo, está desbotada. Não há filas gigantescas ao redor, esperando para fazer ligações. Homens, mulheres, pais, avós, tios, filhos, amigos e muitos outros costumavam ficar horas na fila, não importava o horário, tão pouco o clima. Alguns mandavam recados, contavam fofocas, faziam declarações amorosas ou pediam desculpas. Contudo, uma tristeza invade o peito, vendo o quão esquecido se tornou. Impressionante, algo que, um dia, costumava ser a preferência de todos, hoje é só um mero objeto, no qual as mesmas pessoas, muitas delas que antes lhe adoravam, passam reto, como se ele não significasse nada.

Tudo é substituível.

Faz anos, mas lembro claramente de usá-lo para avisar papai de que voltaria tarde. O Sol escaldante, os pés doloridos, o suor escorrendo pela testa e a barriga roncando.  A ansiedade por ver, lentamente, a fila andando. Eu contava e recontava as moedas, evitando olhar para o relógio azul, preso ao pulso. Parecia uma eternidade. Alívio e felicidade arrancavam sorrisos meus logo que chegara a minha vez.  O metal gelado em contraste com as pontas dos dedos, esses que perambulavam pelos botões redondos, discando o número do serviço de meu pai. O telefone na orelha enquanto barulhos baixos da linha de espera ajudavam na minha falta de paciência.

ㅡ Alô? ㅡ Ouço a voz grave dizer e fica impossível não sorrir diante da imagem sorridente que se forma em minha mente.

Manchas de graxa no rosto jovial, pele dourada, íris cor de mel, exatamente iguais às minhas. Cabelos negros e escorridos, cobrindo boa parte das orelhas. Vestido com o seu típico macacão azul-escuro, junto de um boné simples. O tênis vermelho, apesar de velho e surrado, continuava sendo o preferido dele.

 Parece que foi ontem.

Gritos aparecem, levando as lembranças embora, e arregalei os olhos diante da multidão que cerca a empresa. Cartazes coloridos, com as mais variadas cores, destacam o meu nome. Outra vez, respiro fundo.

ㅡ Daisy, já chegamosㅡ Alerta uma das funcionárias, os olhos à procura de uma falha na minha máscara.

ㅡ Percebiㅡ Essa única palavra foi o suficiente para que ela entendesse, abrindo a porta em seguida.

O prédio alto e reluzente, uma parte escondida atrás das nuvens. Um medo avassalador arrepia a pele e, novamente nesse dia, suspiro. Coloco os pés para fora, acenando e sorrindo, enquanto ignoro as batidas de meu coração, acelerando pouco a pouco. Achei que fosse me acostumar depois de um tempo, mas continuo a mesma garotinha assustada de dez ou onze anos atrás. Àquela mesma adolescente que deseja, desesperadamente, voltar para a  casa e passar à tarde lendo sua trilogia preferida, como uma pessoa normal faria. Todavia, Daisy Kim não é comum, mas sim, uma artista, famosa mundialmente. Era isso o que eu queria, estou contente.

Entrei ao lado dos funcionários, os seguranças barrando aquele mar de gente, uns tentando entrar, outros somente gritando até ficarem roucos.

Sinto-me segura outra vez, longe de todos aqueles olhos que julgam. Aprendi desde cedo que as celebridades passam o resto de suas vidas sendo observadas e que cada uma de suas ações possui consequência. O preço da fama.

Vejo a secretária Ji-Soo vindo ao meu encontro, o barulho do salto alto  anunciando sua chegada. As roupas pretas e sociais estavam justas em seu corpo curvilíneo. Não consigo deixar de reparar no corte Chanel que enfeita a face maquiada, com uma franja para cobrir a testa.

ㅡ O CEO quer vê-la imediatamente.ㅡ Desgosto da forma que sua frase saiu carregada de desdém e superioridade.

ㅡ Diga-me algo que eu não sei.ㅡ Uma careta molda o meu rosto, as sobrancelhas arqueando-se dentro de segundos.

ㅡ Você é uma filha da puta, mas acho que já sabe disso, não é?ㅡ Deu um sorriso sarcástico e retribuí o gesto.

ㅡ E você é uma encalhada.ㅡ Diante do comentário, intencionalmente, ofensivo, Ji-soo bufa e sai na frente, pisando pesado.

A cena me faz rir.

Ainda que Park Ji-soo tenha motivos para me odiar, prefiro pensar que ela é apenas uma mulher infeliz, com seus vinte e nove anos de idade, pelo fato de que dificilmente encontrará um marido, ou que nunca ganhará a quantia que eu recebo.

ㅡ Boa sorte.ㅡ Resmungou, abrindo as portas de vidro.

ㅡ Não preciso de sorte.ㅡ Dei-lhe uma piscadela, fazendo-a revirar os olhos.

Engulo a seco assim que fico sozinha na sala luxuosa de meu chefe. Números de um até dez ocupam a mente, sem pressa alguma. Desvio a atenção para o piso bonito de cerâmica, os quadros de Delacroix pendurados nas paredes pretas e brancas ou nos vários discos de seus artistas, todos um sucesso atrás do outro. Queria evitar pensar no velho idiota com quem terei de forçar uma risada ao ouvir piadas ruins, redirecionar suas mãos bobas, mas de forma doce e gentil.

ㅡ Não é lindo? ㅡ Ouço o tom masculino soar atrás de mim, a figura esguia vestindo um terno e de mãos cruzadas.ㅡ O desespero, a brutalidade… tudo é tão magnífico!ㅡ O sorriso medonho que brota em seus lábios causa calafrios por toda a minha pele, e não sei como responder.

O quadro retrata o momento exato em que os turcos invadiram as terras dos gregos, matando homens, abusando mulheres e crianças. São muitos sentimentos, menos o de beleza. Todavia, Baek não gosta de ser contrariado.

ㅡ Sim, uma obra de arte.ㅡ Comento, deixando-o satisfeito.

De certo modo, não menti, nem concordei com sua idiotice. "O Massacre de Quios" tem grande valor nos leilões. Sendo assim, considerada uma obra de arte.

O terno escuro passa uma imagem de educado, mas todos que trabalham com Baek sabem perfeitamente bem que não há nada de polidez neste velho. Os sapatos polidos deixam explícito o quanto ama estar elegante, sempre na moda. Pelo menos, concordamos em uma única coisa.

ㅡ Então, vamos direto ao ponto.ㅡ  Sento na poltrona de couro, cruzando as pernas.

ㅡ  Está mais atrevida do que me recordo, Daisy.ㅡ A silhueta caminha lentamente, sorrindo ladino, e observo-o sentar no sofá à frente, já que roubei seu lugar.

ㅡ  Aprendi muito no exterior.ㅡ Retribuo o sorriso, confiante o bastante para encará-lo sem medo.

Timidez e vergonha não combinam com Nova Iorque. Digamos que as pessoas de lá eram bastante competitivas, e tive que lutar pelo meu espaço, ou morrer tentando. Os fortes se aproveitam dos fracos.ㅡ Era literalmente isso que acontecia naquela cidade, onde nossos sonhos viram realidade. É, o meu virou. Porém, ainda sou a mesma Daisy que atravessou o oceano para cantar? 

ㅡ Estou vendo.ㅡ  Riu. ㅡ  Para onde foi a garotinha tímida que chorava por tudo? ㅡ Tranco o maxilar e respiro fundo, levantando a cabeça para manter a compostura.

Odeio lembrar de quem eu era, insegura, medrosa, inocente demais. E, o CEO sabe disso, torturando-me sempre que tem a chance. Ele sabe toda a minha história...

Na época de trainee, a indústria musical coreana já me considerava velha para entrar na empresa. Não tinha a flexibilidade dos outros trainees menores e era difícil aprender as coreografias, pois nunca frequentei uma aula de dança. Professores, alunos e muitos outros me humilhavam porque eu não estava nos padrões enquanto minha boca permanecia fechada.

Não, hoje não.

ㅡ  Pro túmulo.ㅡ Respondo.ㅡ  Morta e enterrada.ㅡ  Analiso as feições do rosto enrugado que, assim como qualquer outra pessoa, procura uma brecha na minha confiança.

É desta forma que vivo, rodeada de pessoas procurando falhas nas minhas palavras, nas minhas emoções, na minha carreira e até nos meus relacionamentos. Basta somente um trinco para acabar com o que conquistei, sendo que passei anos tentando realizar os meus sonhos. Injusto, não? É incrível a forma que uma única ação ou palavra pode te arruinar. Eles colocam quem os obedece em pedestais e os tiram quando são contrariados, para logo depois, colocar outro. Então, alguém que era especial cai no esquecimento. Pergunto-me se, como aquele telefone vermelho, serei substituída e esquecida algum dia.

Provavelmente, sim.

ㅡ  Quais são suas ideias para o álbum?ㅡ  Pergunta, inclinando um pouco para alcançar a garrafa de vinho na mesa.

ㅡ Queria fazer algo mais… impactante.ㅡ  Aceito a taça, levando-a em direção à boca e apreciando o gosto doce.

ㅡ  Exemplo? ㅡ  Arqueia as sobrancelhas, interessado.

ㅡ  The Boss.ㅡ  O sotaque americano combina perfeitamente com a minha voz.

Anseio pela ideia de mostrar do que sou capaz, brilhar no topo da billboard HOT 100. Construir um castelo em que posso, realmente, reinar.

Luzes brilhantes, roupas de gala, um tapete vermelho e infinitos aplausos para Daisy.

ㅡ Chefe? ㅡ  Tento não rir da expressão confusa.ㅡ  Do quê? ㅡ  Pergunta.

ㅡ  A questão não é o quê, e sim, quem.ㅡ  Corrijo, esperando que pergunte novamente.

ㅡ  Pois bem.ㅡ  Sigo os gestos de suas mãos, pedindo para que eu continue.

ㅡ  De todos.ㅡ  Respondo, sem rodeios.

Nunca achei que fosse entender os vilões das histórias. Contudo, estou tão faminta por poder quanto eles. Pretendo me tornar uma deusa, dominar o mundo. Cleópatra? Nefertiti? Serei mais poderosa do que elas.

ㅡ  Quando se tornou intensa, ambiciosa? ㅡ  O riso soprado esconde um sentimento de satisfação.

De repente, um estrondo ronda o local, e percebo a porta ser aberta com força.

ㅡ  Mas que... porra!ㅡ  Um moreno alto entra, xingando enquanto esmurra a parede. Seus olhos em um tom intenso, quase pretos, e estranhamente, familiares encontram os meus em um segundo.

Jaqueta de couro, calça preta, justa nas coxas fartas. Piercing na sobrancelha esquerda, longhair. Tudo indicava apenas uma coisa: Roqueiro.

Minha imaginação fértil faz meu corpo queimar, e me pego mordendo o lábio.

Meras mentiras de jovens otários

ㅡ Ei, calma aí, moleque.ㅡ O velho coreano repreende o jovem, de fato, mal educado.

ㅡ Calma? ㅡ Assisto o empresário torcer o nariz diante da palavra debochada do astro do rock.ㅡ Aqueles idiotas não saem do meu pé.ㅡ Entrega o Ipad Pro 11 para o homem de cabelos grisalhos e rosto enrugado, que coloca os óculos para ler, seja lá o quê.

Ignorando a minha presença, ele se joga no sofá; suas botinas na madeira cara que o CEO usou para fazer a mesa de centro. Aproveito que está desatento e subo o olhar para a parte de seu abdômen exposto pela camiseta branca, já que essa levantou quando o moreno cruzou os braços na altura da cabeça. À medida que seu peito sobe e desce, minha mente vaga e me pego imaginando como seria tê-lo para mim.

As mãos grandes explorando cada canto do meu corpo em chamas, sem pressa nenhuma. Nossas línguas brigando por espaço, enquanto meus dedos puxam os fios de suas madeixas negras. Puxo o ar devagar, sentindo a colônia afrodisíaca preencher os pulmões. Minha boca saliva, refém do desejo de provar o gosto de uma estrela do rock, e, talvez, me viciar nele.  Admiro, às escondidas, o maxilar definido, os lábios carnudos, e suspiro.

Papai, acho que encontrei o sinônimo de perfeição. Juro, dessa vez, não sou eu! 

ㅡ Daisy? ㅡ A voz de Baek Jung Seok corta os devaneios que me faziam prisioneira e volto para a realidade.

ㅡ Sim, senhor? ㅡ Contra à minha vontade, encaro àquele de quarenta e sete anos.

ㅡ Conversamos depois, pode ir descansar.ㅡ Seok gesticula, minuto algum me olhando.

ㅡ Certo.ㅡ Assenti, contendo a raiva.

Quando falamos com uma pessoa, o correto é olhá-la. Porém, não vou implicar, sequer educação Baek possui.

Caminho até a saída, fechando a porta ao sair. Os pensamentos focados em quem era o moreno da jaqueta de couro. Curiosa, levei a destra em direção à bolsa, abrindo-a e pegando o iphone de capa vermelho-sangue. Segundos após ligá-lo, os ursos sem curso aparecem como tela de fundo, desaparecendo quando uso minha digital para desbloquear o aparelho.

Entro no Instagram procuro a Fave Entertainment, analisando os perfis seguidos por ela.  Um sorriso domina os meus lábios perante o perfil que encontrei, um coreano igualzinho o artista sentado, há minutos atrás, defronte pra mim.

Jeon JungKook

Jeon JungKook

Jeon JungKook...

De repente, volto para o ano de 2012, cara a cara com o garoto de madeixas escuras e curtas. Lágrimas desciam por suas bochechas, o peito subindo a cada soluço que escapava de sua boca. Seu nariz vermelhinho, embora ninguém estivesse resfriado, e o calor de seus dedos em meu pulso já foram mais do que apenas lembranças. O rosto, agora, é um completo borrão. Os olhos de jabuticaba e dentinhos em forma de coelhinho são as únicas coisas na qual me recordo. Ambos distantes demais, inúteis demais para lembrar.

ㅡ Você vai simplesmente abandonar tudo o que temos? ㅡ Desespero define bem suas expressões.

ㅡ Tínhamos.ㅡ Corrijo, encarando o anel de  compromisso que enfeita seu dedo, a cor prata vibrava em sua pele.

ㅡ E os planos que fizemos para nós dois? ㅡ A voz sai fraca e amarga.

ㅡ Não existe nós, nunca existiu.ㅡ Percebo o toque desvanecer e acompanho sua mão se afastar vagarosamente, como se soubessem que uma parte de mim estava lutando para enlaçar nossas mãos.

ㅡ Pensei que tivéssemos decidido não idealizar um futuro onde a gente deixa de existir.ㅡ Uma risada ácida vem à tona, partindo o meu coração ao meio.ㅡ Mas, acho que foi apenas um sonho ridículo.

ㅡ Deve ter sido.ㅡ Criei coragem, levantando o olhar e vendo um brilho diferente em seus olhos. Raiva.

ㅡ Boa sorte nos EUA, espero que consiga àquilo que quer.ㅡ Engulo a seco, tentando ignorar o fato de que suas últimas palavras foram sarcásticas e ásperas.

ㅡ Não preciso de sorte.ㅡ Trocamos olhares por alguns segundos, não reconhecendo um ao outro. Então, tiro o anel e lhe entrego.

 De estranhos para amigos; 

De amigos para amantes,

E de amantes para estranhos.

Obviamente, eu menti.

Estava desesperada, apavorada, mas não queria somente sorte do meu lado. Não, queria algo que acabei de desistir, substituí por uma chance de me tornar uma cantora. Sou a primeira a virar as costas e dou espaço para o choro. Seu olhar ainda nítido em minha mente, perguntando-se quem era a garota defronte para si. Todas as suas tentativas de me fazer ficar são como um refrão chiclete, impossíveis de esquecer.

Gostaria de dizer que não foi um sonho ridículo, que eu também quis viver o final feliz que idealizamos juntos. Porém, a vida é feita de escolhas, e escolhi a realidade a um conto de fadas.

Ele apenas iria atrapalhar…

Olho para a minha mão, estranhando o vazio que sinto, ao mesmo tempo em que recordo a primeira vez que ganhei a jóia.

Corríamos feito loucos, de mãos dadas e sorrindo bobo. O vento, nosso amigo, e a euforia, a gasolina. Passávamos por entre a multidão, fugindo dos inspetores que tentavam nos arrastar de volta para o colégio. Estávamos cansados, o fôlego se esvaindo dos pulmões, ambos exaustos pela corrida repentina. Um reflexo prateado atrai minhas íris e me deparo com uma joalheria, repleta de coisas maravilhosas. Dentre elas, duas alianças prateadas, decoradas por dois corações conectados, uma metadinha.

ㅡ Coloca pra mim, por favor? ㅡ Sorrimos, outra vez naquele dia ensolarado.

Seus dedos colocavam, carinhosamente, o metal, e ríamos pelos pequenos choques de nossas peles. Repito o ato, perdida na imensidão de seus olhos e, cedi ao desejo de juntar sua boca à minha, imersa naqueles lábios doces e viciantes. O moreno me puxa pra mais perto, meu corpo colidindo com o seu. As promessas bonitas como um filme; uma música romântica, só não são eternas. Achávamos ter tudo. Todavia, no final, não se pode ter tudo.

 O que fazer? Somos jovens apaixonados e otários, que acreditam nas próprias mentiras.

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