Parabéns, Daisy

Bufo, exausta e impaciente.

Christopher digita a senha no painel de segurança com a maior calma possível, cantarolando o refrão de suas músicas favoritas enquanto seus dedos dançam pela superfície lisa e preta, que reflete uma parte de sua boca. Diante da demora, uso a parede de apoio, curiosa para saber se utilizaram madeira ou algum outro material semelhante para fazê-la. Troco a posição diversas vezes, xingando esses malditos saltos, responsáveis pelas bolhas nos tendões de Aquiles. Olho para o teto e contemplo desde os desenhos em dourado às luminárias caras. O piso de mármore faz meus sapatos deslizarem,  e tenho medo de cair.

Tremendo, aperto os guidões da bicicleta de joaninha até que a ponta dos dedos fique esbranquiçada. O capacete, maior do que a minha cabeça, dificulta a visão; as joelheiras incomodando os joelhos frágeis. O All Star vermelho, que se destaca no asfalto, suporta todo o meu peso, e, ignorando as manchas usuais, certifico-me de que os cadarços estão bem amarrados.

ㅡ Pronta? ㅡ O homem questiona, segurando no banco da bike, e assinto, tensa.ㅡ Então, lá vai! ㅡ Exclamou, animado. E, sem aviso prévio, empurrou-me à rua.

Espremo os olhos, fitando os arredores, fazendo um esforço enorme para pedalar e não perder o equilíbrio. O suor escorre, com meus cabelos grudados na testa, devido ao sol escaldante, destacado pelo azul do céu. Por sorte, sinto o vento adentrar a camiseta e diminuir o calor do meu corpo, que estava entrando em combustão. Apesar do refresco temporário, a sensação de alegria permanece intacta, aquecendo o peito. Todavia, a lombada seguinte deixa minhas mãos suadas, e entro em pânico.

ㅡ Jungkook!ㅡ Grito, pendendo de um lado para o outro, desesperada e desequilibrada.

O ardor em minhas mãos se faz presente, assim como o sangue nos joelhos, e choramingo de dor.

ㅡ Daisy! ㅡ Meu nome é pronunciado com tamanha preocupação, algo que arranca um sorriso da minha face, quase que, de imediato, mas o sentimento reconfortante dura pouco.

Ouço o som da porta abrindo, as memórias se desmanchando rapidamente, e resmungo para mim mesma, pois Jeon Jungkook consegue me atormentar até nos meus pensamentos. Droga!

ㅡ Finalmente! ㅡ Falei, agradecendo mentalmente por não precisar ficar, sequer, mais um segundo em pé, esperando o moleque ter a boa vontade de se apressar.

Um súbito alívio invade o peito ao ver que Chris destrancou o apartamento, entrando logo em seguida, comigo em seu encalço.

Embora não seja a primeira vez vindo aqui, o excesso de verde ainda me assusta. A cozinha americana, moderna o bastante para amenizar as cores monótonas, possui móveis extravagantes, cujos tons podem ser resumidos em preto e prata. Decorando as paredes da sala, há inúmeros quadros dos Rolling Stones, e sorrio com as lembranças.

A ansiedade cresce à medida que os ponteiros do relógio andam; o céu escurecendo. Respiro fundo, puxando o ar com força, e não demora muito para o cheiro adocicado preencher os meus pulmões. Chocolate. Minha barriga ronca só de imaginar o pequeno bolo redondo, decorado com três morangos, perfeitamente, simétricos.

Perto do fogão, uma figura feminina e alegre canta Girls Just Wanna Have Fun, da Cyndi Lauper. O avental vermelho escarlate brilha junto ao pôr-do-sol, banhado de uma coloração meio alaranjada. Seus cabelos, presos em um rabo de cavalo, balançam com o soprar do vento gelado, que entra pela janela aberta, e sinto o frio arrepiar a minha pele. Mexo-me no tapete felpudo da cor bege, sentada sob os calcanhares exaustos. Meus olhos escuros se demoram na porta de madeira, intercalando entre o relógio, que parece mais preguiçoso que o normal. Arrumei os guardanapos e os copos pela trigésima vez, a fim de ocupar a mente. Logo, a maçaneta gira e uma figura masculina adentra o cômodo, sorrindo. A jaqueta azul-escuro, escondendo o macacão, combina com a touca vermelha, que esquenta os ouvidos e a testa. Ele possui dificuldades em guardar as chaves; as mãos dentro das luvas pretas e os movimentos limitados. Entre os braços, um presente, cujo embrulho possui uma estampa de margaridas, e começo a sorrir.

ㅡ Papai! ㅡ Levanto às pressas, as meias amarelas deslizando pela madeira conforme corro.

Sou envolvida em um abraço apertado e tirada do chão por alguns segundos. Seus lábios cálidos tocam a minha bochecha, secos e rachados pelo inverno rigoroso. Os dedos, ásperos devido ao trabalho manual, colocam uma mecha do meu cabelo para atrás da orelha, fazendo cócegas em minha pele macia. Fico parada, sentindo as íris castanhas ㅡ iguais às minhas.ㅡ fitarem cada detalhe da face à frente, feito estivesse admirando uma pintura enquanto tenta eternizá-la em sua memória. Ajudo-o a tirar as luvas e o cachecol branco, ouvindo a voz da mamãe ecoar pela sala, com sua figura aparecendo logo em seguida.

ㅡ Você chegou, querido! ㅡ Ela beija o marido, as mãos segurando um pano de prato simples, cuja cor era uma mistura de lilás e rosa, suas cores preferidas.ㅡ Vá lavar as mãos.ㅡ Diz, secando as dobras dos dedos enquanto tira o avental florido.

ㅡ Já vou.ㅡ Respondeu, olhando-a de um modo carinhoso e apaixonado, prestando atenção em cada movimento da esposa, desde o piscar de olhos até o retorno para a copa.

ㅡ Papai, como foi o seu dia? ㅡ Perguntei, balançando o quadril.

ㅡ Bom, mas vai ser melhor agora. ㅡ Sorrimos, cúmplices de um segredo só nosso.ㅡ Eu demorei? ㅡ Pergunta, naturalmente calmo, e nego, observando seu sorriso crescer.ㅡ Quer o seu presente agora ou depois? ㅡ Ele dobra os joelhos para ficar na minha altura e coloca a caixa vermelha entre nós, enfatizando-a.

ㅡ Agora! ㅡ Ri, alegre.

Meus dedos tocam o plástico, rasgando-o sem demora nenhuma, revelando os discos de vinil da banda Rolling Stone, junto de alguns posters. Sou incapaz de controlar a felicidade, que cresce em meu peito, e, novamente, abraço o sul coreano, agradecendo-o infinitamente.

O abraço é quente; seus toques, delicados; e os tecidos das roupas de lã fazem minha pele coçar um pouco. Contudo, aperto-o mais, envolvida pelo calor de seus braços.

ㅡ Vocês ainda estão aí?! ㅡ A coreana bonita exclama, ponderando se ri ou continua fingindo estar brava.ㅡ Precisamos cortar o bolo, esqueceram? ㅡ A risada de papai se mistura com a minha, achando graça na pressa para comer os doces e cantar parabéns.

Sem dizer nada, o homem não tardou em abraçá-la. De repente, o inverno desaparece e dá espaço ao verão, contagiando tudo com cores quentes e vibrantes. A sensação permanece mesmo após nos separarmos, papai indo ao banheiro, mamãe seguindo para a cozinha e retornando com o bolo em mãos. Quando o marido retorna, os dois se posicionam na frente da mesa e dizem em uníssono:

ㅡ Parabéns, Daisy.

A noite chega ao fim, as estrelas ainda brilhando de forma intensa. Minha mãe dorme no colo de meu pai, que aprecia as músicas novas comigo, comentando que nenhum outro cantor fará melhor. Cansada de argumentar com papai que, um dia, alguém poderá superá-los, deito a cabeça em seu ombro, e sou abraçada gentilmente.

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Atualizado até capítulo 41

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