18

Neil

Estamos abraçados sobre a cama, nossos corpos exaustos, doloridos, saciados. A noite começa a cair. Sei que é mais sensato ir embora agora, antes que Rebeca apareça, mas não consigo me afastar de Amanda, principalmente sem saber se voltarei a vê-la.

Ela está quase adormecida, posso sentir pelo ritmo lento da sua respiração. Nunca dormimos juntos antes.

De repente a porta do quarto se abre e Rebeca entra. Tem as roupas sujas de sangue; o rosto inchado, coberto por hematomas e empunha uma pistola, apontando-a para mim.

Num sobressalto, eu e Amanda ficamos em pé ao mesmo tempo, ocultando nossa nudez com os lençóis da cama.

-- Pelo amor de Deus Rebeca, abaixa essa arma. – Amanda pede, alarmada.

-- Eu não posso acreditar! Esse demônio me denuncia pra polícia e você vai pra cama com ele. – Rebeca diz, com tom de histerismo.

Parece completamente drogada, fora de si.

-- Eu estou apaixonada por ele.

Mesmo antes de te denunciar já o amava. Se o machucar estará machucando também a mim.

-- E quem disse que estou preocupada em não te machucar?!

V ocê é culpada pela minha infelicidade. Se Douglas não tivesse se casado com você, talvez teria se casado comigo. Eu tinha mais direitos, afinal sou mais velha. – Ela parece uma louca quando fala.

Amanda fita-a aturdida.

-- Então é isso que você pensa de mim? Que tomei seu lugar? Acredite Rebeca, se passasse pelos meus pensamentos que você gostava dele jamais teria me casado. Teria deixado ele pra você.

Rebeca leva as duas mãos às laterais da sua cabeça, pressionando-a, como se tentasse proteger seus ouvidos de algum som ensurdecedor. Ainda tem a arma em punho.

-- Mesmo assim ele não teria se casado comigo, pois é você que ele amava. V ocê sempre foi a preferida de todo mundo, inclusive dos nossos pais, até esse peão nojento preferiu você. Douglas queria apenas me usar, como usou todas as suas amantes, mas não usará mais ninguém.

Amanda arregala os olhos.

-- Como assim não usará mais ninguém, Rebeca? O que você fez?

-- Fiz o que devia, matei ele. Mas a culpa foi dele. – Ela abaixa as mãos, penso em pular sobre si e arrancar-lhe a arma, mas estou muito longe, pode dar errado e uma bala perdida é fatal. – Eu não agüentava ficar nesse buraco, fui ao sitio pedir abrigo, ele disse que eu podia ficar.

Fez sexo comigo, do jeito que ele gosta, com violência, mas me machucou demais, eu não estava agüentando. Quando se sentiu satisfeito me expulsou, disse que se eu não me mandasse chamaria a policia. Fui até meu carro, peguei minha arma e o matei. Ele merecia isso, por me expulsar depois de me usar.

Isso explica as manchas de sangue nas suas roupas e os hematomas no rosto.

-- Eu jamais vou te dar as costas, você é minha irmãzinha querida. Eu te amo, vou te proteger da policia e Neil vai nos ajudar.

Ela volta a apontar a arma na minha direção. Droga! Por que Amanda foi falar meu nome?

-- Foi esse bastardo aí que me ferrou. Nunca que ele vai me ajudar.

-- V ai sim. Ele descobriu onde estamos antes da policia e veio nos avisar.

-- Ele veio foi te comer, isso sim.

-- Rebeca, abaixa essa arma e vamos conversar como adultos. – Falo, finalmente. – Se eu quisesse te entregar dessa vez teria trazido a policia comigo. Estou disposto a te ajudar, posso até te levar pro meu apartamento se for necessário. Faço isso porque amo Amanda.

-- Não acredito em você, Amanda não pode ter uma boceta tão gostosa assim. – Solta uma gargalhada histérica. – Por isso vou acabar com sua raça.

Vejo seu dedo se mover sobre o gatilho e tudo acontece muito rápido.

Num instante o ensurdecedor estampido do tiro ecoa pelo quarto, deixando um cheiro de pólvora no ar, no instante seguinte Amanda cai aos meus pés, o sangue jorrando do seu corpo.

Não posso acreditar, ela atirou-se na frente da bala, sacrificou sua vida para salvar a minha.

Uma angustia indescritível toma conta de mim, é como se estivesse fora do meu corpo observando a cena. Agacho-me até ela. Está desacordada, mas ainda respira.

Tiro o lençol do meu corpo e o pressiono sobre o ferimento no seu ombro, tentando estancar o sangramento. Talvez a bala não tenha atingido nenhum órgão vital e ela tenha a chance de sobreviver.

-- Meu Deus! O que eu fiz! – Rebeca grita.

-- Acabou com a vida da única pessoa que te amou de verdade. – Falo, um ódio cruel fazendo meu sangue ferver, mas tento ignorá-lo, preciso pensar em Amanda agora. – Não fique aí parada, pegue o celular e chame uma ambulância. Estou tentando estancar o sangramento.

Ela passa o peso do corpo de um pé para outro, repetidamente, como se não soubesse o que fazer. Aponta a arma para a própria cabeça.

Olho no fundo dos seus olhos e falo:

-- Vá em frente, faça esse favor pra humanidade.

Ela puxa o gatilho mais uma vez, caindo no chão com o buraco da bala na lateral da cabeça, de onde o sangue jorra abundante.

Movendo-me o mais agilmente possível, visto minha calça, dispensando a camisa e a cueca, para não perder tempo, enrolo Amanda no lençol, carrego-a para fora da casa, deitando-a cuidadosamente no banco de trás do Audi. Sento-me ao volante e dou a partida, seguindo para Mangaratiba em altíssima velocidade. Amanda está perdendo muito sangue, mas ainda tenho esperança de salvar sua vida.

Uso o celular para chamar a emergência, ao falar minha localização sou encaminhado para o hospital geral de Mangaratiba, onde os cirurgiões já estarão me esperando.

Uma hora depois estaciono diante do hospital. Dois enfermeiros uniformizados vêm me receber com uma maca. Abro a porta de trás do carro, pegam Amanda com cuidado, deitando-a sobre a maca, empurrando-a para o interior da instituição, apressadamente.

Sigo-os de perto, até atravessarem uma porta dupla, onde me detêm, pedindo que aguarde na sala de espera. Mas não consigo deixar o corredor, estou aflito, desesperado, permaneço em pé diante da porta.

As horas se arrastam, são as mais longas da minha vida, ninguém vem me dar uma noticia sobre o estado da mulher que amo.

Minhas pernas estão cansadas, sento-me no chão. Uma enfermeira aproxima-se.

-- Senhor, você não pode ficar aqui. – Diz.

-- Fico onde eu quiser. – Respondo.

Ela observa minhas tatuagens, completamente expostas, já que estou sem camisa. Parece intimidada.

-- Qual o nome da paciente que o senhor está acompanhando?

-- Amanda.

-- Já preencheu a ficha dela?

-- Não.

-- V enha comigo, precisamos fazer isso e informar a policia sobre o que aconteceu.

Movendo-me mecanicamente, sigo-a até a recepção por onde passei direto antes.

Informo o nome completo de Amanda, mas não sei o endereço ou o telefone dos seus familiares.

Douglas, seu pai e Rebeca, sua única irmã, estão mortos, então restaria apenas avisar sua mãe, de quem desconheço o telefone.

Sou encaminhado para uma pequena sala de espera, onde há outras pessoas com expressões angustiadas. Ainda não tive nenhuma noticia de Amanda.

Algum tempo depois a policia chega, convidam-me a ir à delegacia prestar depoimento sobre o que aconteceu, mas me recuso terminantemente a deixar o hospital.

Não lhes resta outra alternativa que não pegar meu depoimento ali mesmo, quando então narro-lhes detalhadamente tudo o que aconteceu, o assassinato de Douglas, o suicídio de Rebeca. Eles prometem avisar a mãe de Amanda e vão embora.

Logo um medico entra na sala, todos nós o olhamos esperançosos.

-- Quem está acompanhando Amanda Vasconcelos? -- Pergunta.

Vou até ele, apressadamente.

-- Sou eu. – Falo. – Como ela está?

Temo pela resposta. Jamais me perdoarei se ela estiver morta, pois atirou-se na frente da bala para salvar minha vida.

-- Estável. A bala foi extraída com sucesso, passou muito perto do coração mas felizmente não o atingiu, ela vai sobreviver. – Meu coração dá saltos no peito. – Como perdeu muito sangue tivemos que fazer uma transfusão. Logo estará recuperada. O bebê está bem, embora ela precisará de muito repouso para que tenha uma gestação saudável.

Ele disse bebê? Meu coração dá outro salto no peito. Daqui a pouco terei um ataque cardíaco.

-- Ela está grávida? – Pergunto.

-- Sim de duas semanas. Me desculpe dar a noticia desta forma.

Não me passou pela cabeça que você não sabia.

Ele disse duas semanas. Faço as contas mentalmente e meu coração dá outro pulo. Sim, o bebê é meu.

Serei pai de um filho da mulher que amo.

-- Posso vê-la?

-- Hoje não. Ela está fortemente sedada. Vá para casa e descanse.

Amanhã de manhã as visitas estarão liberadas.

Passo a noite no hospital, cochilando periodicamente sobre o estofado da sala de espera. Está frio.

Peço um agasalho a uma enfermeira, ela me dá uma camisola igual às que os pacientes usam, com a qual me sinto patético, embora me proteja da baixa temperatura.

Quando o dia amanhece a mãe de Amanda chega. A reconheço porque a vi durante a semana da festa de aniversario de Amanda no sitio.

Percebo que ela também me reconhece, no entanto, mantêm-se indiferente à mim, sentando-se em outro sofá, sem me dirigir a palavra.

Quero ver a cara dela quando souber que será avó de um filho meu, a quem considera um peão sem cultura e sem estudos, embora não seja realmente.

Por volta das sete horas uma enfermeira entra na sala, perguntando:

-- Quem é Neil?

Levanto-me rapidamente.

-- Sou eu.

-- Amanda quer ver você. – Ela fala sorrindo. Quanta diferença do tratamento recebido nos hospitais públicos da capital carioca, aos quais era obrigado a me dirigir durante minha infância e adolescência.

-- Eu sou a mãe dela. Tenho o direito de entrar primeiro. – A mãe se manifesta.

-- Sinto muito senhora. Ela pediu pra ver Neil e aqui atendemos ao pedido do paciente.

-- Ela sabe que estou aqui?

-- Sabe sim. Vamos Neil?

Sigo-a através do longo corredor.

Sei que estou ridículo com aquela camisola de paciente, penso em tirar, mas seria falta de respeito entrar no quarto de uma dama sem camisa.

Chegando lá, descubro que Amanda não está sozinha na enfermaria, há vários outros pacientes deitados em leitos enfileirados, afinal trata-se de um hospital publico, apesar de o ambiente ser amplo, limpo e arejado.

Aproximo-me do leito que ela ocupa. Ao vê-la as lagrima ameaçam fluir dos meus olhos, mas as engulo.

Não fica nada bem um homem do meu tamanho chorando, ademais preciso transmitir-lhe confiança, ela está fragilizada e ficará mais ainda quando souber que Rebeca está morta.

-- Olá. – Falo, abrindo os lábios num largo sorriso, que não consigo manter ao observá-la mais atentamente.

Parece muito fragilizada; tem o rosto pálido, abatido, usa a mesma camisola que eu e há um soro ligado ao seu braço.

-- V ocê também está internado? – Ela pergunta, com descontração, observando meus trajes.

-- Bem, se houvesse vaga no leito ao lado do seu, até que eu daria um jeito de ficar doente.

Ela sorri. Retribuo enfeitiçado.

-- Já está sabendo da novidade? – Ela pousa uma mão sobre o ventre.

-- Sim e confesso que foi a segunda melhor noticia que recebi nos últimos tempos, a primeira é que você ficará boa. Me sinto muito feliz e honrado por ter um filho com você.

– Inclino-me, afasto sua mão de sobre o ventre e planto beijos ali, maravilhado por saber que há uma parte de mim ali dentro.

Seus olhos brilham, seu rosto se ilumina com outro sorriso que me contagia. Mas logo fica séria.

-- O que aconteceu com Rebeca, ela foi presa? – Pergunta.

Droga! É a pergunta que eu não gostaria de responder. Penso em mentir, apenas para não vê-la abalada, mas não me perdoaria se o fizesse.

-- Ela ficou muito abalada quando atirou em você. Pensou que tinha te matado então... – Não consigo continuar, temo por sua reação.

-- Então o que?

-- Bem, ela... ela se matou.

Ela fita-me em silêncio por um instante, como se digerisse minhas palavras, então, como eu esperava, seu rosto se contrai de angustia, as lágrimas brotam dos seus olhos, banhando seu rosto lindo.

-- Por favor, não fique assim. Se eu pudesse, teria feito alguma coisa para evitar isso. – Mentira, eu a incentivei a atirar e fiquei satisfeito que tenha feito. – Ela fez por amor a você, por acreditar que tinha tirado sua vida. – Acho que minhas palavras não estão ajudando a amenizar sua dor.

-- Se você não a tivesse denunciado nada disso teria acontecido.

Afasto-me, como se acabasse de receber um violento golpe físico.

Prevejo o que vai acontecer, ela me deixará novamente, não sei se suportarei uma terceira vez, principalmente agora que há uma parte de mim dentro de si. Mas de uma coisa tenho certeza: se ela me der outro fora, será definitivo, nunca mais volto a procurá-la, nem a aceitarei de volta.

-- V ocê vai me deixar de novo? – Pergunto, serio.

Ela segura na barra da minha camisola ridícula, tentando puxar-me para si, mas está muito fraca para fazer força.

-- Claro que não meu amor. Por que eu faria isso? Eu te amo, você é a única pessoa que me restou no mundo. Desculpe ter falado aquilo, estou desconsolada com a morte de Rebeca. Me perdoa.

Continuo apreensivo, observando-a imóvel. Se ficarmos juntos, talvez ela passe o resto da vida culpando-me pela morte de Rebeca.

-- Por favor, me abraça, eu preciso de você. – Ela fala, afastando as lagrimas.

Não resisto, todas as minhas barreiras desmoronam. Corro para si, colando meu corpo no seu, acariciando seus cabelos, beijando sua face.

Chego à conclusão de que ali é meu lugar, nos braços dela, mesmo que me culpe pelo que quiser, jamais a deixarei.

-- Ei cara! V ai saindo de cima da moça. Ela está com um ferimento grave no ombro. – Uma enfermeira afro descente esbraveja ao nos ver abraçados.

Afasto-me. Nos fitamos nos olhos, sorrimos juntos da atitude protetora da enfermeira.

-- Sua mãe está aí fora. Quer vê-la?

– Pergunto.

-- Agora não. Quero curtir mais um pouco o pai do meu filho.

Fico impressionando com o fato de ela não ser tão ligada à mãe quanto era à Rebeca. Talvez porque cresceram juntas e foram amigas desde crianças.

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Comments

Luzia Ribeiro

Luzia Ribeiro

olha pelas atitudes da Amanda acho que ela também falta parafusos muito esquisita

2024-04-27

3

Maya

Maya

Preferia que Douglas e Rebecca estivessem vivos pra pagar pelos seus crimes, que Amanda fosse presa por cumplicidade e que Neil seguisse a vida dele mesmo que fosse pra voltar pro seu país pra se distanciar de tudo isso

2024-04-09

0

Amanda

Amanda

Agora os monstros estão mortos, ela é viúva e vida que segue

2023-09-10

7

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